Os debates sobre o texto governamental tiveram tímida repercussão, foram poucos e discretos. Os sites, blogs e as listas de discussões dos defensores do meio ambiente pediam a reunião dos militantes sob uma bandeira comum, pelo verde estuarino de uma região de importância fundamental para a reprodução de peixes da plataforma continental.
O projeto virou lei e a movimentação contrária desmatamento foi responsável por uma vitória. Um dos mangues selecionado para o sacrifício foi poupado. Com isso a área de supressão de mata nativa encolheu de 1.076,46 ha para 691,31 ha, considerando 508,2 há de mangue, 166,06 hectares de restinga e 17,05 de mata atlântica.
A troca contudo não ficou barata. Na mesma época em que o projeto polêmico estava em tramitação, duas exonerações na superintendência estadual do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) chamaram atenção. Perderam o cargo o chefe da fiscalização, Leslie Tavares, e o procurador geral, Rogério Guedes. Os dois com uma longa ficha de serviços prestados em prol da defesa do verde. Leslie, por exemplo, é temido na região do polo gesseiro, no Sertão do Araripe, e marcou presença rigorosa entre as usinas de cana-de-açúcar na zona da mata pernambucana.
A superintendente do Ibama, Ana Paula Pontes, afirma que as mudanças realizadas têm relação apenas com a rotina de órgãos públicos. “Mudou o ministro, mudou a superintendência, mudei quase todas as diretorias e também a fiscalização e a procuradoria-geral”, esclarece.
Compensação polêmica
Nos bastidores, associa-se as mudanças no Ibama em Pernambuco à resistência montada pela militância verde. As ações começaram ainda quando o projeto de desmatamento recorde estava em tramitação. O professor Ricardo Braga, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) solicitou uma reunião extraordinária do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) e foi atendido. O conselho composto por representantes da sociedade, da comunidade, do governo e instituições de defesa do meio ambiente criou um grupo de trabalho para chegar a uma proposta de reposição de área atingida e de compensação pelo dano causado. A decisão a ser tomada pelo Consema, dia 27, deverá ser seguida pela administração de Suape, de acordo com a lei que aprovou a supressão da natureza.
Os desacordos continuam. O governo apresentou uma proposta de compensação pelo dano que o aterramento de 691,31 ha estuarinos representa. No primeiro momento, a ideia nem chegou a ser considerada pelos Consema, por um princípio: o governo quer compensar uma área a ser suprimida por outra que já está preservada. O diretor de engenharia e meio ambiente de Suape, Ricardo Padilha, advoga em favor da tese. “A lei define que podemos restaurar ou preservar, por isso nos propomos a transformar os estuários dos rios Jaboatão, Massangana e Ipojuca em unidade de conservação”.
Aos que contra-argumentam dizendo que essas áreas estão preservadas, vivas e verdes, Padilha oferece a tréplica: “Veja o que aconteceu com as unidades de preservação permanentes que estão sendo suprimidas em Suape”. Ao menos no grupo de trabalho do Consema, a ideia não tem amparo.
Os estudos sobre a reposição e a compensação continuam. O conselheiro Ricardo Braga não considera a proposta de cuidar no papel o que já está naturalmente cuidado. Ele colocou em discussão uma fórmula que utiliza como variáveis o custo do empreendimento, do impacto e o grau significativo do impacto ambiental para encontrar um índice a ser aplicado no valor do empreendimento. Nesse caso, chegou a 0,5% sobre cada indústria ou estaleiro a serem instalados. Ricardo Padilha, de Suape, dá pouca importância à fórmula. “São cálculos que só o professor Ricardo Braga defende”.
Quem autoriza?
Diferentes ONGs querem ações mais efetivas. Reunidas na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), discutiram formas de agir junto à Justiça, ao Ministério Público e outras ações que preferem manter em estratégico sigilo. De toda forma, pregam que Suape deve cuidar primeiro do passado. O líder da instituição Salve Maracaípe, Marcos Peireira, lembra que a administração do Porto de Suape assina termos de ajustamento de conduta (TACs) desde 2001 e pouco fez em relação ao que se propôs.
Outra bandeira levantada pelas entidades é a necessidade de se preparar novos Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto no Meio Ambiente (Eia/Rima), obrigatoriedade essa que os administradores do porto veem como desnecessária. “Suape possui um Eia/Rima”, responde Ricardo Padilha. “O Eia/Rima de Suape tem dez anos de existência e não prevê aspectos que hoje se tornaram obrigatórios em todos os novos relatórios”, rebate Marcos, da Viva Maracaípe.
Com relação ao aterramento de 691,31 ha mangue, restinga e mata atlântica em Suape, a superintendente do Ibama Ana Paula afirma que vai exigir novas condições ao governo do Estado. Ela quer que a agência de meio ambiente do estado só autorize supressão de área de preservação permanente com a anuência do Ibama e que os novos empreendimentos, a serem instalados na área desmatada, realizem novo Eia/Rima e sejam co-responsáveis por eles – isso sem falar no cumprimento do acordos firmados no passado.
A licença expedida pelo CPRH, a agência de meio ambiente em Pernambuco, causou certo mal-estar no Ibama. Por ironia, a forma ágil também gerou ciúmes no estado vizinho. Em Alagoas, o estado se prepara para receber o estaleiro Eisa para disputar as licitações de petroleiros e plataformas para exploração de petróleo pela Petrobras. Como o Ministério Público Federal em Alagoas orientou a agência de meio ambiente a não dar licença prévia ao projeto, não faltaram autoridades com medo que os investidores preferissem Suape. “Em Pernambuco, a agência é mais rápida”, argumentavam pela imprensa.
O Porto de Suape é hoje o principal polo de atração de investimentos de grande porte em Pernambuco. Está lá o Estaleiro Atlântico Sul, que entregou um petroleiro padrão suezmax e vai entregar mais 21 navios desse nível, além de uma plataforma. Cinco novos estaleiros pedem espaço, uma refinaria está em construção e diferentes petroquímicas querem área. Todos juntos representam aporte superior a R$ 20 bilhões e querem a terra que tanto serviu aos caranguejos.
As obras de construção do porto, feitas há 30 anos, transformaram a paisagem estuarina em ponto de atracação de grandes embarcações, mas também são apontadas, por diferentes estudos nas universidades pernambucanas, como responsáveis por dois fenômenos de grande impacto para a população urbana. O primeiro são os incidentes com tubarões, que já fizeram dezenas de mortos entre surfistas e banhistas. O segundo é a constante erosão marinha. As praias urbanas de Candeias, Piedade e Boa Viagem tiveram suas faixas de areia cada ano mais estreitas. Hoje, os moradores dos prédios na beira-mar temem o futuro do seu endereço.
* Celso Calheiros é repórter em Recife
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