Brasília – Ânimos exaltados, ansiedade e controvérsia marcaram a apresentação do relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) sobre mudanças no Código Florestal Brasileiro. A audiência pública foi realizada nesta terça-feira (08), em plenário lotado da Comissão Especial que trata do assunto, na Câmara dos Deputados. Com citações descontextualizadas de historiadores, literatos e poetas, numa confusão de argumentos, o parecer do relator defende que as Áreas de Preservação Permanente (APPs) devem ser regulamentadas pelos governos de cada estado, podendo ser aumentadas ou reduzidas em até 50%. A proposta também dispensa a Reserva Legal às pequenas propriedades, além de anistiar as multas por crime ambiental emitidas até julho de 2008, através de um Plano de Regularização Ambiental (PRA).
O relatório prevê ainda a criação de uma espécie de moratória para o desmatamento de florestas. Ou seja, por um período de cinco anos não será permitido o corte raso de novas áreas de floresta nativa para a abertura de novas áreas destinadas à agricultura e pecuária.
Segundo o deputado, trata-se de uma medida importante para que possam ser implementados os mecanismos previstos na legislação, tais como o Zoneamento Econômico-Ecológico (ZEE) e os PRAs. “A suspensão de ampliação das atividades possibilitará a cada estado definir como, quando e onde quer crescer e onde quer proteger a natureza”, afirmou.
Já para Paulo Adario, coordenador da Campanha Amazônia do Greenpeace, a medida apenas isenta os fazendeiros de penalização. A propósito, para o ambientalista, o parecer representou uma vergonha para a legislação brasileira e uma imensa oportunidade histórica perdida: “o relator teve a chance de sanar esse fosso que gera discórdia fazendo uma proposta de lei que unisse produção e conservação. Mas preferiu virar lobista do agronegócio”.
Ataque às ONGs
Citando o poema “A queimada”, de Castro Alves, Rebelo inicia sua propaganda anti-ONGs. Segundo ele, o ambientalismo, já diziam os norte-americanos, é resultado de “um ecologismo ideológico que se juntou com o empreendedorismo milionário das ONGs”, e rota de fuga entre o socialismo e o comunismo. Ele classificou as ONGs como “grupos poderosamente articulados internacionalmente, mobilizados para dificultar a marcha de construção de uma sociedade materialista, progressista e avançada”.
O deputado acusou os países ricos de limitar o acesso dos países pobres aos mesmos recursos naturais e bens de consumo, e fazer isso através das ONGs e de manifestações ambientalistas. “Recebendo farto financiamento, essas organizações desembarcam aqui como promotoras do bem ambiental e nacional, mas escondem seu real interesse”, afirmou. Mas não deixou de comparar a situação brasileira com a de países estrangeiros: “com tanto boi no mundo, o do Brasil foi apontado como inimigo número um, mesmo ele, que figura no imaginário popular, símbolo do folclore nacional”.
Em discurso que ele mesmo adjetivou como “enfadonho”, o deputado deixou explícita sua pendência para uma posição que beneficia a bancada ruralista. Historicamente, tentou provar como, mesmo a lei de 1965 não tinha como preocupação primeira a questão ambiental, mas função econômica e geopolítica. Afirmou que a legislação de hoje é inadequada e relega 90% dos produtores rurais à ilegalidade, submetidos a sanções dos órgãos públicos. Ela torna “crime ambiental o próprio ato de viver”, disse.
Só no ano que vem
Paulo Adario concorda, porém, que o código florestal tenha que sofrer algumas mudanças, mas apenas com cautela e tempo para discussões. “É importante fazer ajustes sim, mas com aval e participação da sociedade civil. Foram convocados mais representantes dos ruralistas do que ambientalistas para os debates. Este ano não é adequado para isso. A proposta do Greenpeace é que passe pra o ano que vem a discussão”, completou.
Para ele, o projeto em si tem muitas perversidades ocultas e, talvez, a maior delas seja a atribuição ao Poder Público, ou seja, aos contribuintes, a responsabilidade pela recuperação do passivo ambiental: “O fazendeiro destrói e a gente é quem paga”.
A proposta de lei também permite que a APP seja contabilizada na reserva legal – 80% na Amazônia, 35% no cerrado e 20% em outras regiões – mas os estados teriam autonomia para redefinir a porcentagem de acordo com o ZEE.
Aos pequenos proprietários, que possuam até 4 módulos rurais (o que, na Amazônia, pode chegar a 400 hectares), será dispensada a reserva legal, mas permanecem obrigatórias as APPs.
Sob protestos dos ambientalistas, servidores do Ibama e demais deputados, o presidente da comissão, Moacir Micheletto (PMDB/PR), declarou suspensa a sessão às 17h30 por conta da Ordem do Dia. A continuação da leitura, na íntegra, do relatório será amanhã, às 13h, na Câmara.do Dia.
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