Normalmente anunciado no Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), o pacotão anual de boas intenções para a Amazônia foi lançado hoje mesmo pelo governo, no Palácio do Planalto. Também pudera, o fantasma do desmatamento se assanha em pleno ano eleitoral e a pressão internacional sobre a produção de biocombustíveis e quanto à exportação de grãos e carnes elaborados de forma pouco sustentável só cresce. O novo PAS – Plano Amazônia Sustentável é mais uma tentativa governista de por ordem na casa da Amazônia. Tudo será publicado em mais uma medida provisória.
Em meio a discursos de sobra e explicações de menos, uma das principais medidas comunicadas é o chamado “penhor florestal”. Com isso, dinheiro de fundos públicos poderá ser usado para replantio e manejo de matas no Norte, Centro-Oeste e Nordeste. A recuperação das florestas garantiria os recursos, assim como ocorre com a produção de soja, usada como caução para créditos bancários. Os juros dos empréstimos foram fixados em 4%, quase metade do que se cobra de quem toma dinheiro para plantar grãos ou criar gado. O prazo de pagamento será de até 20 anos e a carência de até 12 anos. Para tanto, mais de um bilhão de reais estariam disponíveis no Orçamento da União.
“Essa é uma das medidas mais demandadas nos últimos anos, não apenas para a recuperação de áreas degradadas, mas também para o manejo florestal. Pelo que estamos sabendo, pessoas interessadas em manejar uma área podem agora colocá-la como garantia para a obtenção de créditos e financiamentos. Trata-se de uma das medidas mais concretas para se atribuir valor à floresta”, avalia Adriana Ramos, coordenadora para a Amazônia do Instituto Socioambiental – ISA, em Brasília (DF).
Mais dinheiro orçamentário, por volta de 84 milhões de reais, está prometido para a compra de produtos do extrativismo florestal. A verba procura criar uma política de preços mínimos para esses itens, assim como já existe para produtos agrícolas, e apoiar a presença de comunidades dentro de reservas extrativistas. Aliás, a partir de hoje o Brasil tem mais uma área protegida desse tipo. O governo noticiou a criação da Reserva Extrativista do Médio Purus (604.209 hectares), do Parque Nacional Nascentes do Lago Jarí (812.141 hectares)e da Floresta Nacional do Iquiri (1.476.073 hectares), além da ampliação da Floresta Nacional de Balata-Tufari (de 802 mil hectares para 1.077.859 ha). Tudo no estado do Amazonas.
No entanto, a tão esperada Reserva Extrativista do Médio Xingu, no Pará, não ganhou sinal verde do governo. As pedras no caminho envolvem pressões da área energética, interessada em barragens no Rio Xingu, e burocracias da Casa Civil, onde o texto está entalado desde maio do ano passado. Enquanto isso, avançam o desmatamento e as pressões sobre quase 60 famílias na região.
Compromissos
As promessas palacianas incluem, ainda, a compra de equipamentos e a contratação emergencial de 2,5 mil brigadistas, para atuar contra queimadas nos seis meses mais secos e críticos do ano. O foco do trabalho será os 36 municípios que encabeçam o ranking de destruição da floresta tropical. A Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária deve colocar o time em campo para oferecer treinamento e assistência técnica a produtores rurais na Amazônia. Eterna deficiência dos assentamentos da reforma agrária, aliada à falta de infra-estrutura básica, água, esgoto, estradas.
Algumas medidas do PAS já vinham sendo implementadas e ganharam nova roupagem, outras são inéditas. O objetivo, ao menos de parte do governo, é provar que ter 80% de reserva legal na Amazônia, mesmo em recuperação, faz mais sentido econômico do que derrubá-la. Para olhar mais de perto o estado das reservas legais, o governo promete usar georreferenciamento por satélite para mapear propriedades rurais nos municípios que mais desmatam e forçar o cadastro ambiental rural, coisa que até hoje não funcionou no país.
