Já conversamos aqui no ((o))eco sobre uma questão fundamental quando se fala em conservação: a efetividade das áreas protegidas. O assunto é polêmico e há a turma que pressupõe que quanto mais área sob proteção legal, melhor; e alguns, inclusive eu, que acham que é preciso planejar os impactos positivos da criação das UCs, para que essas sejam estabelecidas em locais extremamente relevantes. A pergunta principal, portanto, é o que aconteceria em um determinado local caso ele não houvesse sido protegido? Se a resposta for “ele estaria degradado, as espécies seriam extintas, os ambientes poluídos, etc.”, parabéns! Sua área protegida é top!
Nesse momento, estamos vivenciando essa discussão na prática! Após um longo processo e com o intuito de ampliar a rede de unidades de conservação marinha no Brasil, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) finalmente abriu consultas públicas para criação de dois grandes mosaicos de unidades de conservação no espaço marinho.
Essas áreas protegeriam uma área total de 887.040 km² do arquipélago de São Pedro e São Paulo (ASPSP) e da cadeia de Montes Submarinos Vitória-Trindade e Arquipélagos de Trindade/Martim Vaz, cobrindo cerca de 24,5% de toda Zona Econômica Exclusiva (ZEE) brasileira. Nessa proposta, em ambas regiões seriam criadas UCs em duas categorias de manejo: um Monumento Natural (MONA), de proteção integral; e uma Área de Proteção Ambiental (APA), que permite uso sustentável dos recursos.
Para entender melhor quais são as ameaças incidentes sobre essas áreas, o que está em jogo com a criação das UCs e o que podemos esperar dos decretos de criação, conversei com Ronaldo Francini Filho – especialista em ecologia e conservação marinha e docente da UFPB, e Daniele Vila Nova – doutora em Ecologia e Conservação e integrante da Ouvidoria do Mar.
A conversa cobriu uma análise crítica das propostas, mas afastada do sensacionalismo que têm aparecido na mídia. Ficou claro que os dois, e eu também, são favoráveis à criação das áreas e acham superimportante proteger esses espaços. Mas como vocês verão, eles têm ressalvas claras sobre o que precisa acontecer nas áreas e o que deveria constar nos decretos de criação das UCs. Vamos lá…
RAFAEL: Pessoal, obrigado por toparem esse bate-papo. Espero que essa seja mais uma camada de informação para as decisões importantes que serão tomadas a partir das consultas públicas do ICMBio. Então, para começar, quais as principais ameaças nessas áreas onde possivelmente serão criadas as UCs?
RONALDO: O principal impacto nestas regiões hoje é a sobrepesca. No arquipélago de São Pedro e São Paulo (ASPSP), a pesca é direcionada a grandes peixes pelágicos, principalmente atuns e cavalas, que são capturados com espinhéis de superfície e linhas de mão. Esses espinhéis capturam tubarões incidentalmente e até o final da década de noventa, a prática de finning – como é conhecida a retirada de nadadeiras para exportação – era frequente.
A pesca de peixes que vivem associados ao fundo rochoso do ASPSP (chamados peixes recifais), principalmente xaréus, também é praticada com linhas de mão e anzóis a partir de barcos e das ilhas. É notável a quantidade de linhas enroscadas em colônias de corais no ASPSP, o que poderia até facilitar a proliferação de doenças.
Por outro lado, a pesca na Cadeia de Montes Submarinos Vitória-Trindade e Arquipélagos de Trindade/Martim Vaz é praticada por barcos com 12-25m de comprimento e as principais artes são linha e anzol, espinhel de superfície, espinhel de fundo e arrasto de linha. Nesse caso, as espécies mais capturadas são predadores de médio porte, como garoupas, badejos e xaréus, e espécies maiores como o tubarão-azul, meca e dourados, incluindo espécies ameaçadas de extinção como o tubarão-lixa.
