Reportagens

Países não conseguem chegar a um acordo para combater poluição plástica

A expectativa era finalizar o tratado global neste domingo (01), mas não se chegou a um entendimento do que ou como fazer isso

Alice Martins Morais ·
2 de dezembro de 2024

Busan, Coreia do Sul – Diante da dificuldade de chegar a um consenso, a quinta rodada de negociação do Tratado de Plásticos, que era para ser a última, finalizou sem acordo nenhum. O processo, que iniciou em 2022, agora deve ser continuado, provavelmente em 2025, em data e local a definir. Os países estão divididos entre uma grande maioria (mais de 100 países) que busca medidas mais ambiciosas, como reduzir a produção de plásticos, e algumas dezenas de nações que prezam por medidas mais focadas no gerenciamento de resíduos.

“Devemos admitir que não chegamos a um entendimento”, disse o presidente do Comitê de Negociação Intergovernamental (INC, na sigla em inglês), Luis Vayas, ao anunciar a decisão ontem, por volta das 21h. O pronunciamento antecedeu mais uma longa plenária que se encerrou por volta de 2h da manhã de segunda-feira (02), em Busan, na Coreia do Sul. O resultado, no entanto, não surpreendeu quem estava acompanhando, apesar dos grupos de trabalho trabalharem pelo menos 10h por dia e, no sábado, chegarem a 17h de exercício. 

Algumas horas antes, Vayas tinha publicado um texto que já indicava o quanto os países discordavam em pontos críticos, com 300 colchetes, que são marcadores gráficos para questões que seguem em aberto, com destaque para artigos como 3º, sobre Produtos Plásticos, que estão cheios de incertezas, até mesmo se inclui ou não a frase “ciclo completo de vida do plástico”, dentre os objetivos do Tratado. E, mesmo sendo um texto mais enxuto que as versões antes propostas e que deve seguir como base para as futuras negociações, todos os parágrafos seguem praticamente em aberto e muito pode mudar até o final dessa história.

Adalberto Maluf, da delegação brasileira, comemorou que o artigo referente a Produtos Plásticos retomou força nessa última versão do texto. “No texto que circulou antes o Chair [presidente do Comitê] optou por tirar os pontos controversos e ficou muito simplificado. Desde então, o Brasil junto com outros países, como o México, trabalhou muito para ganhar ambição, especialmente em relação aos aditivos químicos e aqueles que fazem mal para o meio ambiente e à saúde pública”, disse o Secretário Nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), em entrevista ao ((o))eco hoje (02), já voltando para o Brasil.

Um dos progressos, na sua avaliação, é ter uma lista de quais são os químicos e plásticos considerados problemáticos, ainda que seja muito inicial. O documento considera sete produtos (ou grupos de produtos) problemáticos, cujo uso é mais provável de se tornar lixo, expor risco à saúde humana e ao meio ambiente. Estão nessa lista inicial cinco tipos de plásticos de uso único e os cosméticos e produtos de cuidados pessoais contendo microplásticos (microbeads) e também produtos infantis, brinquedos e alimentos contendo qualquer um dos sete microplásticos elencados. “Obviamente isso também traz a resistência dos países produtores, em especial do mundo árabe e da Rússia, mas achamos que foi importante. Sem esses temas dos químicos aditivos de preocupações e dos plásticos problemáticos, ficaria um acordo muito frágil”, afirma.

Maluf lembra ainda que o Brasil acabou de sancionar uma lei que estabelece o Inventário Nacional de Substâncias Químicas. “Mas tem outros países menores que não têm como fazer esse tipo de trabalho, então o acordo precisa ter uma ambição também na questão do financiamento, dos meios de implementação e capacitação, cooperação e transferência de tecnologia”, complementa, contextualizando que o Brasil encabeçou uma proposta de que defendia a criação de um fundo independente exclusivo, bancado pelos países desenvolvidos e direcionado principalmente para os países insulares e considerados menos desenvolvidos. O texto ganhou mais robustez com o apoio também dos grupos da América Latina e da África e tinha 120 países apoiando, ao final, mas foi rejeitada pelo presidente do Comitê. “Infelizmente, ele deixou um texto muito confuso, seguiu muito a proposta dos Estados Unidos de que cada um paga a sua conta e todos os países têm que pagar, mas é um contrassenso, porque isso recairia sobre os países em desenvolvimento”, avalia.

