Análises

Cristo Redentor, protegei-nos

O protesto do Ibama na estátua do Cristo Redentor gerou reações incompreensíveis por parte das autoridades, que parecem ignorar o parque que existe aos pés do monumento.

Angela Tresinari ·
12 de julho de 2007 · 17 anos atrás

A semana começou com uma boa notícia para os brasileiros, e especialmente para a população do Rio de Janeiro – tão carente de boas notícias…. A estátua do Cristo Redentor, localizada naquela cidade, foi eleita como uma das “7 maravilhas do mundo” no dia 8 de julho passado.

Como nem tudo é perfeito, já se ouve vozes de protestos de cidadãos de países que não tiveram seus monumentos incluídos na lista, e colocaram em dúvida a sua importância. Mas isso é uma outra história.

A nominação do monumento do Cristo Redentor, a ser reverenciado como “maravilha” ao lado de outras seis obras espetaculares, distribuídas em diversos lugares do planeta, desencadeu euforia no poder público em diversos niveis no Brasil. De forma geral, o entusiasmo pelo reconhecimento foi seguido de comentários sobre a agregação de valor econômico que tal designação vai propiciar à cidade.

De acordo com notícias veiculadas na imprensa sobre o tema, autoridades destacam o enorme impacto que tal evento poderá significar para a economia do país. Estimam-se a entrada de mais US$ 271 milhões e a criação de 250 mil empregos.

O Governador Sérgio Cabral, em cerimônia de agradecimento à escolha, destacou que a nominação vai agregar valor ao Rio como destino turístico, já que o turista gosta de contar que conheceu uma das sete maravilhas do mundo. Ele disse ainda que o país vai somar esse valor às campanhas que faz no exterior.

Ainda em meio à euforia oficial e popular, eis que o Cristo Redentor amanhece na segunda-feira com a logomarca do IBAMA no peito. Essa imagem me sensibilizou, por várias razões. A primeira delas foi o fato de se produzir aquela imensa faixa com a marca de uma instituição pública de conservação da natureza, e colocá-la onde estava. Não deve ter sido fácil planejar e, especialmente, executar o plano. Em termos estéticos ficou muito harmonioso.

O conjunto final apresentou um simbolismo tocante. Os elementos da natureza que compõem a logomarca pareciam estar buscando o aconchego e proteção no peito do Cristo. Essa união com a imagem representou para mim uma cena ao mesmo tempo emocionante e muito alegre.

Mas a realidade não é tão simples assim. A beleza e simbolismo do ato foram seguidos por veementes protestos por parte de autoridades. O protesto veio em forma de crítica ao ato em sí, ao mesmo tempo em que diversos níveis de governo aproveitavam a oportunidade para apresentar suas credenciais de excelência em gestão, para justificar seus desejos de administrar uma das sete “maravilhas do mundo”.

De acordo com notícias veiculadas na imprensa, o Secretário Municipal de Turismo, Rubem Medina, divulgou nota protestando contra a colocação de faixa na estátua do Cristo Redentor. O texto menciona que o IBAMA e seus funcionários são responsáveis pelo Corcovado, porque em 1961 foi criado um parque nacional, acrescentando que “mas, infelizmente o Ibama cuida mal desse patrimônio, que foi eleito como uma das 7 novas maravilhas do mundo”.

Segundo a mesma nota divulgada pela imprensa, o Secretário externou seu descontentamento com o ato dizendo que “Afixar uma faixa de caráter político no peito do nosso Cristo Redentor é um desrespeito com a cidade, com os cariocas e com a arquidiocese do Rio, legítima proprietária do monumento, que inspirou e financiou a sua construção”.

Li no mesmo dia na imprensa, os comentários da Arquidiocese do Rio, que classificou a ação como “ato de vandalismo” em nota oficial. Procurei o texto oficial, para assegurar a veracidade dos comentários, mas não o encontrei. Portanto parto do princípio que são verdadeiros os comentários publicados pela imprensa. O texto dizia ainda que “O protesto revela desrespeito ao local sagrado que é o Santuário do Cristo Redentor do Corcovado”.

E o parque?

Lendo os posicionamentos das autoridades, tendo ao fundo a imagem do Cristo com a logomarca do IBAMA no peito, não pude deixar de pensar sobre o significado dos acontecimentos.

Minha primeira reflexão foi relacionada à importância do Parque Nacional da Tijuca o qual, durante os pronunciamentos sobre a estátua do Cristo Redentor, foi mencionado apenas uma vez e de forma quase depreciativa.

A estátua que hoje é motivo de tamanho orgulho nacional foi inaugurada em 1931, no Corcovado, que está localizado no Parque Nacional da Tijuca. Este Parque Nacional é resultado de uma longa história de conservação, destruição e recuperação.

Até meados do século XVII a área mencionada permaneceu praticamente intocada. No século XVII as frentes agrícolas chegaram até a região na forma de cultivos de cana de açúcar, seguidos de plantios de café, nos séculos XVIII e XIX. Em 1860 foi dado inicio ao replantio da área já seriamente afetada. Por vários anos foram plantadas mudas de árvores, nativas e exóticas, totalizando aproximadamente 75.000 árvores.

