Análises

Aix-en-Provence e os Recursos Escassos

Economistas, políticos e empresários se reuniram na França para debater o uso dos recursos raros do planeta. Incluindo, a exploração das florestas tropicais.

Roberto S. Waack ·
28 de julho de 2006 · 18 anos atrás

          …les impressionistes,
          …les herbes,
          …la lumiére,
          …les économistes…!!!

Anualmente realiza-se nesta cidade do sul da França a reunião anual do Círculo dos Economistas da França. Cada ano, um tema. Neste, “Um mundo de recursos raros”. Uma forma interessantíssima de tratar como a humanidade está gerenciando ativos como água, florestas, ar limpo…recursos raros!

Dentre alguns dos participantes, a Ministra de “Foreign Affairs” da França assistiu atentamente a todas as 60 palestras nos 3 dias do evento. No meio dos mais de 500 espremidos ouvintes, espalhados em salas com videocomunicação on line, a elegante senhora Christine Lagarde tomava notas em uma pequena caderneta. Sem pompa nem circunstancia, focada no conteúdo do que ouvia, interagindo livremente com seus companheiros de jornada.

Com uma dinâmica muito própria, jornalistas animavam debates entre alguns dos nomes mais proeminentes do planeta. O Presidente do Banco Central Europeu, os diretores gerais da OMC, UNCTAD, OPEC e OECD, vários ministros e ex-ministros de finanças, o Economista Chefe do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento, do Banco de Desenvolvimento Africano, eminentes professores da Academia de Ciência Francesa, das universidades de John Hopkins, Bocconi, Tohoku, Rome, Stanford, Méditérannée, Berkeley, Paris, Aix-Marseille, da Escola de Estudos Políticos de Paris, da Biblioteca de Alexandria, para citar alguns exemplos. Cada palestrante deveria expor suas idéias em 5 a 7 minutos, todos pressionados pelo tempo. A busca da essência pairava no ar o tempo todo. Estressemos um pouco mais a lista de participantes: o tema dos recursos raros, a questão ambiental mobilizou os CEOs de empresas como SAP, Bunge, France Telecom, La Poste, Suez, Pernod Ricard, LaSer, de bancos como Deutsche Bank, ING Group, Edmond de Rotschild, Banque de France, e editores chefes do Financial Times, Le Monde, La Tribune e vários outros. A lista se estende para ONGs, empresas de consultoria, agências de desenvolvimento, institutos de pesquisa e gestores de fundos de investimento. As salas permaneceram lotadas o tempo todo, com público ativo, perguntando, propondo idéias e reagindo com aplausos em momentos especialmente quentes.

O evento simpaticamente mobilizou a cidade que começa a ferver no verão. Todos os participantes receberam um lenço que deveriam portar como desejassem, à vista dos organizadores. As apresentações ocuparam três tardes e três manhãs, inteiras e intensas. Nos intervalos, refeições oferecidas por grandes grupos empresariais (principalmente bancos) em jardins inimagináveis como La Roseraie, Pavilion Vendôme, Mansions Olivary, escondidos atrás de velhos muros ocres no centro da velha cidade. A luz refletia impressionismo, o vinho realçava as ervas da Province. Após os jantares, ativa participação no Festival de Música de Aix en Province oficialmente apoiado pelo Círculo dos Economistas! Pois é, esta era a receita francesa de unir arte e academia, estimular a intelectualidade, o mundo empresarial e financeiro a, acima de tudo, pensar. Eis um recurso cada vez mais raro…

Florestas tropicais são um recurso raro?

Abordei o tema da floresta tropical como um recurso raro e conseqüentemente de alto valor. No entanto, seria a floresta tropical realmente um recurso raro? Para quem? Para as comunidades e população da Amazônia, raro é a terra livre para plantar. Para o mundo, raras são as áreas florestadas que oferecem serviços ambientais como clima, retenção de carbono, biodiversidade, proteção de mananciais de água doce e paisagem. É evidente que o conceito de raridade ambiental, de escassez, é relativo. E esta relatividade traz conflitos em vários campos.

