O El Niño é um tema apropriado para se falar na época do Natal. Primeiro, porque o fenômeno, quando ocorre a cada 3,7 anos, é detectado na costa do Peru e Equador sempre próximo ao Natal. Daí o nome El Niño, batizado por pescadores sul-americanos, que significa “menino Jesus”. Segundo, porque este será um Natal de El Niño. Cientistas da NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration, dos Estados Unidos) vêm anunciando a sua chegada no Oceano Pacífico desde agosto deste ano, com medidas de temperatura da superfície do mar pouco acima da média.
O El Niño foi inúmeras vezes denunciado pela mídia nacional como o grande vilão dos problemas meteorológicos aqui no Brasil. Dizem que as secas no Nordeste, as cheias no Sul, os desabamentos devido ao excesso de chuvas no Rio de Janeiro, o calor anormal no inverno e o frio traiçoeiro no verão, estão todos associados ao El Niño. Está claro que ele, ou a mesma coisa que o provoca, afeta a economia do país e a vida de muitos brasileiros. Mas a verdade é que poucos sabem ao certo do que se trata. Conhecem as consequências mas não têm a mínima ideia da causa. Como a conversa entre meu colega de universidade Paulo Lana e o chofer de táxi em Curitiba, durante um dos rigorosos invernos paranaenses. Ele disse “Calorzinho, né moço?! Em pleno inverno”, e o taxista respondeu convicto pelo espelho retrovisor do Gol, após alguns segundos de reflexão: “É essa porra do El Niño!”.
O El Niño é uma mudança repentina no padrão de interação do oceano com a circulação atmosférica sobre o Oceano Pacífico. Reconheço que é um pouco complicado. É um fenômeno de escala global, a ponto de alterar o regime meteorológico em várias partes do mundo. Se você ainda não se convenceu que o que ocorre no Oceano Pacífico, tão longe daqui, tem alguma coisa a ver com o clima no Brasil, faça o seguinte: pegue um globo, desses de plástico usados nas aulas de geografia, e observe-o pelo lado do Oceano Pacífico. Praticamente só se vê água na superfície terrestre. Agora lembre-se que a Terra gira, e que por isso o mar e a atmosfera circulam de acordo com padrões mais ou menos definidos na escala global. Acredite, apesar da Teoria do Caos, o padrão em escala global persiste. Isso demonstra a magnitude geográfica e, consequentemente, a importância do Oceano Pacífico para o clima terrestre.
A ocorrência do El Niño próximo ao Natal coincide com a queda abrupta na produção pesqueira da região, com consequências desastrosas para a socioeconomia da costa oeste sul-americana. Por que isso acontece ninguém sabe. Também nunca entendi por que eles associaram o nascimento de Jesus a um fenômeno que os prejudica tanto, e a todo o planeta. Só porque ocorrem na mesma época? O nome pegou tanto no meio acadêmico e, posteriormente, na mídia internacional, que me parece um sacrilégio. E agora é literalmente castigo dos céus já que, em nível global, as piores consequências são meteorológicas.
Para compreender melhor o fenômeno do El Niño e porque ele afeta o nosso clima e o de várias áreas do planeta, é preciso entender como é o padrão geral de distribuição da temperatura e a célula climática no Oceano Pacífico equatorial, isto é, na altura da linha do Equador. Tem tudo a ver com temperatura na superfície do mar, pressão atmosférica, ventos ao nível do mar, ventos na troposfera (“jet streams”) e rotação da Terra. Esses são os elementos necessários para se compreender o intrincado mecanismo de interação oceano-atmosfera que quando alterado afeta o clima local em várias partes do globo.
Vamos tentar colocar todos esses fatores naturais em ordem sequencial. Tudo começa com o aquecimento solar. A região tropical se aquece mais e o ar aquecido se eleva, sendo substituído por massas de ar de latitudes subtropicais, do Norte para o sul no Hemisfério Norte e do Sul para o norte no Hemisfério Sul. Como a Terra gira, esse deslocamento de ar é predominantemente para a esquerda no Hemisfério Sul e direita no Hemisfério Norte. O resultado é que ao longo da linha do Equador forma-se um corredor de ventos na direção oeste. São os famosos Alísios, os mesmos que permitiram aos espanhóis colonizarem as Filipinas e Colombo descobrir a América.
Os Alísios transportam águas quentes superficiais para a porção ocidental do Pacífico, fazendo com que o nível do mar na Indonésia seja aproximadamente 0,5 metro mais alto do que no Equador e Peru, onde as águas costeiras são frias e férteis devido à ressurgência de águas profundas. Quando o El Niño não ocorre, a pesca na costa oeste sul-americana é 10 vezes mais produtiva do que aqui na costa leste. O mesmo acontece no Atlântico tropical e subtropical, mas em escala muito maior.
Portanto, em condições normais, quando não ocorre o El Niño, a água do mar é mais fria do lado oriental (à “direita”) do Oceano Pacífico, e mais quente do lado “ocidental” (à “esquerda”), ao norte da Nova Guiné, Indonésia e Polinésia.
Felizmente o El Niño deste ano, segundo os cientistas da NOAA, será de baixa intensidade. Só se for para eles, porque aqui eu ainda estou dormindo de cobertor em pleno verão subtropical. É óbvio que não me atrevo a fazer previsões pessimistas. Mas tenho pena do turismo e dos turistas do próximo verão.
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