A área é considerada atualmente como uma das maiores florestas urbanas do mundo. Além de preservar um resquício de Mata Atlântica, com sua excepcional biodiversidade, o complexo garante a proteção das nascentes e conservação de bacias hidrográficas que abastecem parte da cidade do Rio de Janeiro.

Em razão da sua importância, a área foi protegida inicialmente em 1861. Posteriormente o complexo de florestas foi protegido dentro de diferentes perímetros e denominações. Finalmente, em 1967 foi criado o Parque Nacional da Tijuca, ficando sua administração e proteção sob a responsabilidade do Poder Público Federal, no caso, o atual IBAMA. O reconhecimento mundial da importância da área veio em 1991 com sua designação como Reserva da Biosfera pela Unesco.

No Brasil a opinião pública tem sido pouco, ou quase nada, informada sobre os sistemas de unidades de conservação, seja o federal ou os estaduais. Em 14 de junho passado o primeiro parque nacional do Brasil, Itatiaia, completou 70 anos. Não há como não reverenciar os políticos que na época tiveram tamanha visão social e ética, e graças aos quais, temos hoje a oportunidade de ainda ter no enorme mapa do Brasil aquele, e outros pequenos pontos verdes, representando as áreas protegidas. O Parque Nacional da Tijuca é um exemplo perfeito da situação.

Os motivos para celebração dos 70 anos do sistema federal de unidades de conservação, infelizmente não residiram na excelência do manejo da área, mas ao contrário, houve reflexões sobre a dedicação, persistência e resistência de pessoas, que no campo ou nos escritórios, continuam acreditando na importância da proteção da diversidade biológica do país. Creio que a logomarca do IBAMA no peito do Cristo Redentor poderia ter sido um excelente momento para o aprofundamento das discussões sobre a triste realidade da conservação da natureza no Brasil.

Cuida mal

Voltando aos comentários das autoridades, o Secretário Municipal de Turismo do Rio mencionou que o IBAMA “cuida mal desse patrimônio”. Ele tem razão, mas certamente isso não ocorre por puro e simples desejo de seus servidores. Não é por descaso. E se for por descaso esse é resultante da importância que as autoridades responsáveis pelo setor dão, ou deixam de dar, ao assunto. É necessário tratar a questão com maior profundidade. Há que se entender, ao final, que o protesto dos funcionários do IBAMA, que foi criticado de forma tão enfática pelas autoridades, é resultante exatamente do temor que a divisão da instituição, da maneira como foi feita, vai agravar ainda mais a situação, já de emergência.

O interessante é que agora o Cristo Redentor é importante para todas autoridades, mas o Parque Nacional, onde a estátua está inserida e protegida, e que abriga nascentes importantes para o abastecimento de água para a cidade do Rio, não é lembrado.

A Arquidiocese do Rio de Janeiro, conforme mencionado acima, classificou o protesto como ato de vandalismo e de desrespeito ao local sagrado — o Santuário do Cristo Redentor do Corcovado. Esse posicionamento me levou a fazer algumas reflexões.

A Igreja Católica tem demonstrado preocupação com as questões ambientais, inclusive através de suas Campanhas da Fraternidade. Esse envolvimento é reflexo da sua compreensão sobre a importância do tema para a humanidade.

Considerando essa clareza nos propósitos da Igreja Católica é que entendo que o simbolismo do ato praticado pelos funcionários do IBAMA não deveria ser encarado como “desrespeito” ou “ato de vandalismo”. O IBAMA existe em razão de uma causa nobre. Resumindo em duas palavras sua missão é: conservar a natureza. Essa causa está impregnada de virtudes externadas em mensagens que nos são transmitidas pela Igreja Católica: amor, ética, responsabilidade e compreensão para com o próximo.

Quando estudamos os ensinamentos de São Francisco ampliamos o conceito de “próximo” e passamos a entender que aí estão incluidos os animais, plantas e outros elementos do nosso planeta. E a missão do IBAMA está intrinsicamente relacionada com tudo isso. Uma causa como essa não é própria de vândalos. É própria de profissionais abnegados, éticos, responsáveis, e que usaram do “coração do Cristo” como uma das últimas alternativas para tentar sensibilizar os tomadores de decisão.

Quando acompanhei no começo da semana a manifestação dos funcionários do IBAMA, entendi como sendo um simbolismo muito forte. O conceito intrínseco na mensagem pode não ter sido compreendido por todos, pricipalmente pelas autoridades, mas certamente ela engloba, em última instância, uma louvável preocupação com o futuro do país. Se não houver um planeta ambientalmente sadio, o futuro do planeta e da humanidade estará em risco.

Diante de tudo isso só me resta acreditar que o Cristo Redentor entendeu a manifestação e acolheu em seu peito as águas, terra, plantas, animais e pessoas do Brasil. E são essas as nossas “maravilhas” . Elas são mais que sete. Elas são muitos milhões. E precisam ser respeitadas e cuidadas.

  • Angela Tresinari

    Arquiteta formada pela Universidade de Brasília e Mestre em Ecologia pela Universidade de Londres. Trabalhou com questões amb...

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