O modelo tradicional da educação encoraja a obediência e a passividade. É esperado do aprendiz um comportamento cordato e sem grandes questionamentos de o porquê dos fatos, ou de como chegamos às realidades atuais. Questionamentos também poderiam vir da mídia, mas com mais de 90% dos meios de comunicação em mãos de particulares, os interesses acabam sendo tendenciosos, e a probabilidade de se manter o status quo é grande. Com isso, educação e mídia, que poderiam atuar lado a lado para influenciar mudanças, acabam trilhando caminhos isolados um do outro, o que ajuda a alimentar os modelos já estabelecidos. Sendo assim, as pessoas se sentem alheias à responsabilidade para com o coletivo e esperam dos outros as mudanças às realidades indesejadas.
A educação ambiental prega o contrário. Estimula o pensamento crítico, a reflexão sobre a evolução histórica e a participação consciente em processos transformadores. Isabel Carvalho (2001:18), por exemplo, aponta para o fato da riqueza do ‘ambiental’ ser “uma questão catalisadora de um importante espaço argumentativo, acerca dos valores éticos, políticos e existenciais que regulam a vida individual e coletiva”. Surgida nos campos científico e naturalista, a educação ambiental teve seu início como uma interpretação literal, ou uma leitura da natureza. O educador ambiental passou aos poucos de intérprete de uma natureza quase que contraposta ao mundo humano, a se incluir como sujeito interpretado, parte inseparável da dimensão mais profunda das inter-relações em que está envolvido.
Nesse sentido é fundamental que haja participação efetiva, e a educação necessita passar a estimular este processo. Segundo Pedro Demo, participação é o processo histórico de conquista e a melhor obra de arte do homem em sua história, porque a história que vale a pena é a participativa. Conclui que assim é possível atingir o menor teor possível de desigualdade, de exploração, de mercantilização e de opressão.
São muitas as estratégias sendo adotadas para estimular maior participação das pessoas em geral, mas os desafios são grandes, principalmente devido à predominância da educação tradicional que se baseia no contrário. É fundamental que analisemos os valores que adotamos, a maneira de vermos o mundo, além de como nos percebemos (ou não) como atores de mudanças.
Em seu livro The Soul of Money, Lynne Twist defende que a situação atual do planeta se deve a três premissas equivocadas, que são incutidas nas pessoas desde a infância. A primeira tem relação com escassez e alguns exemplos reconhecemos em nosso dia a dia, como: as horas de sono não foram suficientes; o dia vai ser curto para a quantidade de compromissos assumidos; o dinheiro não será o bastante para o que é necessário ou desejado. A segunda premissa refere-se a quanto mais melhor. Com isso, acumula-se tudo o que se pode porque há sempre o receio de que vai haver falta. O quanto mais melhor acaba por provocar competição ao invés de cooperação, e egoísmo no lugar de generosidade. A terceira premissa parte do princípio que é assim que as coisas são, o que leva as pessoas a se sentirem incapazes de lutar contra o que está errado. Ao contrário, a idéia inspira a nada se fazer, pois as transformações não estão ao nosso alcance.
Segundo a autora, essas premissas são responsáveis por muitos danos morais, sociais e ambientais. Por outro lado, ela garante que há uma abundância no planeta suficiente para garantir a todos uma vida digna, principalmente, e talvez somente, se a natureza for respeitada. Com a certeza da abundância não é necessário acumular riquezas, o que garantiria uma partilha generosa dos bens disponíveis. Finalmente, clama as coisas não devem permanecer como estão, e cabe a cada um a responsabilidade de reverter realidades indesejadas. Aponta o engajamento em causas nobres como saída para a realização plena individual, que depende do fluir de um dar e um receber conscientes.
Essa forma de encarar a vida vai além da educação ambiental. No entanto, é esse tipo de pensamento que suscita o estímulo à reflexão, permitindo uma mudança dos valores que regem nossa forma de agir no mundo.
Em termos mais amplos, é interessante analisar a linha de pensamento proposta pelo Budista Thich Nhat Hanh (1988), em seu livro The heart of understanding, quando enfatiza a importância do ser humano compreender sua ligação com o mundo não-humano. Todos os seres vivos são compostos de elementos não-vivos, chamados de inanimados, como o ar, a água e os minerais. O ser humano é composto e depende desses elementos inanimados e também de elementos não-humanos, como florestas, rios e montanhas. Essa percepção quebra a separação entre o que possui vida e o que não possui, e aguça a importância do respeito a todos os elementos encontrados no planeta. Hanh denomina esse princípio de interdependência entre todos os seres e elementos da natureza como ‘interser’, pois existem elos de ligação entre tudo, mesmo que sutis e não facilmente perceptíveis.
Muitos educadores ambientais tem percebido a sutileza do ser humano pertencer a um todo maior, e da necessidade de uma busca da essência, da volta ao húmus e à terra, de modo a atingir a liberdade e o poder da transformação. Carlos Brandão (1995:226) descreve poeticamente o que espera da educação ambiental:
(…) recriar um sentido plenamente humano e humanizaste, solidário com todas as coisas do mundo e da vida, regido pelo sentimento do amor. Por afetos maduros e muito conscientes de solidariedade, de generosa partilha, de uma responsabilidade para com o presente e para com o futuro: não somente o das outras gerações humanas, mas igualmente o de outras gerações de tudo o que é vivo.
Um dos desafios é tornar o aprendiz em um cidadão atuante em questões socioambientais que reflitam benefícios à coletividade. A inclusão das questões ambientais como fundamento de uma educação para a cidadania, condiz com a noção de a educação ser abrangente o suficiente para dispensar o adjetivo ‘ambiental’. No entanto, a educação ambiental tem sido a área que vem incorporando sistemas de aprendizado que utilizam reflexões críticas e de decisões participativas, de modo a dar às pessoas e aos grupos sociais, maiores chances de escolherem seus destinos conscientemente.
Edgar Morin (1996), em seu artigo “Epistemologia da complexidade” (Novos paradigmas, cultura e subjetividade), chama atenção para a importância do ser humano perceber o sentido de liberdade permanente de escolha, o que desperta na pessoa seu senso de singularidade, de responsabilidade e de comprometimento consigo mesma, com a coletividade e com o meio ambiente. Esse despertar está ligado à compreensão da complexidade e da importância da incerteza, que ajudam a incluir o que a ciência tradicional deixa de fora quando tenta ordenar e controle sobre o seu objeto de estudo. O autor ilustra suas idéias com a metáfora de o ser humano, na busca da perfeição, se comparar à máquina e perder criatividade, o que contribui para anular potenciais que poderiam levar ao desenvolvimento integral de sua existência.
A visão complexa só pode ocorrer quando existe uma liberdade ampla que, por sua vez, depende de uma postura aberta do pesquisador que, quando é capaz de abrir mão do controle, passa a perceber aspectos previstos e imprevistos da temática enfocada. Exige, também, que o cientista esteja intrinsecamente envolvido com seu objeto de estudo e que tenha abertura para aceitar o que emerge do próprio processo de pesquisa, que é eminentemente dinâmico.
Deixar o novo brotar é papel do educador, pois estimula o fortalecimento dos diversos atores, de modo que se sintam aptos a construir novas realidades a partir de si próprios e de potenciais locais. Ao invés de controlar o processo de aprendizagem o educador deve ajudar as pessoas a descobrirem seus potenciais mais profundos. Se este processo estiver embasado em princípios éticos, as chances de transformações positivas são imensas e de rápido alcance. Com tal educação, as chances de um mundo mais equilibrado devem aumentar exponencialmente.
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