Na terça-feira, dia 21 de fevereiro, a Conferência Nacional dos Bispos Americanos e a Associação Nacional Evangélica, dois organismos de forte viés conservador e que nas últimas eleições presidenciais apoiaram a candidatura de George Bush, apareceram num julgamento na Suprema Corte do lado oposto ao de seu velho aliado. Estavam lá dando apoio moral e legal a uma pequenina seita de apenas 130 membros, seguidores de uma religião fundada no Brasil em 1961, em plena floresta amazônica. Oficialmente ela atende pelo nome de Centro Espírita Beneficente União do Vegetal (UDV).
Há cinco anos, os membros de seu braço americano lutam nos tribunais para proibir o governo de impedir o consumo de um chá com substância alucinógena, o hoasca – que a maioria dos brasileiros conhece como Daime – em suas cerimônias religiosas. A turma da fé venceu. Por unanimidade, os juízes decidiram, em nome da liberdade de religião, que o governo federal não pode usar a lei anti-drogas dos Estados Unidos para impedir que a seita consuma o hoasca durante suas manifestações espirituais. A sentença já era esperada porque em três instâncias judiciais inferiores a UDV tinha obtido o mesmo veredito.
Essa história toda começou em 1999, quando fiscais da alfândega americana apreenderam 3 tonéis com a folha e o cipó utilizado para fazer o hoasca que tinham sido enviados da Amazônia para seus seguidores norte-americanos. Depois disso, apreenderam 14 galões com o chá no estado do Novo México, na casa do líder da seita, Jeffrey Bronfman, que pertence a uma das famílias mais ricas do Canadá. As autoridades alegaram que a bebida continha dimetiltriptamina, ou DMT, que está no anexo I da lei federal anti-drogas, uma lista que contém o que o governo considera ser substâncias que em hipótese alguma podem circular no país.
Ao longo de todo o processo judicial, inclusive durante o julgamento na Suprema Corte, nenhum dos lados discutiu essa questão. Deu-se de barato que o hoasca de fato continha o DMT e que ninguém discute que ele é mesmo um alucinógeno. O governo argumentou que é obrigado a aplicar a lei de maneira uniforme e que tem o dever de proteger a saúde das pessoas – no caso, dos membros da seita – contra a ingestão de substâncias perigosas. Alegou também que permitir o consumo do hoasca nos cultos da UDV poderia incentivar o seu uso para outros fins.
Exceção
A UDV retrucou que a Lei de Restauração da Liberdade de Religião, aprovada em 1993, proíbe o governo federal de impedir a prática religiosa, a não ser que consiga provar que a restrição atende aos interesses da coletividade e que ele não tem nenhum outro meio à sua disposição para fazer valer sua autoridade. E mostrou que, nesse caso específico, ele tinha. Os ingredientes do hoasca, com base numa liminar, vinham sendo importados desde 2001 sob estrita vigilância e regulamentação das autoridades policiais. A UDV provou também que não havia qualquer ocorrência policial relatando o consumo do chá fora das cerimônias da UDV.
Sobre os eventuais danos que a bebida poderia causar à saúde de seus membros, ela disse que todos os iniciados recebiam informações sobre possíveis consequências do seu consumo, como aliás recomendou a decisão judicial que lhe deu a liminar para continuar trazendo os ingredientes do chá da Amazônia. O relator do processo, John Roberts, presidente da Suprema Corte, concordou com a UDV em todos os aspectos do caso. Lembrou também que o argumento que a lei não permite exceções, naquele caso específico, não passava de uma idiotice jurídica.
Roberts mostrou que há 35 anos, depois de uma pendenga judicial, o governo americano fez uma exceção e liberou o uso do peyote, que tem nos seus ingredientes a mescalina, para cerimônias da Igreja Nativa Americana, religião que tem origem nos cultos indígenas norte-americanos. Diante de tudo isso, Roberts e seus pares na Suprema Corte não viram outra alternativa a não ser ordenar que o poderoso governo americano deixe em paz o diminuto Centro Espírita Beneficente União do Vegetal e feche os olhos para o consumo do daime em suas cerimônias religiosas.
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