Mal podem imaginar as baleias, nadando nos diversos e profundos mares do planeta, que nesta sexta-feira, dia 16, se iniciou uma verdadeira guerra política para decidir o rumo de suas vidas. Na ilha caribenha de Saint Kitts e Nevis, 70 países estão reunidos no 58º Encontro da Comissão Internacional da Baleia (CIB) para debater a sustentação da moratória à caça, que dura 20 anos. Desta vez, a tradicional rixa entre os países baleeiros e os conservacionistas está mais acirrada, pois há a possibilidade de enfraquecimento das regras de defesa deste grande mamífero marinho.
Pela primeira vez, em muitos anos, o Japão, notadamente a nação mais aguerrida na defesa da pesca de baleias, conseguiu angariar novos aliados para derrubar a moratória. Espera-se que a proposta japonesa consiga vencer com maioria simples (51% dos votos) no plenário da CIB, o que não significa que a caça estará liberada. O texto da Convenção Internacional de Caça à Baleia, assinado em 1946, exige ¾ de votos para a suspensão ou aplicação da moratória. Mas tal vitória pode iniciar um processo de desmonte das normas de proteção.
De acordo com a pesquisadora-chefe do Projeto Baleia Franca, Karina Groch, com a maioria simples, os países baleeiros poderão extinguir os comitês de conservação e turismo, de onde saem estudos e propostas de alternativas econômicas à caça de cetáceos. Também teme-se que o Japão proponha votações secretas e não mais abertas no plenário do CIB, algo que dificultaria a ação diplomática dos países que pregam a conservação.
Comissários brasileiros que já estão em Saint Kitts reportaram o “clima reinante como o pior possível” e afirmam que o Japão está promovendo um “shopping político” ao oferecer ajuda econômica em troca de votos na CIB. Ilhas Marshall, Guatemala e Camboja, por exemplo, mudaram de lado e se aliaram aos japoneses.
Para contrapor a articulação política feita pelo Japão, o Brasil e a Argentina, apoiados por nações do Hemisfério Sul e pela Oceania, apresentarão novamente a proposta de criação de uma área livre da caça às baleias, o Santuário de Baleias do Atlântico Sul. A idéia já foi levada cinco vezes às reuniões da CIB e sempre obteve a maioria simples dos votos. Como no caso da moratória, seria necessário obter ¾ do plenário para instituir a zona protegida. “Não temos nenhuma ilusão de que a proposta será aprovada. O que queremos é cristalizar o conceito de que o Atlântico Sul deve ser uma zona livre da caça”, pondera a conselheira Maria Teresa Pessôa, comissária do Brasil na CIB.
Argumentos econômicos
Na reunião que se inicia na sexta, diz Maria Teresa, as nações conservacionistas colocarão ênfase nos argumentos econômicos. A linha de raciocínio é de que, se liberada a caça no Atlântico Sul, os ganhos ficarão restritos aos países desenvolvidos, os únicos com frotas capazes de pescar baleias em águas internacionais. Desta forma, criar um santuário nos mares do Hemisfério Sul significaria dar direito aos países mais pobres de optarem por uma alternativa de uso não letal dos cetáceos. Esta opção seria o turismo de observação de baleias. Segundo dados do governo neozelandês, esta prática já é realizada em 87 países e gerou uma renda de 1 bilhão de dólares no ano 2000. Junto a isso, é claro, viriam os benefícios ambientais, pois no Atlântico Sul estão as áreas de alimentação e reprodução das baleias.
Contudo, o governo japonês não vê turismo, preservação e caça às baleias como atividades excludentes. Não concorda com a proposta da criação do Santuário Atlântico Sul. Para o secretário para assuntos agropecuários, florestais e de pesca no Brasil, Ichiro Abe, é possível fazer pesca sustentável de baleias minke nos mares do Sul porque há dados científicos dos comitês da CIB comprovando a superpopulação da espécie. São estes mesmos dados, diz ele, que possibilitam interromper a moratória vigente. “O santuário não é uma medida adequada, acreditamos na gestão sustentável do recurso. A posição do Japão é parar com a moratória”, pontua Abe.
Os dados mencionados pelo governo japonês são bastante controvertidos, rebate Karina Groch. Apesar de terem sido avalizadas pelo comitê científico da CIB, as pesquisas foram conduzidas por navios japoneses em seu programa de caça científica na Antártica, o JARPA. Nas negociações para introduzir a moratória, os países baleeiros obtiveram uma ressalva que os permite caçar os mamíferos marinhos a fim de estudarem a distribuição da espécie e seus hábitos nas cadeias alimentares. Ou seja, foi dado o direito de acompanhar a evolução populacional para se fazer uma revisão da moratória a cada dez anos.
O problema é que não há parâmetros para esta “caça científica”. O Japão informou ter matado anualmente 400 baleias minke desde 1988 – parte foi parar em supermercados. Agora, uma nova fase de pesquisa será iniciada, o JARPA II, e a permissão da CIB foi elevada a 850 baleias minke por ano. “Os dados da primeira experiência não foram conclusivos, por isso teremos esta nova fase”, explica o secretário Ichiro Abe. O Itamaraty, no entanto, enxerga no segundo programa japonês um propósito político. “Eles estão intensificando a caça científica para obrigar a CIB a revisar as regras de moratória”, avalia Maria Teresa.
No campo das relações internacionais, as posições japonesas com relação à CIB estão sendo interpretadas de uma maneira mais ampla. Hoje em dia, o consumo de carne de baleia decresce rapidamente no Japão, o que tornaria inexplicável o desejo de aumentar as capturas. Em 2005, por exemplo, das 4.800 toneladas colocadas no mercado, apenas 800 quilos foram comprados, sendo o resto congelado. Por isso, supõe-se que derrubar a moratória na CIB se tornou uma estratégia para o Japão evitar novas restrições de uso dos recursos pesqueiros.
Segundo Ichiro Abe, a pesca está no cotidiano do povo japonês e o consumo de carne de baleia voltará a crescer se as barreiras internacionais caírem. O elemento cultural na defesa da caça aos cetáceos também é central para a Noruega, outro país que afirma ter dados suficientes para realizar a pesca sustentável da espécie minke. Um texto do governo norueguês, por exemplo, sustenta que a caça à baleia já era um hábito dos primeiros habitantes das costas norueguesas e nem por isso houve decréscimo na população. Mas se elementos culturais são a razão para acabar com a moratória de caça às baleias, a chefe da missão brasileira, Maria Teresa, parece já ter uma resposta na ponta da língua. “Ora, tradicionalmente, os primeiros habitantes brasileiros eram canibais, mas nem por isso estamos defendendo a liberação desta prática”.
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