RAFAEL: E há mineração também…
RONALDO: Isso! Outra ameaça importante para ambos os mosaicos de UCs propostos é a mineração. Na região da Dorsal Meso-Atlântica (DMA), na qual o arquipélago de São Pedro e São Paulo (ASPSP) está inserido, existem lavras de mineração de cobre, cobalto e zinco exploradas por França, Alemanha e Inglaterra. Estes minérios apresentam alto valor comercial e são utilizados em componentes de celulares, computadores, turbinas de avião e muitos outros produtos. Então, há uma tendência de aumento nas atividades de mineração marinha na região da Dorsal Meso-Atlântica (DMA), com ambições do Brasil para o início desta prática. Já na Cadeia Vitória-Trindade, o alvo principal da mineração são nódulos calcários (aquelas algas formadoras de bancos de rodolitos), os quais são ricos em micronutrientes e são utilizados para correção de acidez do solo em monoculturas e como adubo.
DANIELE: Exato. Além disso, esses minérios e compostos polimetálicos são detalhados para ASPSP [arquipélago de São Pedro e São Paulo] e Trindade inclusive no Plano Setorial para os Recursos do Mar. O plano define diretrizes para a exploração dos recursos marítimos brasileiros para o período de 2016 a 2019. Então, a criação das UCs propostas deveria ser fortemente respaldada pela legislação do SNUC [Sistema Nacional de Unidades Conservação] quanto aos seus usos, excluindo essas atividades no interior dessas UCs.
RAFAEL: Essa é uma colocação importante da Daniele. No formato atual da proposta, na qual seriam criadas APAs e MONAs, quais são as principais limitações dessas categorias de manejo diante das ameaças que vocês falaram?
RONALDO: As grandes APAs propostas não protegerão a biodiversidade de fato caso não contenham por explícito em seus decretos de criação a proibição de atividades de mineração.
RAFAEL: Mas isso pode acontecer?
RONALDO: Pode! A categoria de MONA [Monumento Natural], por exemplo, foi criada originalmente para o ambiente terrestre e existem interpretações conflitantes sobre a possibilidade ou não de uso direto, como a pesca. Por exemplo, no MONA Cagarras, no Rio de Janeiro, a pesca é permitida. Ou seja, na minha opinião, a criação dos MONAs nas ilhas oceânicas só faria sentido com o compromisso explícito de proteção integral.
DANIELE: Vale lembrar que UCs de proteção integral (como o MONA) podem ter acesso a recursos de compensação ambiental, o que geraria subsídios para a manutenção das UCs nessas ilhas remotas. Por serem áreas enormes, as maiores a serem criadas para o ambiente marinho no Brasil, é necessário que os mecanismos de gestão, incluindo recursos humanos, financeiros e material, estejam claramente definidos no decreto de criação.
RAFAEL: Isso seria ótimo! E como ficaria a fiscalização?
DANIELE: Temos um conjunto de UCs costeiras e marinhas de baixíssima efetividade no país, sem gestor, sem plano de manejo, sem recursos para fiscalização. Nesse caso, como será feita a fiscalização/monitoramento da pesca numa área tão remota? Na ilha da Trindade, seria interessante a construção de uma base do ICMBio assim como existe na REBIO do Atol das Rocas, por exemplo. Atualmente, os pesquisadores permanecem na base da marinha em Trindade.
RONALDO: Claro! Além disso, todas as UCs têm obrigação de finalização de seu Plano de Manejo em prazo de cinco anos, o que raramente é cumprido no Brasil. No caso dessas áreas, a publicação dos Planos de Manejo das grandes APAs no menor prazo possível é essencial para um monitoramento e ordenamento da pesca efetivos.
RAFAEL: Gente, com a criação dessas UCs o país teria quase 25% do espaço marinho sob alguma forma de proteção. Nesse caso, o Brasil atingiria a meta 11 do plano estratégico para a conservação da biodiversidade até 2020? (Conhecida como meta 11 de Aichi que fixa a proteção de pelo menos 10% de ecossistemas costeiros e marinhos)
RONALDO: Não. Com a criação das UCs propostas, o Brasil atingiria pouco mais de 20% de sua ZEE em UCs, incluindo proteção integral e uso sustentável. No entanto, essa meta no plano da Convenção Sobre Diversidade Biológica (CDB) é clara: a rede de áreas protegidas deve ser representativa, ou seja, precisa incluir diferentes habitats e ecossistemas e com foco especial para alguns ecossistemas como recifes de corais. Com a criação das duas grandes APAs, teríamos em grande parte apenas mar aberto protegido.
