O acolchoado verde que cobre hoje cerca de 50% do território brasileiro está se tornando amarelo. A floresta amazônica, uma das regiões mais ricas e de maior biodiversidade do planeta, é tomada pelas extensas plantações de soja em velocidade astronômica. Entre 2003 e 2004, a Amazônia perdeu 26.130 km2 de floresta – segundo maior índice de toda a história. Como conseqüência do avanço da fronteira agrícola, o desmatamento cresce, a fauna e flora ficam comprometidas e a população que vive dos recursos naturais da região são afetadas. O documentário “Soja: Em nome do progre$$o” produzido pelo Greenpeace e lançado dia 4 em São Paulo, mostra como isso acontece.
“Estamos lutando para que não se repitam os erros já cometidos na Mata Atlântica. Não faz sentido destruir a Amazônia para plantar grãos que servirão de comida para os porcos da Europa ou, futuramente, cana-de-açúcar para a produção de combustível, usado nos Estados Unidos e Japão”, afirmou o diretor executivo do Greenpeace no Brasil, Frank Guggenheim. Ele esteve presente na estréia do documentário.
Os números apresentados no vídeo indignaram a platéia. A área de floresta desmatada é um exemplo. Em cerca de 30 anos, a Amazônia perdeu área equivalente ao tamanho da França. E se as coisas continuarem caminhando como estão, pesquisadores estimam que 40% do que restou deve desaparecer até 2050. Ainda não é tudo. Estudos mostram que a produção global de soja está subindo. Em 2003, foram 186 milhões de toneladas. Em 2020, a estimativa é que esse número suba para 300 milhões. Sendo o Brasil um dos principais exportadores do grão, subentende-se que mais um pedacinho da floresta irá embora.
Mas quem está por trás de tudo isso? São as multinacionais norte-americanas, esclarece o documentário. “Elas fornecem aos produtores crédito fácil e mercado garantido, dando incentivos e recursos para que eles comprem e desmatem as áreas da Amazônia”, diz o pesquisador do Greenpeace Nilo D´Ávila, um dos produtores do vídeo. Com tantos subsídios, os “sojeiros” vêm do sul do país e do Mato Grosso, se instalam na Amazônia, compram terras a preços irrisórios e ainda expulsam a população do campo para as cidades. “A vinda dos produtores contribui para a grilagem de terras. As principais vítimas da ocupação ilegal são os índios e pequenos posseiros.”
Conseqüências
Narrado pelo ator Marcos Palmeira, o documentário conta com depoimentos de moradores de Santarém (oeste do Pará), região onde a soja já teve graves impactos socioambientais. “Em breve, vai faltar comida e saneamento básico. É triste pensar que o governo investiu em agricultura de exportação e quase nada na familiar”, lamenta Maria Luciene Sardinha, delegada da Associação de Mulheres de Santarém. Os resultados desse disparate são cada vez mais famílias migrando para as cidades e enchendo as favelas.
A opção por relatar o caso de Santarém, segundo D’ Ávila, foi proposital. “É o local onde a Cargill construiu, sem nem mesmo realizar um Estudo de Impacto Ambiental (Eia-Rima), seu porto graneleiro. Além disso, a região é peça-chave para a conservação e já tinha vários movimentos organizados que poderiam nos ajudar”, ressalta. A Cargill, juntamente com as multinacionais norte-americanas Bunge e ADM, são as responsáveis por financiar a indústria da soja na floresta amazônica.
O procurador-chefe do Ministério Público Federal de Belém, Felício Pontes, conta que, normalmente, as pessoas vendem suas terras aos produtores agrícolas sob a ameaça de pistoleiros. “A situação é ainda muito mais grave do que a provocada pela indústria da madeira, porque o estado está totalmente ausente. Existem mais fiscais do Ibama em toda Santa Catarina do que na Amazônia.”
Bastidores
Um dos objetivos do Greenpeace com o documentário é conscientizar as pessoas de fora da Amazônia sobre o que está acontecendo com a floresta. “O resto do Brasil não conhece a Amazônia. Ela ainda é vista como algo que tem de ser tutelado de fora, goela abaixo. É por isso que gerações e gerações de pessoas que vivem lá e têm conhecimento tradicional são ignoradas”, reclama Pontes.
Resultado do trabalho de três anos de estudos, o vídeo não teve uma idéia inicial. “Percebemos que tínhamos uma série de imagens que gravamos para utilizar nas pesquisas. Aí compreendemos que havia uma história para ser contada. Foi primeiro a câmera na mão e depois a idéia na cabeça”, brinca D’ Ávila. Outras duas saídas a campo foram necessárias para captar depoimentos dos moradores da região. “Tivemos um pouco de dificuldade, porque muitos não queriam ser filmados. Principalmente aqueles que ‘entregaram’ suas terras e foram morar na cidade. Acho que por vergonha de admitir que erraram.” Ele se refere as pessoas que venderam suas propriedades e, na cidade, não tiveram condições de se sustentar, devido à ausência habilidades urbanas e à falta de escolaridade.
Quem tiver interesse em adquirir o vídeo, que teve tiragem de 3 mil exemplares, pode solicitar uma cópia ao Greenpeace de São Paulo (11 3035 1196) e falar com Caroline Donatti. A intenção dos produtores é, futuramente, disponibilizar na internet.
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