Adalberto Maluf e Maria Angélica Ikeda na plenária de abertura do INC-5. Foto: IISD ENB/Kiara Worth

Na visão do secretário, a delegação nacional cumpriu seu papel de negociador e facilitador nesse processo, especialmente no papel da ministra Maria Angélica Ikeda, diretora do Departamento de Meio Ambiente do Itamaraty, que foi tanto co-facilitadora de um dos grupos de trabalho como foi uma das duas delegadas escolhidas para intermediar as negociações no final de semana. “Mas infelizmente acho que o Chair não escolheu muito bem a dinâmica, a maneira de negociar e tivemos muito pouco tempo. Nós estamos no quinto INC, mas até o terceiro não tínhamos praticamente nenhum texto na mesa. Então, pelo menos agora terminamos com um texto”, observa.

Até então a negociação tem seguido o modelo de consenso, ou seja, uma medida só é adotada quando todas as partes concordam. No entanto, como um mecanismo de fortalecimento futuro se considera ter a votação de 3/4 partes da maioria. “O tratado deve ser dinâmico e capaz de evoluir. Inserir regras de votação, como a maioria de dois terços, permitirá que a Conferência das Partes tome decisões eficazes quando o consenso não for possível”, refletiu Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, com base no texto do presidente do INC na tarde de ontem. Sobre financiamento, Santos também defende um fundo independente e governado de forma transparente, “com contribuições justas de todos os responsáveis”. “Sem financiamento robusto e bem definido, os países em desenvolvimento não poderão implementar as medidas necessárias”, corrobora.

Biodiversidade segue em segundo plano 

Assim como foi no texto de rascunho de sexta-feira, o novo documento de base segue deixando a biodiversidade em segundo plano. “Infelizmente, a biodiversidade não parece surgir como prioridade para os negociadores, mesmo que seja essencial considerar assim, pois os plásticos afetam a biodiversidade de várias maneiras. Mas precisamos manter a esperança e continuar pressionando os negociadores para que não ignorem os impactos dos plásticos, incluindo os microplásticos, no planeta e nas pessoas”, declarou Falco Martin, oficial de programa de plásticos marinhos da Fauna & Flora, instituição beneficente internacional de conservação da vida selvagem.

Na plenária final, o representante do Quênia defendeu que o texto usasse uma abordagem de Saúde Única (One Health), ou seja, reconhecendo a interconexão entre a saúde humana, animal e ambiental. “Os outros estados membros devem expressar o mesmo nível de ambição se quisermos um tratado que proteja a biodiversidade”, pontua Martin.

Ele também observa que o novo texto usa a linguagem de “shall” (deve) ao abordar os microplásticos, o que pode abrir caminho para medidas obrigatórias de combate à poluição por microplásticos. “No entanto, o texto sobre ‘microplásticos adicionados intencionalmente’ no artigo 3 está atualmente entre colchetes, o que coloca em risco os esforços para combater essa fonte de poluição”, pondera.

Plenária aplaudindo de pé após fala da Ruanda. Foto: IISD ENB/Kiara Worth

Em Busan, países mais ambiciosos aumentaram sua pressão

Mesmo com o resultado decepcionante, houve uma mudança de ritmo a cada plenária, tendo cada vez mais discursos de países mais ambiciosos, assim como a pressão em cima dos países do Like-Minded, que são produtores de petróleo e se concentram em estratégias focadas na poluição já causada pelo plástico em si.  