DANIELE: Concordo. Essa propaganda de que o Brasil atingirá os compromissos assumidos internacionalmente é falsa. A meta não é proteger simplesmente em termos de área e sim em termos de representatividade. O Brasil é rico em ecossistemas costeiros e marinhos, e todos eles devem estar devidamente protegidos.
RAFAEL: Certo. Isso nos leva à conversa sobre a efetividade das áreas. Unidades de conservação deveriam ser criadas para cessar ameaças sobre a biodiversidade, proteger uma parte da biodiversidade que sem proteção desapareceria e garantir o acesso aos bens e serviços que a natureza entrega às pessoas. Nesse caso, há uma falta de representatividade nas UCs propostas, como vocês disseram. É isso?
RONALDO: Sim… por exemplo, mesmo com toda essa área de UCs ainda estaríamos longe de proteger os 10% dos recifes de corais e manguezais. A estratégia de criação de grandes áreas protegidas com baixa restrição, ou seja, que ainda permitam atividades como a pesca, apenas para o atingimento espúrio das metas de Aichi, já foi adotada por outros países, como no caso da criação de grandes áreas protegidas em mar aberto no noroeste do Havaí, pelos Estados Unidos.
RAFAEL: O que muita gente aplaudiu como um feito fantástico, mas vários pesquisadores criticaram. Na Austrália, que tem uma extensa rede de áreas protegidas, também há muitas críticas porque basicamente o governo criou áreas onde não há nenhum conflito com a mineração e a pesca, mas as espécies continuam ameaçadas e desaparecendo…
DANIELE: Sim, porque é relativamente ‘fácil’ criar grandes UCs em áreas distantes, com poucos conflitos (apesar de termos bastante conflitos com a pesca e mineração, como já mencionado), mas que de fato irá proteger pouca biodiversidade se comparado a outras áreas mais costeiras e com mais conflitos como turismo desordenado, especulação imobiliária, poluição costeira, etc.
…
Ficou claro para mim, no papo com a Daniele e o Ronaldo, que o Brasil está no caminho certo ao planejar a expansão das UCs marinhas e focar, no momento, no arquipélago de São Pedro e São Paulo e Cadeia de Montes Submarinos Vitória-Trindade e Arquipélagos de Trindade/Martim Vaz. Mas três coisas são fundamentais nesse processo.
Primeiro, é muito importante incluir nos decretos de criação de forma explícita, a proibição da pesca e mineração nos MONAs (e brigar para que essas áreas de proteção integral sejam realmente criadas). Depois, é preciso batalhar para que os planos de manejo das APAs sejam elaborados e publicados o mais rápido possível, para definir claramente os usos. Por fim, esse é um ano de eleições e oportunidades políticas como essa costumam aparecer e serem bem utilizadas. Toda decisão sobre conservar uma área é política, até aí tudo bem. Mas, como sociedade, precisamos estar atentos para que a criação de áreas com um forte componente político associado a compromissos internacionais não virem uma grande desculpa para que, por longos anos, não se fale nem se planejem mais a criação de UCs marinhas. Torçamos e nos engajemos para que esse não seja o caso e que a hora do mar tenha apenas começado.
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(2) Um equivoco (não erro) dos entrevistados é que a maioria dos apontamentos que fazem em termos de "falhas" ou imperfeições do processo não podem, nem devem, estar apontadas no DECRETO, mas sim na elaboração do PLANO DE MANEJO. O Plano é que dá especificidades, como no exemplo do MONA Cagarras do RJ, e não no Decreto de CRIAÇÃO. E o Plano só pode ser estabelecido após a CRIAÇÃO. É no Plano de Manejo que detalhes específicos das áreas e peculiaridades, como as apontadas, são abordados e estruturados para operacionalizar as áreas. Além do que, quando um PLANO DE MANEJO passa a ser elaborado também haverão inúmeras oportunidades para que seja avaliado por equipes ecléticas e atores da sociedade, especialmente os especialistas, como por exemplo do tipo dos entrevistados. Não é obviamente no momento de CRIAÇÃO que se discute elementos do PLANO DE MANEJO das UCs. Desta forma, fazem, um tanto equivocadamente, apontamentos indevidos, ou EQUIVOCADOS, embora perfeitamente pertinentes e corretos.