Na questão institucional, as regras do jogo para a população local não são as mesmas para quem vive fora da floresta. No âmbito local, “limpar” a floresta é culturalmente correto, realizado há muito tempo e não é a causa principal do desmatamento. Esta “porta de entrada”, no entanto, representa um ponto frágil para o aumento de escala do deflorestamento uma vez que a terra continua sendo um bem escasso para a pecuária e agricultura. Há um evidente conflito com as regras do jogo da preservação ambiental. A floresta, como bem escasso global, passa a ser protegida nos âmbitos nacionais e internacionais. Um conjunto de leis cada vez mais complexo não é suficientemente forte e completo para garantir a proteção da floresta. A corrupção e a oligarquia local são forças contrárias à implementação das leis de proteção ambiental. A estruturação de uma forte rede de madeireiros ilegais, muitas vezes associados ao poder político regional impede a aplicação da lei. O ambiente institucional não é suficientemente forte para aplicar a lei. Por quê? Não se trata apenas de uma questão de “law enforcement”. Há outros componentes.

O direito de propriedade da terra é extremamente frágil e confuso. Há discussões entre os estados e a federação. Multiplicam-se órgãos e opiniões, misturados a questões ideológicas sobre o direito de uso e posse da terra.

Outro conflito: valor e preço. Se o recurso é raro, deve ter valor e preço. Sim, a terra livre tem um bom preço. Muda a vida da população, oferece alternativas de renda. É demandada por atividades agroindustriais de grande escala. A floresta em pé não tem um bom preço. Não vale nada, ao contrário, representa muitas vezes um custo alto para ser mantida.

A madeira tropical oriunda da informalidade tem preço muito baixo. O mercado aceita comprar esta madeira, agindo hipocritamente, pois não concorda com a devastação florestal. Neste campo, iniciativas como rastreabilidade e certificação podem ser uma solução importante para valorização da madeira e de sistemas de manejo sustentável. Medidas contra a compra de madeira ilegal por países, estados e municípios podem ser de grande valia para coibir a ilegalidade.

Atividades econômicas como manejo florestal sustentável geram valor para a floresta em pé. Infelizmente, parece ser a única fonte atual realmente importante de recursos. As matérias-primas não madeireiras são compradas por preços e volumes irrisórios, por enquanto não passando de sonhos de uma possível valorização da tão debatida biodiversidade. Fala-se muito dos serviços ambientais relacionados à mudança climática, à emissão de créditos de carbono, à preservação de mananciais, à manutenção da paisagem. O preço da floresta em pé, ou de manejo sustentável tem que equivaler ao da terra livre de floresta. As duas raridades devem se equilibrar. O mundo deseja isto, mas está disposto a pagar? Para tanto, o papel da inovação no desenvolvimento de produtos e serviços ambientais com valores mais tangíveis é crucial. Quem está investindo?

Mais um conflito: o tempo. O corte raso das florestas gera renda em curtíssimo prazo. A falta de vínculo do madeireiro predatório com a propriedade da terra e com a formalidade econômica faz com que o resultado da sua atividade tenha que ser auferido em curto prazo. Seus investimentos industriais são precários, as serrarias de pouco conteúdo tecnológico, a agregação de valor muito baixa. Do outro lado da dimensão temporal está o manejo florestal sustentável e os investimentos em novação de produtos e serviços ambientais. Todos de longo prazo.

Como equilibrar essas forças? Floresta sem valor e longo prazo contra o corte raso com valorização da terra. Um ambiente institucional fraco para as leis ambientais e propriedade da terra. Baixa qualidade e quantidade da inovação de produtos e serviços ambientais. Há campo para otimismo?

Por um lado sou tentado a crer que sim. A sociedade civil se organiza e o tema passa a ser foco dos principais fóruns mundiais. Aix-en-Province é um exemplo. Novos paradigmas surgirão. Uma das anedotas em Aix tratava do terrível problema ambiental de Londres no final do século IXX: dejetos dos cavalos infestavam a cidade. Não havia solução possível e o horizonte era pouco promissor para a cidade.

Na programação do Círculo dos Economistas de Aix-en-Province duas magníficas óperas. Uma alegre e descontraída, “A Italiana na Algéria”, do Rossini. E uma pesada e cinzenta “Flauta Mágica”, com direito a uma terrível performance da Rainha da Noite. Não havia como deixar de relacionar a simples vida mundana do Papageno com seus desejos humanos imediatos de comer e namorar em contraposição aos nobres objetivos do Tamino e do desafiador Sarastro. Haverá visão de mundo e sapiência humana capaz de ir além da busca imediata por uma Papagena? Os conflitos institucionais, de valor e tempo relativos à questão ambiental dependem desta resposta. Talvez nosso planeta também. Do contrário Londres terminará por ter sua sina confirmada de uma outra forma.

  • Roberto S. Waack

    Roberto S. Waack é sócio-diretor da AMATA S.A. Participou do evento como representante da Orsa Florestal, detentora de um dos...

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