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O espetáculo das baleias

A presença de baleias francas em Santa Catarina aumenta 7% ao ano graças a esforços de conservação. Mas turistas ainda preferem visitar o estado à procura de neve no inverno.

19 de setembro de 2007 · 17 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Contemplar baleias a não mais de 100 metros de distância, enquanto se bebe uma ótima caipirinha comodamente sentada com amigos ao redor de uma mesa de barraca de praia é um privilégio inesquecível. Mais impressionante ainda é poder decidir, a qualquer hora do dia, algo assim como: o tempo está lindo, porque não vamos ver baleias? E, após 15 a 20 minutos de percurso, realmente ver as baleias que parecem estar nos esperando em uma das várias praias que freqüentam, nesta época do ano, na ilha de Santa Catarina e em outros lugares da costa deste estado.

É realmente um espetáculo formidável ver baleias próximas da arrebentação. Ainda mais para uma pessoa como eu que nunca havia visto baleias na minha longa vida de ambientalista. Isso foi na Ilha de Santa Catarina, na popular praia dos Ingleses. E um gari, ao ver minha alegria e surpresa, ainda tirava sarro comigo ao dizer: “pela manhã nós vimos oito”. Bem, eu só consegui ver três. Dias antes, na praia de Moçambique, e esta sim foi a primeira vez que avistei baleias, vimos uma fêmea e um filhote, que estavam um pouco mais distantes. E pensar que apenas há 25 anos esta espécie do hemisfério sul, a baleia franca (Eubalaena australis), era considerada quase extinta, principalmente devido à intensa perseguição, que sofrera pela caça no século XIX. Felizmente uma população residual foi localizada há 30 anos nas costas da Patagônia. Porém, no litoral brasileiro elas foram capturadas até inícios da década de 1970.

Mas, país que tem conservacionistas do quilate do Almirante Ibsen de Gusmão Câmara e de José Truda Palazzo Jr., apaixonados por baleias e outros mamíferos marinhos, podia contar com as ações que restabeleceram a população da espécie. E assim foi!

Em 1981, foi Ibsen de Gusmão Câmara, eterno oposicionista à caça de baleias, quem começou a investigar, junto a pescadores e freqüentadores das praias da costa de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, a possível presença das baleias francas. Ele organizou uma pequena equipe de voluntários para ajudá-lo nesta pesquisa. Então, já com a certeza que elas estavam freqüentando nossas praias para a reprodução e o acasalamento, ele e o citado José Truda criaram o Projeto Baleia Franca, que é hoje um programa da Coalizão Internacional da Vida Silvestre (IWC), presidido pelo próprio Truda. Mas Truda e equipe conseguiram muito mais. Propuseram em 1999 ao Ministério do Meio Ambiente a criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA) para garantir a proteção da população de baleias que freqüenta esse litoral e, em 14 de setembro do ano 2000, a dita APA foi estabelecida com 156.100 hectares, na costa centro sul do estado de Santa Catarina. O projeto vem ganhando tamanha notoriedade que em 2002 os Correios lançaram um selo comemorativo à criação da APA da Baleia Franca.

Graças ao projeto mencionado e às medidas internacionais promovidas por este e outros atores, as baleias francas estão demonstrando um espetacular aumento populacional de cerca de 7% ao ano. E, claro, estão se tornando comuns nos meses de inverno, nas costas do continente africano, na América do Sul, na Austrália e Nova Zelândia. Assim mesmo esta espécie ainda é considerada a segunda mais ameaçada do planeta.

Muitas vezes nadam ou ficam paradas muito próximas das praias, ocasiões em que pessoas não familiarizadas com seus hábitos julgam-nas encalhadas. Nas costas brasileiras aparecem em maior número em Santa Catarina, mas estão gradativamente migrando para o norte e já têm sido observadas até em Abrolhos, no estado da Bahia. A migração nos meses de inverno é relacionada com a reprodução, amamentação e o acasalamento. No final do ano, voltam aos mares frios do sul, sendo que a população brasileira aparentemente migra para as proximidades da Geórgia do Sul. É freqüente a presença de baleotes no litoral brasileiro. As baleias francas chegam até cerca de 17 metros e perto de 90 toneladas de peso; os baleotes nascem com 4, 5 ou 6 metros. Esta espécie é facilmente identificada pela existência de calosidades claras na sua cabeça, inexistentes em outras baleias, e, também, pelas suas enormes bocas arqueadas.

A presença das baleias no estado de Santa Catarina, ou melhor, no centro-sul do estado tem atraído curiosos, turistas, cientistas e ambientalistas. Assim, muitos municípios já propalam a presença das baleias e muitas empresas já oferecem passeios de barcos, aviões e helicópteros para quem queira vê-las. Pena que isso não ocorra exatamente na própria Ilha de Santa Catarina, em Florianópolis. Poucos, em praias onde elas estão, se interessam em vê-las. Muitos sequer percebem que elas estão perto deles. Parece que a presença das baleias em Florianópolis passa quase despercebida. É uma pena. As autoridades beneficiariam muito o turismo e aos comerciantes se informassem diariamente mediante um boletim via rádio, por exemplo, ou outros meios de comunicação, qual é a localização exata das mesmas e incentivassem a população a apreciar este fato impressionante. Seria bom, ademais, ter-se um pouco mais de informação e educação ambiental para que todos os cuidados fossem observados, com a finalidade de não prejudicar as baleias e seus filhotes. Já existem normas claras de como se proceder, principalmente no que concerne às embarcações que, de nenhuma maneira, podem se aproximar das baleias a uma distância inferior a 100 metros.

Muitos freqüentam o estado de Santa Catarina para ver neve, em geral pela primeira vez na vida. A propaganda da possibilidade de nevadas é bem conspícua. Outros eventos são largamente difundidos em todo Brasil. Este estado é bem privilegiado para o turismo e a recreação, como é do conhecimento geral. Surpreende, portanto que em Florianópolis todos parecem se esquecer quão raro e maravilhoso é se apreciar estes enormes e graciosos mamíferos dando shows de balés e sons. Também deveria ser mais difundido que este resultado surpreendente e gratificante é o produto da posição brasileira contra a caça de baleias, mas, em especial de décadas de esforços para protegê-las dos ambientalistas já mencionados, dentre outros.

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