Ontem, o primeiro delegado a pedir a fala foi a Arábia Saudita. Já marcado por fazer vários discursos em todas as plenárias, quando o chefe da delegação, Abdulrahman Al Gwaiz, começou a falar, a plateia chegou a fazer um sonífero “ah”, de impaciência. Em contraponto, alguns minutos depois a Juliet Kabera, Diretora Geral da Autoridade de Gestão Ambiental de Ruanda, discursou e pediu para que os apoiadores de altas ambições ficassem de pé, ao que foi atendida e ovacionada pela plenária.

Kabera é uma das lideranças da High Ambition Coalition (Coalizão de Alta Ambição, em tradução livre). Na manhã de domingo, ao verem que provavelmente não sairiam de Busan com um Tratado, esses países realizaram uma coletiva de imprensa com a sala cheia e fizeram uma foto com todo o grupo, para que ficasse como um registro simbólico do fortalecimento que, segundo eles, foi conquistado durante as reuniões do INC. Os países clamaram para que as nações voltem para a casa com lições aprendidas, que esse grupo não se perca no processo e que implementem a transformação que querem em casa.

Depois de dois anos de negociação, não há prazo para eliminação nem de plásticos descartáveis

Enquanto a Coalizão de Alta Ambição buscava medidas para reduzir a produção do plástico como um todo, o Tratado falhou até mesmo em tópicos que eram antes considerados mais simples como a eliminação gradual (phase-out, em inglês) dos plásticos descartáveis, como os usados no mercado de delivery.

Apesar de já existirem legislações em alguns países para esse tema, uma norma mundial facilitaria a ter controle e uniformidade na indústria, além de pressionar os governos a implementarem onde não há regras sobre descartáveis. E essa é uma das tarefas que o Brasil também precisa cumprir, como admite Adalberto Maluf.  “O MMA apoia esse PL, mas acho que temos que fazer uma avaliação mais criteriosa em relação aos custos para eliminar um ou outro produto e quais são as alternativas. O Brasil agora vai fazer essa avaliação um pouco mais criteriosa para que possa também começar a proibir esses plásticos de uso descartável o quanto antes, porque eles têm um impacto gigantesco no meio ambiente também na saúde”, declarou. 

Por outro lado, segundo ele, o que vem avançando no país é a logística reversa de embalagens plásticas. Um novo decreto sobre o assunto será lançado pelo presidente Lula no dia 20 de dezembro, resultado de um processo iniciado pelo Governo Federal ainda em 2022, com uma consulta pública. “[Esse decreto] requer que os produtos de plásticos tenham 25% de material reciclado. Então, precisamos tirar esses químicos aditivos ruins, porque prejudicam muito a nossa reciclagem. Mas a ambição caiu muito nisso. Deixou de ser um capítulo específico e virou subitem de plástico problemático”, considera, reforçando a importância dos componentes problemáticos ganharem mais ambição na próxima negociação para apoiar nas políticas públicas localmente.

Plenária em pé após discurso da Ruanda. Foto: Alice Martins Morais

Tratado de Plásticos

A discussão em torno desse acordo começou em março de 2022, em sessão da Assembleia Ambiental da ONU (UNEA-5.2), quando foi adotada uma resolução histórica para desenvolver um instrumento internacional juridicamente vinculativo sobre a poluição plástica, inclusive no ambiente marinho. O instrumento, de acordo com a resolução, deve se basear em uma abordagem abrangente que aborda o ciclo de vida completo do plástico, incluindo sua produção, design e descarte.

A rodada de negociação em Busan (INC-5) foi precedida por quatro sessões anteriores: INC-1, realizada em Punta del Este, em novembro de 2022, INC-2, realizada em Paris, em junho de 2023, INC-3, realizada em Nairóbi, em novembro de 2023, e INC-4, realizada em Ottawa, em abril de 2024.

Como parte da bolsa de reportagem 2024 da Internews/Earth Journalism Network, a jornalista Alice Martins Morais faz a cobertura presencial do INC-5, em Busan, Coreia do Sul, de 25 de novembro a 1º de dezembro.

  • Alice Martins Morais

    Jornalista freelancer e especialista em Comunicação Científica. Sua cobertura foca especialmente em temas relacionados ao Meio Ambiente, Ciência e Amazônia.

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