Madrugada de terça-feira, 19 de dezembro, São Paulo. O alarme começou por volta das 22h, um alerta rápido, insistente e em tom de emergência. “Atenção, este veículo esta sendo roubado, ligue para a empresa tal e avise. Atenção, este veículo esta sendo roubado, ligue para a empresa tal e avise. Atenção, este veículo esta sendo roubado, ligue para a empresa tal e avise. Atenção, este veículo esta sendo roubado, ligue para a empresa tal e avise”.
Se ler isso repetidamente já é irritante, imagine tentar dormir com a mensagem sendo repetida em modo infinito. A buzina que acompanhava cada alerta começou a cessar somente por volta das 2h30 da manhã, com a frase sendo substituída por algo como um “fuéééDUM, fuéééDUM, fuéééDUM, fuéééDUM” eterno. Não sei que horas a bateria do tal veículo (e o alarme insistente, consequentemente) acabou. Também não sei se alguém conseguiu ligar para a dita empresa e se o roubo foi solucionado ou esclarecido; muito menos se houve roubo mesmo ou se o alarme simplesmente disparou do nada, o que acontece com regularidade como bem sabe quem mora em casas ou prédios de andares baixos em cidades.
Não consegui sequer ver o carro ou moto que estragou minha noite de sono e não tenho como cobrar quem decidiu que seria uma boa estratégia instalar um treco tão barulhento, mas as horas acordado na cama me levaram a pensar sobre a responsabilidade das empresas que fabricam e vendem tais sistemas de “segurança” – talvez porque na mensagem do alerta a dita marca fica sendo repetida sem parar, em uma propaganda bizarra.
Qual a responsabilidade de quem fabrica e vende alarmes sonoros pela poluição do ar que prejudica tanto a qualidade de vida de quem mora e trabalha em centros urbanos? Sim, porque não são apenas casos de noites interrompidas, mas também há os torturantes minutos de trabalho marcados pelo buzinar repetitivo em plena luz do dia; estes bem conhecidos de quem trabalha ou trabalhou perto de centros comerciais.
Se avançam as discussões para cobrar das montadoras responsabilidade e providências em relação à poluição do ar provocada pelos veículos que produzem, será que não é o caso de se começar a questionar qual a culpa de quem lucra com o barulho pela poluição sonora nas cidades? Ao mesmo tempo em que as indústrias de carros e veículos são obrigadas a se preocupar em buscar tecnologia para fabricar motores mais limpos, as que vendem alarmes não deveriam ser forçadas a desenvolver alertas e soluções menos danosos ao espaço público?
Qual o papel do poder público (executivo, legislativo e judiciário) em regular, vigiar e punir tais explosões sonoras tão cotidianas nas grandes cidades? Os alarmes disparados estão longe de serem casos isolados ou pontuais. Tanto barulho faz parte de um sistema econômico baseado no medo que quem ralou para conseguir comprar um carro ou uma moto tem de ver tal bem desaparecer furtivamente.
Ao se pensar em soluções para a poluição sonora nas cidades é preciso lembrar também de quem lucra com tanto barulho.
Leia também
Entrando no Clima#41 – COP29: O jogo só acaba quando termina
A 29ª Conferência do Clima chegou ao seu último dia, sem vislumbres de que ela vai, de fato, acabar. →
Supremo garante a proteção de manguezais no país todo
Decisão do STF proíbe criação de camarão em manguezais, ecossistemas de rica biodiversidade, berçários de variadas espécies e que estocam grandes quantidades de carbono →
A Floresta vista da favela
Turismo de base comunitária nas favelas do Guararapes e Cerro-Corá, no Rio de Janeiro, mostra a relação direta dos moradores com a Floresta da Tijuca →