Reportagens

Toque de mestre

Sem incentivos, Brasil tem experiências bem sucedidas no reaproveitamento de materiais e criatividade para construir casas ecologicamente corretas. Custa pouco e vale a pena.

Felipe Lobo ·
8 de junho de 2007 · 17 anos atrás

Já foi o tempo em que fazer uma casa ambientalmente correta significava procurar tijolos ecológicos ou bambu. Nada contra essas duas possibilidades, mas fato é que hoje existem muitas outras maneiras de viver com qualidade e sem grandes impactos. Esse é o recado que Alexandra Lichtemberg quer dar. Ela é a arquiteta responsável pelo projeto que transformou uma antiga residência no bairro da Urca, no Rio de Janeiro, em modelo de sustentabilidade. E mostra como quase todos os cômodos de uma residência convencional podem ganhar em conforto, benefício ambiental e baixo custo com pequenas alterações.

Para começar, é preciso observar muito bem a região para pensar de que maneira a casa pode aproveitar as características naturais do local, exatamente como era costume até meados do século passado. De acordo com Lichtemberg, era comum atentar para onde os ventos sopram, para a incidência do sol, ou para o sentido das chuvas na casa a ser erguida, mas depois da invenção dos aquecedores e dos refrigeradores de ar isso praticamente acabou.

Outras mudanças de hábitos também podem provocar mudanças significativas na economia. A escolha por lâmpadas fluorescentes compactas, por exemplo, diminui em cerca de 80% o gasto de energia. Por mais que o preço seja um pouco salgado – custa, em média, quatro vezes mais do que as tradicionais – ela tem uma longevidade muito maior do que as incandescentes, o que gera um benefício interessante em longo prazo.

Placas de captação para geração de energia solar também são ótimos recursos para economia em relação aos boilers usuais. Da mesma forma, as cisternas para armazenar chuva são eficientes quando o assunto é diminuir a conta e o uso da água distribuída pelas concessionárias. Torneiras por acionamento fotoelétrico, telhados com plantas, pé direito mais alto para espalhar melhor o calor, a utilização de madeiras certificadas pelo Forest Stewardship Council (FSC) e arejador para torneira de lavatório, capaz de reduzir o consumo médio de água em 20%, são outras boas idéias.

Um dos principais argumentos de arquitetos e engenheiros familiarizados com construções ecológicas é que, por maior que seja o custo de produção, a tendência é existir um equilíbrio nas finanças a partir da redução de contas futuras. Segundo Vanderley John, professor do departamento de engenharia da Poli-USP, “Embora implique em um ligeiro aumento de custos, é fundamental trabalhar na formalidade, comprar de fornecedores que paguem impostos, respeitem a legislação trabalhista e ambiental. O consumidor precisa saber que um produto 30% mais barato do que outro similar gera um preço alto para a sociedade brasileira e o meio ambiente”, afirma.

Tentativas reais

Mas o que fazer quando o dinheiro está curto para poder investir em todos esses materiais? Segundo Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS), há alternativas. E lembra dos trabalhos de reutilização de matérias-primas funcionais pelo arquiteto Fernando Canali. Isso significa, por exemplo, construir um armário só com madeiras cruas e pregos que iriam para o lixo.

Clóvis sabe o que fala. Há mais ou menos sete anos, quando as mudanças climáticas ainda não ocupavam nem sombra do espaço que recebem hoje nas agendas de líderes políticos ao redor do planeta, ele e sua mulher decidiram construir uma casa que seguiria os preceitos básicos da sustentabilidade. E penaram para isso. Compraram tijolos de demolição de uma antiga residência, colocaram cisternas para coletar a água da chuva que rega o jardim e placas que captam a energia do sol. Além disso, fizeram as portas e móveis com recortes de diferentes madeiras nativas inutilizadas e reutilizaram tudo que era possível.

Dois problemas apontados por Borges, no entanto, mostram que o projeto de ‘esverdeamento’ do cotidiano não foi nada simples. O primeiro foi a falta de conhecimento entre os profissionais de obras sobre o uso sustentável de cada material utilizado. Depois veio a dificuldade para encontrar as matérias-primas necessárias. “Com certeza teríamos feito diferente se fosse hoje. Porém, o que mais nos impressionou foi que os tijolos que nós compramos, por exemplo, eram de uma determinada casa. Isso significa que não há oferta, as pessoas se deparam com obstáculos para achar os produtos”, diz.

Canali tem opinião parecida. Ele acredita que a iniciativa primordial seja a de perguntar a seu cliente o que ele espera de sua residência. Segundo ele, a soberania do arquiteto é o espaço; uma vez que ele exista, há inúmeros planejamentos que podem ser feitos, muitos dos quais extremamente baratos e ecológicos. “A pessoa pode construir o sonho de ter uma casa sem abrir mão de algumas manias e parar de achar que o que é velho não pode ser reutilizado. As demolidoras nas grandes cidades são um celeiro incrível de bons materiais que você compra por um terço do preço e ajuda o meio ambiente”, ressalta.

Mas o governo bem que poderia dar uma ajudinha. Se, por exemplo, incentivasse esse tipo de construção ou obrigasse o uso de painéis solares em obras novas, seria de grande valia. Em países como Estados Unidos, Inglaterra e Austrália existem leis que oferecem subsídios governamentais ou decréscimos em taxas equivalentes ao IPTU. Se dá certo lá, o Brasil tem de tudo para repetir a experiência, com a criatividade que nos é característica.

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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