O primeiro dia do VI Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação começou recheado de números. Robert Constanza, pesquisador da Universidade de Vermont (EUA), um dos grandes nomes nos estudos de economia ecológica do mundo, fez uso de dezenas de gráficos e tabelas para dizer uma coisa muito simples: a economia não deve mais ser medida pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos países, mas pela qualidade de vida e níveis de bem-estar da população. Isso tem tudo a ver com a valorização das unidades de conservação brasileiras.
Os animadores números de como o Brasil aumentou a extensão territorial de áreas naturais protegidas, apresentados pela secretária de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Maria Cecília Wey de Brito, deram a impressão de que o país acertou o passo e resolveu investir como nunca antes nessa estratégia, pelo menos nos últimos anos. Afinal, se situado num contexto internacional mais amplo, o Brasil, sozinho, foi responsável por um incremento de 74% nas áreas protegidas no planeta de 2003 para cá.
Outra conquista louvável é o cumprimento de uma das metas da Convenção de Diversidade Biológica (CDB), de proteger pelo menos 10% do território nacional com unidades de conservação. Até agora, nossa porcentagem é de 16,75% considerando áreas federais, estaduais, além das reservas particulares, como Maria Cecília faz questão de ressaltar, apesar de individualmente os biomas não terem esse percentual de proteção. “Sabemos que a extensão dessas áreas não necessariamente representa a proteção efetiva da biodiversidade, ainda estamos muito longe do ideal”, diz.
De 2003 a 2006 o país protegeu legalmente 42 milhões de hectares, e nos últimos dois anos mais 10 milhões de hectares foram acrescidos a esta conta. Ainda segundo a secretária, até o final de 2009, o governo pretende criar mais quase quatro milhões de hectares de unidades de conservação no Brasil. “Temos uma meta de criar mais 20 milhões de áreas naturais protegidas até o término de 2010. Criamos seis milhões [da última eleição] até aqui, por isso eu faço um apelo para que os estados e municípios se mobilizem e criem também suas áreas, e nos ajudem com os 14 milhões de hectares que restam”, insistiu a secretária.
O público especializado de aproximadamente 1.200 pessoas reunidas em Curitiba, a maioria trabalhando diretamente com as nossas unidades de conservação, sabe que esses são números bons, mas ainda insuficientes para que o país faça frente às pressões de desmatamento. Apesar disso, esses números são passíveis de qualquer uso, inclusive para corroborar teses que vitimizam o agronegócio. E quem defende a importância das unidades de conservação precisa estar ciente sobre como usar de forma mais inteligente esses dados.
Saber usar dados sobre conservação
É o que diz o coordenador do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, José Augusto Drummond. Ele teve a paciência de colocar frente a frente esses números das unidades de conservação e a área ocupada por todas as atividades agrícolas e investimentos em infraestrutura, depois de lembrar que recentemente a Embrapa Monitoramento por Satélite lançou um estudo insinuando que por causa das áreas protegidas (unidades de conservação, terras indígenas e territórios quilombolas) o crescimento da agricultura e da pecuária estaria “espremido” em “apenas” 26% da área territorial brasileira. “Pensar que o Brasil está estrangulado por unidades de conservação é um exagero muito grande”, pondera o pesquisador. “Estamos falando do quinto maior país do mundo, não é pouca coisa, ainda mais com 400 anos de expansão de agricultura. Até que essa porcentagem não seria um mau negócio para um país como o nosso”, diz Drummond.
O pesquisador sugere que para superar essas construções é preciso destrinchar os números. Pois o que pode parecer pouco para o setor ruralista é, em termos absolutos, uma enormidade e precisa ser historicamente contextualizado. “Apenas a área de pecuária ocupa 20,23%, agricultura mais 9% os assentamentos de reforma agrária cobrem mais 5,5% do território nacional. Só a soja ocupa 2,49% do país. Se você pensar que o estado de Santa Catarina cobre aproximadamente 1% do Brasil, tudo isso é bastante. Então, se essas atividades ainda têm cerca de 25% de espaço livre para se expandir, não estou vendo que elas estejam espremidas”, diz Drummond.
De acordo com Robert Constanza, é necessário se desvencilhar dos nossos vícios de crescimento a todo custo e focar na qualidade de vida. “Temos que fazer com que o mercado diga a verdade, isso requer uma nova visão de mundo. É melhor lidar com esses desafios agora do que esperar os problemas se agravarem e não termos mais saída”, disse o pesquisador da Universidade de Vermont. Para isso, Constanza elencou uma lista de critérios que podem ser usados para medir o quanto nossos esforços econômicos estão sendo convertidos em melhoria de vida para a população, e ressalta que a questão não se trata de número de empregos gerados somente. Passa pela qualidade do ar, por saneamento, por tempo de lazer e uma série de outros aspectos mensuráveis que ele chama de “indicadores genuínos de progresso”.
Nesse processo de transformação, a imprensa foi lembrada pelo pesquisador com grande relevância. “O papel da mídia tem que ser mostrar como o futuro pode ser melhor, e não só o pior”, diz Constanza. A chave é construir um cenário mais convincente para a sociedade sobre o que ela realmente ganha e perde com essa discussão focada apenas no nosso PIB, mostrando também que o Brasil não é mais esse berço esplêndido todo de natureza que cantamos no nosso hino nacional. “A coalizão governista hoje é pibista. O brasileiro gosta e vota a favor dos políticos que defendem o PIB intensamente”, complementou o pesquisador Drummond.
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