“A Amazônia precisa se desenvolver, mas de forma diferenciada e não predatória, aproveitando o que a região tem de melhor. Usar a floresta de forma racional trará vantagens comparativas para o País, na área econômica e ambiental. Falta assumir a Amazônia dentro do nosso discurso”, disse um empolgado presidente Lula, que costuma variar de humor com freqüência sobre a atuação ambiental de seu governo.
No concorrido lançamento de hoje, com exceção de Roraima, todos os outros governadores de estados amazônicos assinaram convênios com o governo, se comprometendo a andar na linha da legislação ambiental e elaborar planos locais para recuperação e bom uso da floresta. O BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social avisou que está abrindo uma linha de crédito para melhorar licenciamento, cadastro de propriedades, regularização fundiária e zoneamentos ecológico-econômicos estaduais.
“Não vimos o plano inteiro ainda, mas em princípio ele não traz melhorias profundas para a regularização fundiária. É um documento geral de princípios que não traz soluções. O que importa são as medidas concretas, que realmente acontecerão”, comenta Ramos, do ISA. Medidas encaminhadas na primeira edição do PAS, como o “asfaltamento e assentamentos sustentáveis” na região da rodovia BR-163 engatinham ou não aconteceram em campo com diferencial ecológico digno de nota.
Nas nuvens
A desconfiança não-governamental tem sentido. A seqüência de governos é marcada por incontáveis pacotes bem intencionados para a Amazônia, mas a realidade confirmada a cada ano pelos números do Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais é a do desmatamento ilegal a rodo. Segundo ambientalistas ouvidos por O Eco, o PAS apresentado hoje foi pouco debatido com a sociedade civil, surgiu pronto, impresso e abençoado pelo governo.
Apesar de alguns narizes torcidos com os métodos palacianos, ao menos desta vez se acenam com recursos orçamentários específicos para financiamentos verdes e com a possibilidade de políticas com potencial para mudar a face destruída de boa parte da Amazônia. “Falta ao governo definir políticas reais para o meio ambiente e também para a agricultura. Sem isso, ficam brigando e socializando a pobreza”, reclama o deputado federal Ricardo Trípoli (PSDB/SP). “Sempre faltaram subsídios governamentais para a implementação de programas de sustentabilidade”, diz.
Ontem mesmo, a Câmara aprovou créditos extraordinários de 12,5 bilhões de reais para o BNDES financiar obras ligadas ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento. A medida ainda passará pelo Senado, mas é uma sinalização clara de que a balança ainda pesa e muito para o lado desenvolvimentista.
Ainda conforme Trípoli, enquanto a Vale do Rio Doce recebe um socorro governista de 7,5 bilhões de reais, os setores ambientais e agrícolas seguem de pires na mão. Para ele, milhões de hectares abandonados pela produção poderiam ser novamente aproveitados se houvessem recursos e incentivos governamentais. “Da maneira que está, estamos perdendo biodiversidade e deixando de gerar recursos agropecuários sem avançar ainda mais sobre a floresta. Nunca vi tantos projetos e diagnósticos para a Amazônia como temos hoje, mas na prática não há nada, só muitos discursos”, disse Trípoli a O Eco, durante audiência pública na Câmara sobre o polêmico Projeto de Lei 6424/2005, do senador Flexa Ribeiro (PSDB/PA).
O texto, segundo ambientalistas, pode reduzir na prática a reserva legal na Amazônia, de 80% para 50%, abrindo caminho para derrubadas implacáveis e a possibilidade do plantio definitivo de palmeiras exóticas na recomposição de áreas degradadas. No entanto, a pressão contrária à proposta do Senado e ao substitutivo apresentado pelo deputado Jorge Khoury (DEM/BA) na Câmara parece ter minado a tramitação do PL.
Seja qual for o destino do novo plano para a Amazônia, agora sob direção do ministro extraordinário de assuntos estratégicos, Mangabeira Unger, o presidente Lula já indicou quem será uma das principais responsáveis por seu sucesso ou fracasso: “Marina Silva é a mãe do PAS”, disse.
* colaborou Felipe Lobo
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