Às 9:50hs da manhã desta sexta-feira, com vinte minutos de atraso, o ministro de Assuntos Estratégicos do governo federal e candidato ao inexistente posto de czar da Amazônia, Roberto Mangabeira Unger, entrou no auditório da Coppe (na Universidade Federal do Rio de Janeiro) para discursar sobre o futuro da maior floresta tropical do mundo. A platéia, em sua maioria composta por estudantes que lotaram a sala, parecia ansiosa para ouvir as considerações do coordenador do Plano Amazônia Sustentável (PAS) a respeito de uma região que sofre com o desmatamento ilegal e pressão internacional pela sua soberania. Ouviram um monte de obviedades que o ministro, aliás, só descobriu recentemente.
Luiz Pinguelli Rosa foi o grande destaque do encontro, promovido pelo Programa de Engenharia de Produção da Coppe para celebrar os 45 anos do instituto. Em cinco minutos de palestra, não disse nada de relevante e fez uma comparação absurda entre a situação da Amazônia e a do Cáucaso, na Europa Oriental. Era uma bobagem, mas pelo menos era uma novidade. “O desmatamento não contribui para o país. Eu acabei de voltar do Fórum Mineiro de Mudanças Climáticas, e me surpreendi com o governador Aécio Neves. Ele disse que a questão judicial não é o problema da Amazônia para assegurar a soberania brasileira. Ora, mas a Rússia acabou de invadir a Geórgia”, disse, sem explicar o que uma coisa tinha a ver com a outra.
Mas a estrela era Mangabeira. As lentes dos fotógrafos e das câmeras de televisão ainda procuravam o melhor foco quando o ministro iniciou sua palestra com uma advertência para botar qualquer audiência para correr. “Vou falar durante 50 minutos, mais do que costumeiramente faço. Mas é muito pouco para gerar uma dialética entre o geral e o particular”, disse, para espanto geral. A palestra foi dividida em três partes: a primeira sobre a necessidade de ruptura do Brasil com as tendências ideológicas fundamentadas na Europa do século passado; depois os sete passos necessários para encher de conteúdo prático o, até agora, vazio discurso de desenvolvimento sustentável.
Lista de culpados
Por último, viria o que ele chamou de “debates subjacentes e fraturantes”. Essa o ministro explicou: referia-se a temas densos acerca da Amazônia e sobre os quais ninguém ousa se posicionar. “Deveríamos andar na vanguarda das alternativas institucionais. Uma revolução de idéias. Tenho a convicção de que o suposto conflito entre forças pró-desenvolvimento (que não ligam para a floresta) e pró-conservacionismo (que desejam ver a Amazônia como um santuário sem ocupação alguma) não existe. Eles são poucos. A maioria quer o desenvolvimento sustentável”, afirmou. Na primeira parte, expressou de fato uma convicção corriqueira. Na conclusão, disparou uma besteira normal de quem tem pouca intimidade com a região.
A constatação serviu de base para suas argumentações seguintes. Mangabeira desfiou uma lista de sete culpados pela grave crise que ele vê instaurada na Amazônia. A maior parte deles o Brasil já conhece faz muito tempo. O principal é a falta de regularização fundiária – Mangabeira acredita que apenas 5% das terras privadas na Amazônia tenham situação legalmente definidas, o que torna o saque uma atividade mais rentável do que a preservação. O ministro também defendeu alterações rígidas nas leis dos direitos civil e agrário, de forma a criar zoneamentos ecológico-econômicos e evitar a legalização de grileiros.
Mangabeira também encampou o discurso da moda, de dar valor à floresta, um conceito ainda tão gasoso quanto o de sustentabilidade. Para tanto, vale fortalecer os serviços ambientais da Amazônia. Como? Segundo o ministro, com a importação de cérebros das grandes cidades. “Mas esse pessoal qualificado só vai sair das metrópoles com uma estrutura confiável na região, ou seja, municiados por gráficos, mapas e equipamentos dentro das unidades de conservação”, assegurou, sem levar em consideração que já há grandes cérebros trabalhando na Amazônia, muitos deles saídos das cidades do Sul do Brasil. E seu problema não é estrutura precária, mas falta de investimento e de políticas que relevem seu conhecimento.
Mangabeira também sugeriu, no seu discurso em geral incompreensível, que a Amazônia precisa de indústria que tenha “relação maximalista” com a floresta, e não apenas produtoras de carros e celulares. Traduzindo, ele quer botar lá uma indústria de processamento de produtos florestais, outro velho ponto do debate nacional sobre a Amazônia que o ministro acredita ser uma novidade. Só não disse como fará isso. Mas o fundamental, é que para os desenvolvimentistas aninhados no governo, Mangabeira não decepcionou.
Conservação zero
Depois de defender um acréscimo substantivo na produção de energia a partir de hidrelétricas e o transporte multi-modal na Amazônia (como ferrovias e hidrovias), ele criticou as pessoas que vêem a região como um tema ambiental exclusivamente. “Por isso que o presidente Lula me colocou à frente do Plano Amazônia Sustentável. Ele não queria deixar com alguma pasta setorizada”, explicou. Segundo o ministro, o Brasil precisa ser a vanguarda mundial da inclusão. Conservação a gente pode ficar na retaguarda. E repetiu uma ladainha que está virando mantra no governo Lula, apesar do desmatamento da Amazônia. “É possível dobrar o cultivo sem tocar em uma árvore, só usando as áreas degradadas. Precisamos montar o desenho de uma agricultura moderna”, profetizou.
O terceiro tema, Mangabeira abriu com uma crítica velada ao Código Florestal Brasileiro e em plena contradição com o que havia dito sobre a possibilidade de o Brasil continuar a plantar sem desmatar. Para o ministro, não é possível preservar e desenvolver em uma região na qual todas as propriedades precisam manter 80% de seu território sob a forma de reserva legal, sem contar as Áreas de Preservação Permanente e encostas de morros. “Este regime que temos no papel não vale na prática”. Para terminar, considerou que os índios precisam ter acesso à educação formal e tecnologias para terem o direito de escolher se seguem com suas tradições ou a abandonam completamente.
“Precisamos mudar o trato com a Amazônia pelo Brasil, antes de tudo. Não só pelas alterações climáticas”, encerrou. Três almas na platéia voluntariaram perguntas. Mangabeira preferiu não responder. Disse, talvez se esquecendo de que estava numa universidade e não numa delegacia, que não queria transformar aquele momento em um interrogatório. “Prefiro que vocês me indiquem problemas para os quais estou cego e dêem conselhos sobre como devo atuar na Amazônia”. A platéia, coitada, terá muito trabalho pela frente.
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