Quem ainda não foi apresentado à mudança climática pode fazer uma bela economia em filtro solar visitando o RealClimate, a discussão sobre o aquecimento global que os maiores especialistas na matéria travam pela internet. Passam por sua página neste momento os comentários sobre uma reportagem do New York Times, que mostrou outro dia as últimas soluções da geoengenharia para o problema. Parecem brinquedos de gente grande, mas tão grande quanto o químico Paul Crutzen, que ganhou o Nobel com a descoberta de que nossos borrifos de aerosol cavam buracos na camada de ozônio. Crutzen vem agora com a sugestão de encher desses gases a estratosfera para esfriar a terra, rebatendo o calor solar de volta ao espaço. Mais ou menos como fazem os vulcões.
Com tamanho pendor para propor empreitadas em escala cósmica, os geoengenheiros têm mais clientes entre políticos do que torcida organizada no meio científico. Eles inspiraram projetos como o da União Soviética, que nos anos 60 quis bombardear o Pólo Norte com ogivas nucleares, para derreter o gelo ártico e aquecer o inverno russo. O site lembra também que, não faz muito tempo, levantou-se na Europa a hipótese de represar o estreito de Gilbraltar, para evitar que o Mediterrâneo, salgando as águas do Atlântico, alterasse o regime de ventos no Hemisfério Norte.
São Francisco
Com tanto exemplo mirabolante dando sopa, os autores nem se deram ao trabalho de escarafunchar o passado mais remoto, onde ninguém menos que Leonardo da Vinci e Nicolau Maquiavel juntaram seus consideráveis talentos na Florença renascentista para pôr em marcha um plano delirante de desidratar a cidade de Pisa, desviando de seus muros o curso do rio Arno. Fracassaram redondamente. Mas produziram um clássico da transposição fluvial, que deveria ser leitura obrigatória no lobi brasiliense do São Francisco.
Esse tipo de proposta tem sempre um pé na ficção científica e outro na capacidade humana de preferir qualquer esforço aos mínimos sacrifícios, como reduzir as emissões de carbono que conjuram as desordens climáticas. Mas Crutzen é peso pesado. Nem os céticos se arriscam a descartá-lo como se ouvissem zumbido de mosca. Eles admitem que, em princípio, a fórmula poderia funcionar. Resta saber a que preço. Para começo de conversa, os custos da empreitada, além de incalculáveis, seriam ascendentes. Com as emissões de carbono crescendo aqui em baixo, seria necessário renovar “a cada par de anos” as doses de aerosóis lá em cima. Os gases filtrariam a luz solar no planeta. Produziriam com certeza poentes espetaculares, como os do Pantanal na época da queimada. Em troca, cairiam sobre nossas cabeças chuvas ainda mais ácidas. E nosso manto de ozônio estaria em farrapos.
Nada disso é urgente. Mas convém aproveitar a polêmica divertida para ir correndo ao RealClimate, onde no mínimo se aprende que o mundo pode estar, bem ou mal, tratando de outras prioridades, enquanto aqui se rumina o quadrado mágico do Parreira. O site é feito por climatologistas, mas escrito para leigos, inclusive jornalistas. Ele recepciona o recém-chegado com uma colagem de fotografias no cabeçalho em que o oceano Índico visto da Space Shutle e o sol em close de telescópio espacial se fundem com um céu filtrado por chaminés fumarentas.
Lá dentro, há reações rápidas a notícias que estão no ar, boiando no éter da ignorância científica. Os autores avisam que não se metem com políticos ou em bate-boca de economistas. Comportam-se como se estivessem reunidos numa academia virtual, trabalhando de graça como blogueiros. Seus colaboradores doam tempo livre a uma causa que consideram importante demais para ficar nas mãos de governos desenvolvimentistas e devotos da poluição atmosférica.
Conhecê-lo pode ser o primeiro passo para receber a notícia do século. Nos Estados Unidos, ela é a estrela de um documentário de Davis Guggenheim. O filme teve a coragem de se chamar “Uma verdade inconveniente”. Baseia-se da dificuldade que o ser humano tem para enxergar a verdade quando seu salário depende de não vê-la. Incumbiu da narração o ex-vice-presidente Al Gore, que há seis anos saiu da campanha eleitoral contra George Bush não só derrotado, como com fama de chato. Agora enche cinemas. Se quiser saber por que, visite o endereço http://www.realclimate.org.
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