Reportagens

Unidos pelo mangue

Proposta já aprovada de construção de estaleiro no Porto de Suape causará desmatamento recorde na costa de Pernambuco e acende movimento ambientalista.

Celso Calheiros ·
11 de maio de 2010 · 15 anos atrás

Ambientalistas protestam em frente ao prédio onde ocorreu ultima reunião do Consema de Pernambuco (foto: Celso Calheiros)
Ambientalistas protestam em frente ao prédio onde ocorreu ultima reunião do Consema de Pernambuco (foto: Celso Calheiros)
Recife – Uma proposta de desmatamento de 1.076,46 hectares mata nativa pegou de surpresa os defensores do meio ambiente em Pernambuco. Embora supressão de área de proteção permanente não seja exatamente uma novidade nas cercanias do Porto de Suape, Região Metropolitana do Recife, a forma discreta como o projeto de lei foi apresentado à Assembleia Legislativa, o tamanho e a qualidade da devastação (893,48 ha de mangue, 166,06 ha de área de restinga e 17,03 ha de mata atlântica) e o nível da pressão (com exonerações e suspeitas de perseguições) despertou na sociedade organizada seu desejo de resistência. Esse é o maior desmatamento da história do estado.

Os debates sobre o texto governamental tiveram tímida repercussão, foram poucos e discretos. Os sites, blogs e as listas de discussões dos defensores do meio ambiente pediam a reunião dos militantes sob uma bandeira comum, pelo verde estuarino de uma região de importância fundamental para a reprodução de peixes da plataforma continental.

Mapa de supressão de vegetação na região de Suape. Clique para ampliar (fonte: Governo de Pernambuco)
Mapa de supressão de vegetação na região de Suape. Clique para ampliar (fonte: Governo de Pernambuco)

O projeto virou lei e a movimentação contrária desmatamento foi responsável por uma vitória. Um dos mangues selecionado para o sacrifício foi poupado. Com isso a área de supressão de mata nativa encolheu de 1.076,46 ha para 691,31 ha, considerando 508,2 há de mangue, 166,06 hectares de restinga e 17,05 de mata atlântica.

A troca contudo não ficou barata. Na mesma época em que o projeto polêmico estava em tramitação, duas exonerações na superintendência estadual do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) chamaram atenção. Perderam o cargo o chefe da fiscalização, Leslie Tavares, e o procurador geral, Rogério Guedes. Os dois com uma longa ficha de serviços prestados em prol da defesa do verde. Leslie, por exemplo, é temido na região do polo gesseiro, no Sertão do Araripe, e marcou presença rigorosa entre as usinas de cana-de-açúcar na zona da mata pernambucana.

A superintendente do Ibama, Ana Paula Pontes, afirma que as mudanças realizadas têm relação apenas com a rotina de órgãos públicos. “Mudou o ministro, mudou a superintendência, mudei quase todas as diretorias e também a fiscalização e a procuradoria-geral”, esclarece.

Compensação polêmica

Leslie Tavares foi exonerado do Ibama na época em que projeto em Suape tornou-se polêmico. Chefe do órgão nega relação (foto: Celso Calheiros)
Leslie Tavares foi exonerado do Ibama na época em que projeto em Suape tornou-se polêmico. Chefe do órgão nega relação (foto: Celso Calheiros)

Nos bastidores, associa-se as mudanças no Ibama em Pernambuco à resistência montada pela militância verde. As ações começaram ainda quando o projeto de desmatamento recorde estava em tramitação. O professor Ricardo Braga, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) solicitou uma reunião extraordinária do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) e foi atendido. O conselho composto por representantes da sociedade, da comunidade, do governo e instituições de defesa do meio ambiente criou um grupo de trabalho para chegar a uma proposta de reposição de área atingida e de compensação pelo dano causado. A decisão a ser tomada pelo Consema, dia 27, deverá ser seguida pela administração de Suape, de acordo com a lei que aprovou a supressão da natureza.

Os desacordos continuam. O governo apresentou uma proposta de compensação pelo dano que o aterramento de 691,31 ha estuarinos representa. No primeiro momento, a ideia nem chegou a ser considerada pelos Consema, por um princípio: o governo quer compensar uma área a ser suprimida por outra que já está preservada. O diretor de engenharia e meio ambiente de Suape, Ricardo Padilha, advoga em favor da tese. “A lei define que podemos restaurar ou preservar, por isso nos propomos a transformar os estuários dos rios Jaboatão, Massangana e Ipojuca em unidade de conservação”.

