Reportagens

O dique rompeu

Apesar das resistências de Lula, Celso Amorim e Marina Silva, três propostas convergentes colocam o Brasil na direção de uma política de desmatamento zero na Amazônia.

Manoel Francisco Brito ·
5 de junho de 2007 · 18 anos atrás

No meio da enxurrada de notícias que a imprensa brasileira publicou para celebrar o dia mundial do meio ambiente, a principal novidade acabou fora da festa. Estão sendo desenvolvidas, neste exato momento, três propostas que implicam em encampar metas de desmatamento para a Amazônia. Elas estão em estágios diferentes de execução, mas são convergentes. A primeira tem um cunho mais local e está sendo tocada pelos governos do Amazonas e do Mato Grosso. A segunda, que deve se tornar pública no dia 21 de junho, terá a assinatura de sete das principais Organizações Não-governamentais (Ongs) que atuam na região. A última, de longe a mais problemática, está sendo cozinhada em gabinetes de técnicos do Ministério do Meio Ambiente (MMA). O consenso no governo federal sobre esse tema esbarra na histórica posição brasileira contra reconhecer metas para a manutenção da cobertura florestal amazônica.

Lula, Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, e Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, continuam afirmando publicamente que o Brasil aceita dinheiro para financiar a conservação da floresta, mas sem assumir objetivos claros em relação à queda do desmatamento. Parte da área técnica do MMA, no entanto, tem pressionado no sentido contrário, argumentando que o país não tem nada a perder e muito a ganhar se mudar a direção de sua política para a Amazônia. Seu raciocínio é que o governo, diante da queda abrupta na taxa de corte da floresta no ano passado, quando ela perdeu 13 mil e 500 quilômetros quadrados, tem uma oportunidade única para buscar mecanismos de incentivos baseados na regulamentação e fiscalização que possam transformar as matas da Amazônia em ativos financeiros, empurrando ainda mais esse número para baixo.

Para não eriçar pêlos, a conversa no MMA evita tocar em desmatamento zero. Foge também da questão de metas internacionais. “Seria mais assumir metas nacionais”, alivia um dos técnicos metido com a proposta. Para passar pela goela do governo, a idéia que está sendo defendida é criar objetivos percentuais para um ano baseados na taxa de desmatamento registrada no ano anterior. “Por exemplo, por mais que seja factível reduzir o corte em 10% em relação ao ano anterior, pode se propor uma redução de 5% e ir ampliando ela à medida em que os mecanismos de incentivo à preservação forem se consolidando”, diz um assessor da ministra. Se a idéia vai ficar de pé, ainda é cedo para afirmar. Mas se não ficar, Marina e o governo correm o risco de serem atropelados pelas outras duas inicativas que estão sendo trabalhadas por governos estaduais e Ongs que atuam na região Norte do país.

No caso dessas últimas, sua proposta conta inclusive com um apoio de peso, o de Luciano Coutinho, atual presidente do BNDES. Coutinho, na verdade, meteu-se nesse assunto algumas semanas antes de ser convidado por Lula para assumir a direção do banco. Sua consultoria financeira e empresarial em São Paulo foi contatada pelo Greenpeace para desenhar uma proposta de mecanismos tributários e regulatórios que pudessem servir de suporte financeiro para uma política de desmatamento zero. Outras seis Ongs – Imazon, ISA, WWF, TNC, ICV e Amigos da Terra – também estavam por detrás da idéia. Coutinho não está mais envolvido diretamente no projeto. Mas segue entusiasmado com ele, que continua sendo desenvolvido pelo time de economistas que trabalha para sua empresa.

Cautela

Os detalhes dessa proposta estão sendo guardados em absoluto segredo. Os consultores entraram na fase de finalização, que vai envolver incentivos fiscais e regulamentação que transforme as árvores em ativos financeiros, levando em consideração a sua capacidade de manter o equilíbrio nas suas emissões de carbono. Nessa corrida em direção ao desmatamento zero da Amazônia, quem saiu na frente foi Eduardo Braga, governador do Amazonas, que viu no justificado frenesi em que se transformou a questão do aquecimento global uma oportunidade para, ao mesmo tempo, arranjar dinheiro para conservar as florestas de seu estado e usar o meio ambiente como trampolim para o cenário político nacional.