Mesmo repetindo que as posições dos entrevistados estejam corretas, não posso me furtar em apontar com o máximo de elegância possível, e inclusive para o articulista, que o timing deste artigo deveria ter sido considerado muito cuidadosamente. Fazer essa notícia neste momento onde deveríamos todos os conservacionistas apoiar o processo até seu final e então trazer à baila elementos que aperfeiçoem o DECRETO, ou mais ainda, OPERACIONALIZEM-NO, em momento adequado, seria melhor. O Decreto criado deve ter continuação de maneira técnica e o ICMBio tem vários departamentos com tais especializações. Certamente este não é o momento para esse tipo de colocação especializada pois causa polêmica indevida, permitindo politização desnecessária.
A proposta elaborada pelo ICMBio está muito acima de um "mínimo" de qualidade necessária para ser aprovada. Foi resultado de um longo debate interno e externo com atores dos diferentes organismos da sociedade e de Estado (Ministérios do Meio Ambiente, Defesa, Itamaraty, Agricultura e organismos ligados à Pesca) e merece um CONSENSO inequívoco dos conservacionistas. Ainda creio que o OECO deva se alinhar com uma ala mais ambientalista do que outros meios de comunicação da indústria da Pesca, Transporte ou da Mineração. Aceitaria um artigo dessa natureza em organismo de comunicação que fosse, de fato, anti-conservacionista. Desta maneira, atira no próprio pé em certa medida.
Warwick Manfrinato, Eng. Agrônomo,
Programa Corredores Ecológicos, Instituto de Estudos Avançados, USP (www.iea.usp.br)
"Ainda creio que o OECO deva se alinhar com uma ala mais ambientalista do que outros meios de comunicação…" Agora esse aí acha que deve pautar a linha editorial d'O ECO! Rapaz, o que não fazem 13 anos de governo sectarista…
A questao é mais sutil do que pautar linha editorial. Longe de mim…. A liberdade editorial nao exclui avaliar e analisar os impactos. Mas ainda bem que a critica ao conteudo foi nesse aspecto. Grato!
Na verdade tenho outras críticas sim, por ex: "Não é obviamente no momento de CRIAÇÃO que se discute elementos do PLANO DE MANEJO das UCs". Bem, algum vislumbre do que constará no PM deve estar presente já na ocasião da proposta de criação da UC, senão, qual o critério para propor essa ou aquela categoria?
(1) Embora já mencionado pelo Diretor do ICMBio, Dr. Maretti, a matéria deve ser vista com gratidão aos entrevistados, pelos brasileiros em geral, pois buscam aperfeiçoar o processo de CRIACAO das UCs Marinhas. Lembro que qualquer área que seja decretada como UC passa para uma categoria de "propriedade" dos cidadãos do Brasil, sob os cuidados do Estado com estrutura de governança muito mais objetiva e prevista pela Constituição através dos regulamentos do SNUC e não apenas como "áreas da nação brasileira". Poucos de nós cidadãos brasileiros compreendem a dimensão dessa afirmação, mas é importante aprofundar nesse entendimento.
De qualquer maneira, embora também eu concorde de maneira geral com o articulista e com os entrevistados, todos temos que entender (especialmente os especialistas entrevistados) que o processo de criação é árduo e complexo, principalmente para os diferentes organismos do governo, uma vez que precisou e precisará vencer visões distintas e diversas dos atores públicos e até mesmo dos interessados das atividades econômicas do mar (pesca, mineração, transporte, turismo), além, e especialmente, da Defesa (neste caso a Marinha do Brasil). Desta forma, fazer com que um processo desses chegue ao ponto de ser avaliado pela Casa Civil para a decretação, é uma longa, árdua e espetacular vitória que deve ser considerada, ESPECIALMENTE por especialistas, como os entrevistados.
