Os oceanos cobrem 70% da superfície da Terra e faz pelo menos 500 anos que nos habituamos a cruzá-los com razoável desenvoltura. Ainda assim, eles continuam sendo velhos desconhecidos. Já classificamos 250 mil organismos marinhos mas, dependendo de quem der a resposta, ainda existem entre três e dez milhões de espécies dentro dessas águas esperando para serem descritas. Também mal tocamos no fundo do mar, o que é compreensível se considerarmos que ele é formado por águas frias e escuras que estão além dos 3, 2 quilômetros de profundidade. Mas também não sabemos exatamente o que há próximo da sua superfície.
Das suas montanhas com mais de mil metros de altura, cerca de 50 mil e todas consideradas berços esplêndidos da vida marinha, não chegamos a estudar 250. A situação não é muito diferente mesmo nas áreas que estão mais próximas de nós, como os litorais. Os manguezais, ecossistemas relevantes na costa brasileira, durante séculos foram vistos como áreas insalubres. Só recentemente descobrimos que eles suportam vida tanto aquática quanto terrestre em abundância e que são as melhores barreiras de proteção que se tem notícia contra furacões, tufões e tsunamis. Tamanha ignorância, no entanto, não nos impediu de explorar recursos marinhos.
Na verdade, segundo um relatório sobre o estado dos oceanos lançado esta semana pelo World Watch Institute de Washington, D.C., já passamos inclusive da fase de exploração. Estamos agora bem próximo de exaurir nossos mares. Setenta e seis por cento dos seus pesqueiros ou acabaram ou estão bem perto da mais completa exaustão. Duas mil e setecentas espécies foram varridas pela pesca de topos de montanhas submarinas entre a Austrália e a Nova Zelândia. Pesqueiros no Nordeste do Atlântico e no Sul do Pacífico entraram em colapso. Na costa leste do Canadá, na Terranova, um dos mais importantes pesqueiros de bacalhau durante mais de um século teve que ser fechado em 1991 e está assim até hoje. O fechamento custou 20 mil empregos.
Fazendas da devastação
Apesar dessas perdas, graças principalmente à tecnologia dos grandes barcos de pesca industrial e o emprego de sonares, a produção mundial de pesca não caiu. Ao contrário, explodiu. Os autores do estudo do World Watch Institute, Michelle Allsop, Richard Page, David Santillo e Paul Johnston, do Laboratório de Pesquisa do Greenpeace na Inglaterra, citam uma estatística impressionante produzida pela Organização de Alimento e Agricultura, braço da ONU sediado na Europa. Em 2005, a pesca retirou dos mares 158 milhões de toneladas de peixes, sete vezes mais do que o mundo pescava por volta de 1950. Como é que com menos espécies a produção cresceu?
Pela simples mudança de alvos das redes e anzóis. Na falta de espécies de predadores de topo como peixes espada – cuja população caiu 90% nos últimos 50 anos – os pescadores foram atrás de suas presas. Mesmo as soluções encontradas para tentar reduzir a pressão sobre os mares, como as criações de peixe, acabaram por aumentá-la. Peixes criados em currais são alimentados por rações cuja base é peixe processado. E tome pesca para sustentá-las porque, segundo o relatório, um pescado de fazenda consome em geral bem mais ração do que o peso em que vai para o abate. Considere-se o exemplo de atuns retirados do mar para engordarem em áreas dedicadas à aquacultura. Na média, eles comem 20 vezes mais carne do que conseguem produzir.
Além de aumentarem a busca incessante por peixes no mar, as fazendas também são fontes de destruição de habitats e poluição marinha, principalmente nos trópicos, onde a devastação de corais e mangues em larga escala é coisa relativamente recente. Trinta e cinco por cento dos mangues se foram nas duas últimas décadas. Quanto aos corais, 20% sumiram para sempre, outros tantos estão perto de seguir o mesmo caminho e cerca de 25% têm tudo para entrar em colapso a longo prazo. Se a destruição de mangues e corais continuar nesse ritmo, além de deixar litorais mais vulneráveis às catástrofes naturais, é bom os países em desenvolvimento se prepararem para uma catástrofe social no longo prazo, pois cerca de 30 milhões de pescadores seus dependem desses ecossistemas para sobreviver.
Subsídios arrasadores
Os autores do estudo apontam várias causas para a situação atual dos oceanos, entre elas a produção incessante de poluentes em terra que acabam correndo em direção ao mar. Mas apontam que a raiz da predação dos estoques pesqueiros é fruto, sobretudo, de uma política de gestão de pesqueiros a partir do consumo, ações de conservação que tendem a proteger espécies individuais em vez de ecossistemas, e os subsídios, principalmente de países europeus, que anualmente ultrapassam os dez bilhões de dólares. No primeiro caso, sustentam que ele é responsável por se prosseguir com a pesca em zonas que há algum tempo deveriam estar fechadas às redes e anzóis. Quanto a proteger espécies individuais, os autores sustentam que ela é uma política burra, porque incentiva os barcos a simplesmente pescarem espécies diferentes.
Os subsídios, utilizados para combustíveis e construção de barcos têm um impacto até mais profundo. A frota pesqueira mundial tem hoje um terço a mais de barcos do que seria necessário e está munida de tecnologias destruidoras. Elas não apenas pescam o que querem, mas também o que não querem. O estudo diz que a cada ano morrem em linhas longas cheias de anzóis, algumas com mais de dois quilômetros de comprimento, e redes de grande porte cerca de 300 mil golfinhos, botos e baleias, 250 mil tartarugas e um número igual de aves aquáticas.
Para reverter essa situação de horror, os autores do estudo propõem que os subsídios sejam suspensos, que a pesca mundial passe a ser ainda mais regulamentada sobretudo fiscalizada, inclusive em águas fora de jurisdições nacionais, e defendem uma utopia. Querem que as nações do mundo estabeleçam uma corrente de áreas de conservação marinha ao redor do planeta. Argumentam que, no longo prazo, elas são a melhor saída para garantir a renovação dos estoques pesqueiros, porque o excesso de biodiversidade que se reproduza nelas acabará, inevitavelmente, espirrando para zonas de pesca. O problema é convencer a ONU e os governos que está mais do que na hora de tratar a conservação marinha sob um ponto de vista global.
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