Quem chega a Santarém, no Oeste do Pará, fica logo sabendo que o Greenpeace está na cidade. Não por causa de seus ativistas, que desde a fundação da Ong na década de 70, se notabilizaram por fazer ações espetaculares para divulgar as suas causas ambientais. Eles não estão parados. E até fizeram uma manifestação mais ao seu gosto, como estender uma imensa faixa de protesto em área grilada de quase 1 mil e 700 hectares recém-desmatada pelo sojicultor José Donizetti de Oliveira. Mas desde que chegaram ao município, em março, sua atuação tem se pautado pela escolha de meios mais comportados para propagar a sua mensagem contra os desmatamentos provocados pela entrada da soja na região. Têm feito inúmeras palestras em escolas e universidades, conversado com autoridades e atendido aos pedidos de entrevistas, algumas francamente hostis, da imprensa local.
O que denuncia a presença do Greenpeace no município é o barulho que anda sendo feito pelos plantadores do grão na região, que tentam galvanizar apoio entre a população de Santarém contra a entidade. Eles espalharam outdoors pela cidade dizendo que o produtor rural produz alimentos e gera emprego e renda, em oposição ao que a peça publicitária chama de “ongueiros”, que “recebem dinheiro de alguém para produzir desemprego, atraso de vida, miséria, intriga, invasões. Colhem teu futuro, teu sonho de melhorar de vida. Pense Nisso! Fora Greenpeace”.
O cartaz é filhote de um adesivo distribuído nas oficinas que parece ser muito popular, principalmente com os pára-choques e vidros traseiros de camionetes 4×4. Ele faz apelo nacionalista, “A Amazônia é nossa”, para depois repetir o bordão “Fora Greenpeace”. Mas a população de Santarém está dividida e a estratégia de distribuir adesivos ofensivos à Ong está sendo, em parte, um tiro pela culatra. Tem gente na cidade que recorta apenas a palavra “Greenpeace” e circula por Santarém fazendo propaganda a favor da organização.
Paulo Adário, coordenador da Campanha Amazônia do Greenpeace, diz que em todos esses anos de atuação na região – ele está aqui desde 1997 – nunca viu campanha tão bem orquestrada contra a Ong. “Até respeitaram os parâmetros gráficos de nosso logotipo”, diz ele. O presidente do Sindicato Rural de Santarém, Adinor Batista dos Santos, diz que sua entidade não está diretamente envolvida com a propaganda anti-Greenpeace. “Ela é espontânea, resultado da indignação de alguns produtores rurais com o que está acontecendo”, diz. “Mas é claro que nós a apoiamos”. Se a reação está dando resultado é outra história. Ela serviu para aglutinar apoio em torno dos sojicultores. Mas despertou também um sentimento ambientalista que estava adormecido na cidade.
Meio ambiente em debate
Marcelo Marquesini, o encarregado do Greenpeace de tocar as palestras em escolas e universidades, conta que há lugares em que os alunos são abertamente contra os sojeiros, do mesmo modo que em algumas escolas o clima é um tantinho mais pesado. “Mas mesmo nelas, nunca fui impedido de falar”, diz. E é comum os estudantes o procurarem depois que termina sua fala para continuar o debate, coisa na qual ele enxerga pelo menos uma pequena vitória. “Esse embate aberto pelo menos colocou o município discutindo essa expansão desenfreada de frentes agrícolas Amazônia adentro”.
A atuação relativamente contida dos ativistas da Ong corre o risco de mudar de patamar a partir dessa quinta-feira, quando chega à cidade, plantada às margens do rio Tapajós, um de seus três navios, o Artic Sunrise, um antigo quebra-gelo que antes de ser comprado pelo Greenpeace era usado para caçar focas nas latitudes mais frias do planeta. A simples presença do barco provavelmente ajudará a elevar o tom do confronto. Aliás, já ajudou. Tão logo sua vinda foi anunciada numa entrevista coletiva dada por Paulo Adário, começaram a circular rumores que os sojicultores preparam uma manifestação contra a Ong no fim de semana. Mas quem se mexeu primeiro para torpedear a chegada do navio foi a Companhia Docas do Pará, a autoridade portuária.
Originalmente, o plano do Greenpeace era não atracar o barco no porto de Santarém, mas ancorá-lo ao largo, bem em frente ao terminal de soja construído irregularmente – sem o devido Estudo de Impacto Ambiental – pela multinacional Cargill em 2002. Desde a sua inauguração, a área desmatada no município dobrou de tamanho, como é comum acontecer em qualquer lugar da Amazônia que recebe obras de infra-estrutura de grande porte. Mas no início da noite de quarta-feira, 10 de maio, a Ong foi informada pela autoridade portuária que não receberia autorização para ancorar onde pretendia, atitude que condenou vários brasileiros que estão a bordo, inclusive dois práticos embarcados em Belém, a uma espécie de exílio temporário em águas nacionais. Apenas por volta do meio-dia de quinta-feira os brasileiros começaram a desembarcar, com o navio fundeado a cerca de uma milha do porto da Cargill.
O comandante Câmara, da Capitania dos Portos de Santarém, informou que os próprios representantes do Greenpeace se disseram inseguros em atracar o navio no local previsto, mas explicou que em nada podia fazer sobre autorização do fundeio, medida que cabe apenas à Companhia Docas do Pará (CDP).
Celso Lima, administrador do porto – e marido da atual prefeita de Santarém, Maria do Carmo Martins Lima – disse que o Artic Sunrise não teve autorização porque o Greenpeace sequer estava programado para ancorar. Segundo ele, a entidade deveria ter feito a solicitação dos serviços do porto pelo site da CDP e aguardar uma resposta. “No dia 8 chegaram aqui com uma correspondência, e esse não é o procedimento”, diz Lima. “Além do mais, nosso porto só comporta um navio atracado por vez e já existe um sendo carregado de madeira, sem data certa para ir embora”, completa o administrador. Lima aproveitou para dizer que, mesmo se o porto estivesse vazio, o Greenpeace não seria atendido porque não fez o pedido com 48 horas de antecedência, pelo site.
Por causa do clima de tensão, o Greenpeace decidiu adiar uma exposição de fotos da Amazônia que faria na manhã desta quinta-feira no porto de Santarém. Lideranças dos sojeiros marcaram uma passeata para protestar contra a presença da Ong no mesmo lugar.
* Colaborou Juliana Tinoco.
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