Warwick Manfrinato, Eng. Agrônomo,
Programa Corredores Ecológicos, Instituto de Estudos Avançados, USP (www.iea.usp.br)
"…VENCER visões distintas…"!?! Realmente, o Fla x Flu contaminou de forma profunda qualquer debate no âmbito nacional!!!
Rafael, parabéns pelo artigo em formato de entrevista, ou "bate-papo", ficou muito bom. Apenas uma sugestão: se for fazer outros desse estilo, busque dois ou mais "entrevistados" que não concordem entre si, para que a pauta seja abordada de maneira mais abrangente. Sobre esse artigo em particular, concordo com a maior parte do que está escrito, principalmente a frase "Toda decisão sobre conservar uma área é política, até aí tudo bem.", que deveria servir para reflexão por boa parte do ambientalismo brasileiro, que crê, oniricamente, que essa decisão deveria ser ideológica.
Vou esperar o comentário do Cláudio Maretti virar filme. Zzzzz
Você não saber ler não? É analfabeto funcional ou seu cérebro só tem preguiça? que mal tem ler um posicionamento de um dos diretores do ICMBio?
Não é isento, pois tem que "vender seu peixe". Esses acordos internacionais só servem pra justificar viagens, reuniões e certos cargos na administração, pois cada nação tem suas especificidades e na hora de negociar o que é efetivamente polêmico, as decisões se dão com base no "It's the economy, stupid!". APAs foram pensadas inicialmente como buffers de UCs de proteção integral, hj estão sendo empregadas erroneamente, não restringem praticamente nada, causam distorções nas estatísticas e gráficos de áreas "protegidas" e sugam recursos institucionais de outras categorias mais eficientes. Essas novas UCs marinhas sugeridas, por mais importante ambientalmente que sejam tais áreas, são operacionalmente inadministráveis em termos de fiscalização…salvo PREPS, quando funciona! Tem UC marinha (e terrestre, claro) bem pertinho e já sofre com a falta de estrutura, como ficarão essas?
"superimportante"…"top"… "sobrepesa"… "dos plano". Alô, revisor!
Oi Chato de Galocha, passou alguns erros de digitação mesmo, obrigada por apontar, corrigi.
(4) O nível de proteção dos nossos mares é deficiente. Mas há esforços muito mais significativos do litoral e da zona costeira do que do restante. Mesmo o Mar Territorial é mais protegido que a Zona Econômica Exclusiva. Assim, para a representação ecológica, a prioridade deve ser nas áreas oceânicas.
Não podemos esperar termos as condições ideais de capacidade de gestão para procurarmos completar o conjunto, o sistema nacional de unidades de conservação. Devemos avançar com o que é possível nas condições atuais. Mas também temos que, progressivamente, adquirir essas condições, particularmente buscando o maior e melhor engajamento da sociedade (inclusive para que esta apóie, lute, defensa a melhoria de tais condições). Só assim poderemos obter a necessária conservação da natureza e seus benefícios à sociedade, buscando um ciclo positivo com apoio e engajamento desta.
Atenciosamente, cláudio C. Maretti
(3) As recomendações internacionais, particularmente da Comissão Mundial de Áreas Protegidas da UICN, dizem que, mesmo em categorias de áreas protegidas que permitem o uso sustentável dos recursos naturais, esse uso deve ser associado às estratégias de subsistência das comunidades locais. As unidades de conservação não devem ter usos de nível ou caráter industrial — como mineração e pesca industrial. As recomendações também orientam para que essas categorias de áreas protegidas que permitem uso sustentável tenham espaços significativos de não captura (ou não uso extrativo) e não conversão dos ecossistemas (a exemplo do desmatamento). Isso tudo são recomendações, do grupo mais respeitado do mundo no tema de áreas protegidas, mas não de cumprimento obrigatório pelos países.