Aos que contra-argumentam dizendo que essas áreas estão preservadas, vivas e verdes, Padilha oferece a tréplica: “Veja o que aconteceu com as unidades de preservação permanentes que estão sendo suprimidas em Suape”. Ao menos no grupo de trabalho do Consema, a ideia não tem amparo.

Os estudos sobre a reposição e a compensação continuam. O conselheiro Ricardo Braga não considera a proposta de cuidar no papel o que já está naturalmente cuidado. Ele colocou em discussão uma fórmula que utiliza como variáveis o custo do empreendimento, do impacto e o grau significativo do impacto ambiental para encontrar um índice a ser aplicado no valor do empreendimento. Nesse caso, chegou a 0,5% sobre cada indústria ou estaleiro a serem instalados. Ricardo Padilha, de Suape, dá pouca importância à fórmula. “São cálculos que só o professor Ricardo Braga defende”.

Quem autoriza?

Mapa de compensação pelo desmatamento com zonas propostas para preservação. Clique para ampliar (fonte: Governo de Pernambuco)
Mapa de compensação pelo desmatamento com zonas propostas para preservação. Clique para ampliar (fonte: Governo de Pernambuco)

Diferentes ONGs querem ações mais efetivas. Reunidas na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), discutiram formas de agir junto à Justiça, ao Ministério Público e outras ações que preferem manter em estratégico sigilo. De toda forma, pregam que Suape deve cuidar primeiro do passado. O líder da instituição Salve Maracaípe, Marcos Peireira, lembra que a administração do Porto de Suape assina termos de ajustamento de conduta (TACs) desde 2001 e pouco fez em relação ao que se propôs.

Outra bandeira levantada pelas entidades é a necessidade de se preparar novos Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto no Meio Ambiente (Eia/Rima), obrigatoriedade essa que os administradores do porto veem como desnecessária. “Suape possui um Eia/Rima”, responde Ricardo Padilha. “O Eia/Rima de Suape tem dez anos de existência e não prevê aspectos que hoje se tornaram obrigatórios em todos os novos relatórios”, rebate Marcos, da Viva Maracaípe.

Com relação ao aterramento de 691,31 ha mangue, restinga e mata atlântica em Suape, a superintendente do Ibama Ana Paula afirma que vai exigir novas condições ao governo do Estado. Ela quer que a agência de meio ambiente do estado só autorize supressão de área de preservação permanente com a anuência do Ibama e que os novos empreendimentos, a serem instalados na área desmatada, realizem novo Eia/Rima e sejam co-responsáveis por eles – isso sem falar no cumprimento do acordos firmados no passado.

A licença expedida pelo CPRH, a agência de meio ambiente em Pernambuco, causou certo mal-estar no Ibama. Por ironia, a forma ágil também gerou ciúmes no estado vizinho. Em Alagoas, o estado se prepara para receber o estaleiro Eisa para disputar as licitações de petroleiros e plataformas para exploração de petróleo pela Petrobras. Como o Ministério Público Federal em Alagoas orientou a agência de meio ambiente a não dar licença prévia ao projeto, não faltaram autoridades com medo que os investidores preferissem Suape. “Em Pernambuco, a agência é mais rápida”, argumentavam pela imprensa.

O Porto de Suape é hoje o principal polo de atração de investimentos de grande porte em Pernambuco. Está lá o Estaleiro Atlântico Sul, que entregou um petroleiro padrão suezmax e vai entregar mais 21 navios desse nível, além de uma plataforma. Cinco novos estaleiros pedem espaço, uma refinaria está em construção e diferentes petroquímicas querem área. Todos juntos representam aporte superior a R$ 20 bilhões e querem a terra que tanto serviu aos caranguejos.

As obras de construção do porto, feitas há 30 anos, transformaram a paisagem estuarina em ponto de atracação de grandes embarcações, mas também são apontadas, por diferentes estudos nas universidades pernambucanas, como responsáveis por dois fenômenos de grande impacto para a população urbana. O primeiro são os incidentes com tubarões, que já fizeram dezenas de mortos entre surfistas e banhistas. O segundo é a constante erosão marinha. As praias urbanas de Candeias, Piedade e Boa Viagem tiveram suas faixas de areia cada ano mais estreitas. Hoje, os moradores dos prédios na beira-mar temem o futuro do seu endereço. 

* Celso Calheiros é repórter em Recife

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