Em fevereiro, ele fez uma viagem de duas semanas ao Estados Unidos e Europa, onde conversou com representantes de bancos, instituições multilaterais e Ongs para tentar descobrir como atribuir valor às matas estaduais e cobrar pelos serviços ambientais que elas prestam. Voltou ciente que sem algum grau de intervenção legislativa e regulatória, seria muito complicado desenvolver esse tipo de mercado. Achou melhor não esperar pelo Congresso e o governo federal. Arregaçou as mangas e produziu um projeto de lei contra o aquecimento global, recém-aprovado pela Assembléia Legislativa, para criar interesse de investidores em ativos florestais. Teve o cuidado de avisar ao governo federal, com o qual está politicamente alinhado, sobre o que estava fazendo.

A cautela é facilmente compreensível porque afinal, se o interesse do Amazonas é cobrar para manter suas matas saudáveis, isso implica em assumir metas de manutenção de cobertura florestal com futuros investidores. E metas contra o desmatamento ainda são coisas que soam mal aos ouvidos dos ocupantes do Palácio do Planalto e dos diplomatas no Ministério das Relações Exteriores. Braga praticamente assumiu que busca o desmatamento zero para seu estado. Blairo Maggi, governador do Mato Grosso, que viu sua capacidade de virar um político de projeção nacional abatida pelos tenebrosos índices de desmatamento no seu estado, também não quis ficar atrás de seu colega amazonense.

Evitado x Zero

Maggi tem andado na direção de se comprometer com metas de conversão de solo de floresta com muito mais discrição e cuidado. Em conversas com seus assessores e Ongs prefere, ao invés de desmatamento zero, falar em desmatamento evitado. Na prática, não há muita diferença entre os dois conceitos. Mas em Mato Grosso, que ao contrário do Amazonas com a sua Zona Franca de Manaus, depende economicamente de um agronegócio que vive em choque com a floresta, a distinção, do ponto de vista político, torna a idéia muito mais palatável. Maggi ainda não fez nenhuma movimentação no sentido de forçar a aprovação de uma lei estadual que trate desse assunto. Mas tocou nele em algumas ocasiões com quem mais interessa nesse caso: os representantes da agricultura e pecuária em seu estado.

“Em abril, ele fez uma reunião com representantes dos plantadores de cana e soja e estabeleceu um pacto”, conta uma pessoa que acompanhou de perto a conversa. Arrancou deles um comprometimento de que ninguém mais plantaria em áreas de preservação permanente, como margens de rio e no entorno de nascentes. Em troca, comprometeu-se a aprofundar suas conversas com o governo federal e Ongs para buscar meios de compensar os fazendeiros pelo tal desmatamento evitado, para impedir a expansão de áreas de plantio. Na quarta–feira, dia 30 de maio, ele participou de uma reunião em Cuiabá onde estavam novamente dirigentes de associações de classe ligadas ao agronegócio e representantes de Ongs.

Ouviram destes últimos suas idéias para implantar na Amazônia uma política de desmatamento zero, ou melhor, de desmatamento evitado. Fez perguntas, mas preferiu não se comprometer, achando melhor que a idéia seja encampada antes pelo governo federal. De qualquer maneira, Maggi tomou uma decisão que as Ongs consideram importante. Ele vai criar dentro de sua secretaria de Meio Ambiente uma superintendência sobre aquecimento global. Sua principal missão será acompanhar e implementar eventuais mecanismos de incentivo à manuntenção das florestas que restam no estado. Todas essas iniciativas, a das Ongs, a dos governadores de estados amazônicos e a da área técnica do MMA mostram que apesar de Lula, Amorim e Marina, ainda tem gente no Brasil que sabe qual a melhor maneira de cuidar da Amazônia.

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