No atual cenário de mudanças climáticas, muito se fala sobre adaptação e resiliência climáticas e certamente você já ouviu algum desses termos. Mas será que na prática todos têm tido o mesmo acesso à esses projetos? Será que essas ações chegam efetivamente em todos os territórios? Já parou para pensar como se dão esses processos nas periferias da sua cidade?
Segundo a Política Nacional sobre Mudanças do Clima – PNMC, em seu Art 2º, inciso I, entende-se por adaptação: “iniciativas e medidas para reduzir a vulnerabilidade dos sistemas naturais e humanos frente aos efeitos atuais e esperados da mudança do clima”. Portanto, são um conjunto de estratégias contínuas, voltadas para preparar territórios, comunidades e ecossistemas diante dos impactos das mudanças climáticas.
É por meio da implementação de infraestrutura e fortalecimento de políticas públicas que assegurem os direitos básicos das pessoas, diante da nova realidade climática, que ocorre o aumento da resiliência climática de uma comunidade. Esses dois termos, então, andam juntos.
Em cidades amazônicas como Belém, é fundamental pensar a adaptação climática na dimensão da infraestrutura a partir de obras de drenagem e cobertura vegetal por dois motivos: o primeiro porque a cidade conta com um alto índice pluviométrico e é necessário que se crie estratégias para drenagem dessa água da chuva e, segundo porque registra altas temperaturas o ano inteiro. sendo necessário amenizar os efeitos das ilhas de calor espalhadas pela cidade, sobretudo nas áreas mais periféricas.
Dados da pesquisa “Fala Juventudes da Amazônia” revelam que 32,53% dos jovens da Amazônia Legal que foram consultados consideram como problema ambiental mais urgente o “desmatamento” (COJOVEM, 2025). Ainda, quando perguntados sobre a cobertura vegetal em suas cidades, 73,73% desses jovens responderam que ela tem “diminuído” em suas cidades (COJOVEM, 2025). Além disso, estudos como o de Farias & Costa (2025) revelam a perda de cobertura vegetal em alguns bairros de Belém, em uma análise multitemporal. Esses dados revelam o aumento da vulnerabilidade ambiental nas cidades da Amazônia em termos de enfrentamento às mudanças climáticas.
Com o anúncio da COP30 na cidade, diversas obras de infraestrutura para vieram no pacote, com um discurso de melhoria na infraestrutura, sustentabilidade e adaptação da cidade para as mudanças climáticas.
Parques lineares em canais de drenagem da cidade foram construídos, ruas foram duplicadas e foi anunciada uma rodovia de trânsito rápido (Avenida Liberdade) que melhoraria significativamente a mobilidade urbana a nível da Região Metropolitana de Belém – RMB. Além disso, foram adquiridos ônibus com ar-condicionado e implementados novos trechos no sistema Bus Rapid Transit (Transporte Rápido por Ônibus) – BRT presente na RMB, operando com ônibus elétricos. Ainda, foram desenvolvidas diversas obras de macrodrenagem através da canalização de cursos d’água, nas baixadas de Belém.

Via de regra, esses parques lineares têm pouquíssimas funções ecológicas para os cursos d’água sobre os quais estão localizados, sendo eles o Parque Linear da Doca e o Parque Linear da Tamandaré, um deles ainda precisa ser entregue, o do Canal São Joaquim. São obras que apenas “embelezam” esses espaços e oferecem até certo ponto, mais uma opção de lazer para a população. Porém, em termos de eficiência ecológica não apresenta impactos relevantes.
Nas baixadas que sofreram as intervenções, a partir da canalização dos rios (prática antiga na cidade), essas obras têm caráter puramente sanitarista. Uma vez que, esses canais de concreto são projetados para drenar além da água da chuva, o esgoto sanitário. Além disso, não há menção de projetos de arborização nesses canais, o que deixa esses espaços, que já são periféricos, cada vez mais quentes e vulneráveis.
Um fato interessante é que não foi anunciado nenhum projeto de parque linear ou área verde nessas áreas periféricas da cidade. Aliás, já notou que os parques e áreas verdes parecem ser equipamentos urbanos exclusivos para as áreas mais valorizadas da cidade? Com sorte, alguns de nós conhecemos alguma praça de bairro onde há alguma vegetação, porém não é a realidade de todas as periferias, e em Belém não seria diferente.

Entretanto, longe das manchetes dos jornais e das inaugurações oficiais, as periferias criam suas próprias formas de adaptação climática. Não são planejadas, não seguem editais, nem se autodenominam “climáticas”. São fruto do cotidiano, do improviso e da necessidade. São mulheres e homens que, movidos pelo instinto de permanecer, constroem suas estratégias levantando o batente das casas quando o nível da água aumenta, plantando árvores para refrescar o ambiente, limpando os canais para evitar transbordamentos e plantando às margens desse curso d’água. E assim, nascem ações de adaptação climática sem a pretensão de ser, porém, muito úteis ecologicamente.
Dos vários canais criados em Belém, existe uma espécie de “parque linear” no Canal Água Cristal, altamente funcional para os moradores no sentido de conforto térmico e lazer. Outro exemplo é o Green Vala, uma espécie de balneário criado e gerido pelos moradores que moram no Canal da Três de Maio. Esses espaços são frutos da própria comunidade, que se organiza, constrói, ocupa e transforma. São brechas de frescor e esperança em meio ao concreto e à desigualdade. Um genuíno exercício de esperançar!
Essas experiências mostram que a adaptação climática não é apenas um tema técnico ou um campo das engenharias. E que a resposta para a crise está nos territórios, nos sujeitos que vivenciam em seus corpos os efeitos das mudanças no clima. Sendo necessário, portanto, ouvirmos quem está na ponta.
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