Reportagens

Créditos da floresta

Banco Mundial lança fundo para gerar créditos de carbono com o desmatamento evitado. Idéia não era o que o Brasil queria e deve beneficiar projetos de manejo florestal.

Gustavo Faleiros ·
4 de junho de 2007 · 18 anos atrás

O combate ao desmatamento de florestas finalmente ganhou espaço entre as soluções para a mitigação do aquecimento global. A preservação de vegetação nativa ( sua destruição é responsável por 20% das emissões de gases estufa em todo o planeta) pela primeira vez vai gerar créditos de carbono. O Banco Mundial lançou nesta segunda-feira, durante uma reunião de parlamentares do G8 (grupo dos países mais ricos) e das cinco maiores economias emergentes (entre elas Brasil e China), um fundo que vai financiar projetos pilotos para evitar desmatamentos em nações pobres. A Amazônia brasileira deve se beneficiar dos recursos, embora a idéia contrarie interesses do governo Lula, que não concorda em colocar a floresta como moeda de troca no mercado mundial de carbono.

Batizado de Fundo Conjunto para Carbono das Florestas (FCCP), a iniciativa do Banco Mundial (Bird) será uma experiência para estabelecer as bases de um mercado futuro de emissões por desmatamento, que deve ser criado no próximo acordo de combate ao aquecimento global. Até 2012, o Bird e outras instituições (como o Global Environment Fund – GEF) vão investir 200 milhões de dólares em projetos pilotos de conservação que poderão, caso o desmatamento, de fato, ingresse no mercado de carbono, gerar créditos a serem vendidos para os países industrializados . Atualmente, apenas projetos nos setores de energia e reflorestamento podem gerar compensações de emissão de gases estufa. A partir de 2014, o banco espera reunir 1 bilhão de dólares para os projetos

“Esta é um experiência inicial para estruturarmos o mercado de carbono para o desflorestamento, precisamos lidar com este problema”, afirmou a diretora para Políticas de Desenvolvimento Sustentável do Bird, Kristalina Georgieva. A principal dúvida, ela admitiu, será como definir uma base de comparação que permita o banco quantificar o corte nas emissões de carbono. O Bird dá indicações de que está disposto a financiar o desmatamento evitado, ou seja estabelecerá uma tendência de crescimento do desmatamento através de indíces em anos passados e pagará para aqueles países que impedirem esse incremento. E é exatamente isso que desagrada os diplomatas do Brasil. Em sua proposta apresentada em Nairóbi durante a 12a Convenção do Clima, os brasileiros pediram que um fundo internacional de países ricos financiasse a redução real de desmatamento. Mas o Bird vai fazer o contrário: vai pagar para evitar o crescimento do desmatamento e a redução do que já ocorre continua sob responsabilidade das nações emergentes.

Parece que o que motiva a desarmonia entre as idéias do Banco Mundial e do governo brasileiro é a visão do banco de que os financiamentos para projetos de conservação devem gerar uma atividade econômica. Segundo Giuseppe Toppa, Especialista em Florestas do Banco Mundial, projetos anteriores em que o dinheiro apenas incentivava moradores a não utilizarem a floresta não deram certo. “Em algum momento pobres de outro lugar chegam e começam a explorar os recursos“, resume. Seja pelo turismo, pela utilização de recursos genéticos ou pelo manejo florestal, gerar desenvolvimento econômico é o melhor jeito de manter a floresta em pé, diz Toppa. O Brasil se isolou com sua posição de formar um fundo voluntário para financiar o combate ao desmatamento, sem oferecer compensações aos países ricos, analisa um estudioso que esteve recentemente na negociação da Convenção do Clima das Nações Unidas, em Bonn.

A idéia de desmatamento evitado de Papua Nova Guiné, Costa Rica e de países africanos ganhou espaço porque está baseada na venda de créditos de carbono. Não surpreende, portanto, que a África e a Ásia, com exceção da Costa Rica na América, devam ser os primeiros a se beneficiarem do fundo do Banco Mundial. Isso porque já fazem concessões para a exploração florestal há algum tempo. O Brasil aprovou recentemente sua lei de Gestão de Florestas Públicas (11.204/2006) e ainda não tem nenhuma concessão aprovada. O Banco Mundial mencionou, em sua apresentação, nesta segunda-feira em Berlim, que o primeiro projeto de seu novo fundo deve ocorrer na República Democrática do Congo, país que tem a segunda maior extensão de floresta tropical do planeta depois do Brasil, 135 milhões de hectares.

Preparados ?

A dúvida que paira sobre o esquema de desmatamento evitado é o quanto as nações em desenvolvimento serão capazes de monitorar e legalizar a atividade florestal, aponta a diretora de Mercados Sustentáveis do WWF Internacional, Karin Wessman “Um esquema como esse não é fácil de se organizar rapidamente“, critica. O própria Kristalina, do Banco Mundial, menciona que uma das funções do fundo lançado em Berlim será a preparação de uma massa crítica para lidar com o manejo florestal em nações emergentes.

Um bom exemplo foi dado pelo diretor de Desenvolvimento Sustentável da República Democrática do Congo, Vicent Makonga. Recentemente, 2,9 milhões de hectares de concessões florestais foram revertidas no país quando foram constatadas práticas ilegais no uso dos recursos. A população pobre depende totalmente da caça e da energia retiradas das matas; 80% do consumo doméstico de energia provém de lenha no Congo. “Acabamos de sair de uma guerra, precisamos de ajuda para nos capacitar”, pediu Makonga. A taxa de desmatamento no país cresce 0,3% ao ano, mas com a construção de estradas, ela deve aumentar, aponta Toppa do Bird.

O World Resources Institute, renomada instituição internacional, está implantando em vários países da bacia do Congo um programa de governança de florestas. Isso inclui transparência total na gestão das concessões e também na busca de certificações para produtos florestais. Camarões, por exemplo, já fez um amplo levantamento de suas áreas florestadas e tornou os mapas públicos A iniciativa é apoiada pela União Européia, que se comprometeu em Berlim a aprovar legislações que proibam completamente a entrada de madeira ilegal no continente. Isso será feito com regulações para o setor de construção e também nas compras do setor público.

Mas lidar apenas com madeira ilegal é considerada uma estratégia errada por muitos países africanos e latino-americanos. Na Ásia, onde 55% das terras florestadas estão sob concessão, endurecer as regras do comércio internacional de madeira pode ter efeito positivo. Mas para países como o Brasil, os fatores que estão levando ao desmatamento estão muito mais ligados a exportação de commodities agropecuárias, como a soja e a carne. Samual Afari é o principal executivo de uma companhia de madeira em Gana, na África Ocidental. Ele explora e exporta mogno para os países ricos, mas critica a estratégia apresentada na reunião do G8+5 em Berlim. “Os negócios vão mal, porque a madeira não vale nada, o que interessa é desmatar e plantar soja e cacau“, ele relata a incrível semelhança com os problemas brasileiros.

*Gustavo Faleiros viajou a convite da Complus Alliance

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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