O Brasil, ainda que predominantemente em ambientes terrestres, tem demostrado liderança de propostas, esforços e resultados associados, por exemplo, a mosaicos de áreas protegidas, conectividade, outros mecanismos espaciais eficazes de conservação, engajamento de populações tradicionais extrativistas, inclusive pescadores artesanais e coletores, mecanismos participativos, como conselhos das unidades de conservação, etc. O ICMBio, com parceiros, tem buscado avaliar de forma sistemática a efetividade das unidades de conservação, com atenção à gestão do sistema, e progressivamente vem implementando o monitoramento da biodiversidade, inclusive de forma participativa. Infelizmente o Brasil, historicamente e em todos os níveis de governo, apresenta níveis inferiores aos desejáveis em termos de pessoal e orçamento.
As áreas de proteção ambiental (APA's) são unidades de conservação de uma categoria importante e complementar às demais no sistema de categorias (Lei do Snuc). É diferente das demais. Não pode se esperar que ela tenha os mesmos objetivos e resultados que outras categorias, como, por exemplo, parque nacional. Mas, dentro dos seus objetivos e limitações, pode resultar em ganhos significativos em temos de conservação da natureza e engajamento da sociedade, desde que seja adequadamente escolhida e, sobretudo, que se dê adequada atenção à sua implementação, inclusive zoneamento, plano de manejo e condições de gestão, com participação, pesquisa, uso sustentável e fiscalização.
(2) A ciência vem demonstrando progressivamente que as unidades de conservação marinhas são eficazes, inclusive para reposição dos estoques pesqueiros, mas dependem da sua implementação, sobretudo em relação às condições de governança (inclusive funcionamento geral da sociedade, na implementação das leis e regras, e engajamento das comunidades locais) e de gestão (destacando volumes de pessoal e orçamento adequados). E isso vale mais que as categorias de gestão das unidades de conservação. Os resultados em termos de reposição de estoques e outros elementos de conservação e recuperação ecológicas são mais efetivos com áreas de não captura — áreas essas mais associadas, entre nós, às unidades de conservação do grupo de proteção integral, mas não exclusivamente.
As diversas opiniões são importantes para a fortaleza da sociedade e fundamentais para adequadas decisões dos poderes públicos, especialmente aquelas baseadas em conhecimento científico. As análises científicas indicam que os estoques pesqueiros, as populações e a distribuição de espécies e os ecossistemas serão afetados pelas mudanças climáticas. O impacto dessas mudanças nas costas é dos mais significativos. Dessa forma, as populações tradicionais que habitam o litoral, a atividade da pesca, a vida nas cidades, entre vários outros elementos, precisam das melhores estratégias possíveis para sua adaptação. As áreas protegidas, por serem o instrumento mais eficaz para conservação da natureza e contribuição para defesa das populações tradicionais (ainda que não suficientes sozinhas), contribuem significativamente para evitar a degradação e a conversão (como no caso do desmatamento) dos ecossistemas e, portanto, também são muito importantes para evitar emissão de carbono (ou de gases do efeito estufa — considerando, por exemplo, que os manguezais têm mais carbono por hectare do que as florestas tropicais úmidas) e para diminuir os impactos quando dos eventos climáticos mais drásticos e da subida do nível dos mares.
(1) As opiniões do autor e dos entrevistados no artigo "A hora do mar: uma conversa crítica sobre os mosaicos de unidades de conservação marinhas”, publicado em O Eco (https://goo.gl/CCiqFD) vão predominantemente na direção correta. E merecem reconhecimento e agradecimentos. Mas necessitam de complementação e ajustes.
Os objetivos e metas, nacionais e internacionais, assumidos pelo Brasil, são relativos à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade e à repartição justa dos seus benefícios (pela CDB), mas também à nossa adaptação, social, econômica e ecológica, às mudanças climáticas e sua mitigação ("UNFCCC") e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS's). A meta mais específica e principal referência é a Meta Aichi 11 (CDB) que fala em porcentagem protegida da área marinha, mas também da representação ecológica, conectividade e integração na paisagem, eficácia de gestão e equidade do sistema de áreas protegidas (unidades de conservação e outros mecanismos espaciais eficazes de conservação).