Pirenópolis é uma pequena cidade histórica distante 150 km de Brasília, que hoje parece um oásis em um deserto completamente destituído de Cerrado, desde quando se sai da capital federal e até lá se aporta. Por isso mesmo é muito procurada nos finais de semana, principalmente por brasilienses que queiram ver um pouco do que resta de natureza; banhar-se em belas cachoeiras; visitar áreas protegidas como a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) de Vagafogo, ou o Parque Estadual da Serra dos Pireneus; ou uma das outras cinco RPPNs que abriga; ou o Monumento Natural Municipal de Cidade das Pedras; ou o Centro Histórico da cidade que é tombado pelo IPHAN; ou, ainda, usufruir do artesanato local e da culinária goiana, onde desponta o pequi. Muitos também, lá possuem residências ou chácaras para feriados e finais de semana. A infra-estrutura turística é muito boa, possuindo hotéis, pousadas e restaurantes para todos os gostos e bolsos.
Há alguns anos era possível sair de Brasília e fazer uma viagem preciosa per se, pois existiam resquícios de cerrado, com belas veredas, alguns capões de matas e se via facilmente pelo menos emas, seriemas, araras, papagaios, ou eventualmente um lobo guará, cachorros do mato, tamanduás, tatus, veados ou até algum felídeo. Atualmente isso só é possível visitando as áreas oficialmente protegidas, já no município de Pirenópolis. Todo o resto foi ocupado por cidades ou favelas, que cresceram anarquicamente, como Águas Lindas; pela pecuária e pela agricultura, onde queimam tudo anualmente, ou até três vezes ao ano. Foi uma destruição em massa ocorrida em pouco mais de uma década. Quando se chega a Pirenópolis, principalmente na época da seca, a sensação nítida é que se está em um pequeno paraíso.
Agora vem o turbilhão quase terrorista da imprensa sobre a pretensa periculosidade de se visitar ou fazer turismo naquela bucólica cidade histórica. Pretensa porque todas as autoridades envolvidas têm esclarecido que não se trata de uma epidemia. Claro que o fantasma da febre amarela assusta, e muito, mas no caso específico dessa doença, tem vacina e é só se vacinar para evitar uma remota possibilidade de contaminação. É impressionante o exacerbado medo que algumas notícias demagógicas imprimiram nos possíveis visitantes de Pirenópolis, a ponto de as pousadas e hotéis terem esvaziado rapidamente, em plena alta temporada.
Pior, ainda, e muito pior, são aqueles amadores, que por serem os macacos os repositórios do vírus dessa triste doença, julgam que sua eliminação acabaria com o fantasma da doença. A tal ponto a histeria predomina que um artista local teve de tirar um quadro representando macacos de sua exposição, em uma galeria da cidade, ante as ameaças de destruí-lo de um visitante. Parece ridículo, mas é grave, em um momento que todos nós queremos que nossos compatriotas aprendam a amar e respeitar a fauna silvestre.
Respeitar é o termo correto, pois respeitar e amar a fauna autóctone, não quer dizer, em absoluto, que se deva tocá-la, alimentá-la, ou com ela conviver. O que ocorre, a exemplo do que já aconteceu nos arredores de Pirenópolis e também de Brasília, é que restam poucas áreas de mata ou protegidas e, assim sendo, os animais silvestres começam a freqüentar jardins de residências particulares, quintais que tenham alguma vegetação ou alimento disponível, no seu desespero de sobreviver. Não é para nada ideal essa situação que, às vezes, condena grupos de animais ao isolamento em meio de cidades. Mas é nossa culpa por deixarmos que destruam tudo, que animais silvestres e até mesmo onças têm aparecido em jardins de Brasília, ou em rodovias federais (meu filho e família viram um puma, atravessando a rodovia em Cristalina-GO), ou em meio a grandes cidades.
Muitas espécies domésticas, ou silvestres, são repositórios de doenças que atingem os humanos. Talvez as mais conhecidas sejam a brucelose e a aftosa, que dão no gado e também na nossa espécie, a leishmaniose que atinge nossos cães e nós mesmos, a hantavirose dos ratos silvestres, a leptospirose dos ratos domésticos, a gripe aviária dos frangos e assim por diante.
É bom saber que abater animais silvestres com doenças transmissíveis a humanos, mesmo que fosse factível o que absolutamente não é o caso considerando a legislação vigente, não resolveria problema algum, principalmente daquelas doenças que são transmitidas por insetos.
Prejudicar-se tanto uma cidade que, felizmente, ainda tem algo protegido e sua população, que encontra no turismo sua segunda fonte de renda, é muito ruim; principalmente, porque, como já foi dito, não há nenhuma epidemia. Foram casos isolados e não por isso menos importantes, mas resta às autoridades, principalmente às locais e aos técnicos e cientistas, esclarecerem bem a população, pois o que é necessário é que todos os brasileiros sejam vacinados contra a febre amarela e, assim mesmo, aqueles estrangeiros que nos visitam e …… ponto final! A febre amarela está na grande maioria dos estados do país. Portanto apresentar nas notícias que a solução é evitar-se de ir a uma pequena cidade e que esse fato resolveria o problema, está a anos luz da verdade e, mais ainda, é uma grave injustiça contra ela.
Pior, se possível, é a solução insinuada por alguns e que sempre agrada muito aos maus empresários da agropecuária e aos especuladores da terra, sugerindo o extermínio dos macacos vetores e, de passagem, também, as matas que os albergam. Com isso querem fazer-nos acreditar que a contaminação ambiental por agroquímicos, a erosão dos solos e a destruição dos cursos de água matam menos que a febre amarela. E, assim, sem querer querendo, eles ganhariam mais espaço para produzir os biocombustíveis que “salvarão a humanidade”.
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