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O PAC vinha cantando alegremente…

O mundo não fala em outra coisa além do aquecimento global, enquanto Brasil apresenta programa de crescimento econômico que é um grito de independência em relação ao planeta.

29 de janeiro de 2007 · 18 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

A mudança climática chegou de uma vez por todas no fim de semana passado. Ela veio cedo, domingo de manhã, num telefonema de Lecco. Do outro lado da linha, a conversa começou com a notícia de que, no jardim, as roseiras do caramanchão estavam prontas para abrir. O que? Rosas em janeiro no norte de Itália? “É, o inverno anda mesmo estranho. Mas o dia está tão bonito que dá vontade de almoçar lá fora”.

Depois veio o artigo do jornalista Thomas Friedman no jornal Herald Tribune. Tratava de questões energéticas. Mas começava por um ponto de exclamação: “Bem, lá se foram nossos narcisos!”. As flores tinham escancarado suas pétalas uma semana antes, na porta de sua casa. Sete dias depois restavam “uma bela mancha amarela no chão da garagem”.

Friedman costuma escrever na página de opinião do New York Times sobre política externa, economia mundial e outros temas pesados. Isso quer dizer que, cada vez mais, ele fala de problemas ambientais. Mas não no tom daquele domingo: “Francamente, narcisos em janeiro enfeitam o gramado. Talvez no ano que vez tentaremos rosas em fevereiro”.

Em outras palavras, também de Friedman o aquecimento global “começa a dar arrepios”. Os narcisos estavam ali para avisar que, quando o presidente George Bush anuncia seu programa energético e não tem nada a declarar sobre “padrões mais rigorosos de eficiência e preços mais altos para os combustíveis fósseis, os americanos podem “tirar as meias”, porque “vai ficar muito quente por aqui”.

Friedman parecia estar antecipando a semana do Programa de Aceleração da Economia no Brasil. O pacote que o presidente Lula lançou na segunda-feira (22) não está nem aí para esse tal de aquecimento global. É sua maior originalidade. Ignorá-lo no momento em que todo mundo não fala de outra coisa.

Em Davos, o repórter James Kanter deixou por menos. “Enquanto políticos e cientistas procuram entender quão depressa o planeta está aquecendo”, ele encontrava no Forum Econômico Mundial os sinais de que, daqui para a frente, “é melhor aprender a fazer dinheiro com a mudança climática ou vão comê-lo no almoço”.

Entre outros argumentos embutidos no aviso, Kanter citava os de Paul Dickinson, do Projeto de Transparência do Carbono, um grupo londrino que avalia a aptidão de empresas internacionais para descascar o abacaxi da mudança climática para investidores que, somados, valem 31 trilhões de dólares.

Ou seja, eles mexem com uns 30 PIBs iguais ao do Brasil. É dinheiro suficiente para quase 120 PACs como os de Lula. E ele agora leva em conta, na escolha de seus próximos passos, o fato de que “a preocupação do público com o problema da mudança climática está dramaticamente maior do que nos últimos anos”, segundo o professor da Universidade de Stanford, David Victor, um dos conferencistas do Forum ouvidos por Kanter.

Um dos resultados de tamanha atenção é que o modo de capturar e o armazenar carbono tornou-se uma “tecnologia chave do século 21”. Atirado na atmosfera em volumes nunca vistos pelo planeta, o carbono é um dos principais suspeitos pelo descontrole do clima. E, como a economia mundial não se livrará tão cedo dos combustíveis fósseis cuja fumaça o transforma em poluição do ar, os grandes negócios estão atrás de quem lhes ofereça uma alternativa.

“Haverá novas oportunidades de negócio num mundo mais quente com o carbono restringido”, Victor prevê. “Empresas que podem facilmente reduzir suas emissões, como fabricantes de alimentos, provavelmente terão a chance de vender com lucro as cotas de carbono que pouparem”.

Não há só prejuízos à vista. Victor lembra que as companhias de seguro cobrarão mais pesados em áreas sujeitas enchentes e tempestades. E que os empreiteiros ganharão fortunas construindo diques nos lugares sujeitos a inundações. Nos países ricos, os governos gastarão até 150 bilhões de dólares por ano com investimentos em infraestruturas adaptadas aos novos tempos.

E nós aqui, tocando a vida com o PAC. No Brasil, como se sabe, essas coisas não acontecem. Deus é brasileiro. E só existe um Lula. Sem contar que o aquecimento global pareceu ridículo há 19 anos, quando James Hansen, diretor do Instituto Goddard para Estudos Espaciais, da NASA, declarou-se convencido de que o clima do planeta estava mudando a olhos vistos, num depoimento ao Congresso americano.

Isso foi em 1988. Por acaso, no mesmo ano em que a Constituição “cidadã” do deputado Ulysses Guimarães anunciou, no artigo 255, que a “a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Matogrossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional”, que só poderia ser explorado “dentro das condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto a seu uso dos recursos naturais”.

Agora, a prioridade do governo para a Amazônia é incorporá-la à frente de obras para acelerar o crescimento. Sua preservação foi uma daquelas idéias insensatas dos constituintes que, na prática, não emplacaram. Como os juros de 12%. Mas, vistos em retrospectiva, os políticos brasileiros daquele tempo pelo menos eram visionários. Às vezes, davam até a impressão de estar à frente de sua época. Em menos de duas décadas eles deram um passo de gigante em direção ao atraso.

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