Análises

Um ambientalista no século XXI: por favor, não defendam a natureza!

O melhor argumento para se defender a preservação da natureza não é a ameaça que o homem representa para ela, mas o risco que o seu desequilibrio representa para a humanidade.

Dener Giovanini ·
3 de abril de 2007 · 19 anos atrás

Durante uma palestra no ano passado, na cidade mineira de Uberlândia, fiz uma provocação à platéia: disse em alto e bom som que quem realmente se preocupa com a natureza deveria parar de tentar defendê-la. É claro que não dei chance para o auditório se manifestar. As reações seriam bem previsíveis, pois eu estava ali a convite da OPA – Organização de Proteção Ambiental, uma entidade reconhecida por sua forte atuação na defesa ambiental. E a dita platéia, cerca de 150 pessoas, era em sua grande maioria, formada por ativistas da instituição. Assim que comecei a perceber que, subitamente, os assentos das cadeiras começaram a incomodar as pessoas, entendi que quem iria precisar de proteção naquele momento era eu. Socorri-me chamando à frente o presidente da organização, Juscelino Martins que, além de ser um dos mais respeitados empresários desse país, é uma daquelas pessoas que impõe a sua presença através das suas credenciais como ambientalista de visão arrojada e sensata. Com ele ao meu lado, senti-me mais seguro para explicar aquela frase espinhosa que eu tinha acabado de jogar sobre a platéia.

A razão que temos para não defender a natureza é muito simples. Não podemos defender quem é mais forte que nós! E citei, naquele momento, um exemplo prático: quem ali se sentira à vontade para aceitar o cargo de segurança do Michel Tyson? Como você pode querer defender alguém ou algo que é muito mais forte que você?

Eis ai a chave que talvez abra a porta de um novo mundo. Uma nova compreensão do que de fato somos e do que representamos na complexa engrenagem da vida sobre esse planeta.

A nossa essência humana é dominadora. Em nossa história evolutiva sempre buscamos dominar povos e culturas. De uma forma ou de outra, em nossas relações pessoais ou nas relações entre as nações, invariavelmente buscamos impor a nossa individualidade e, principalmente, a nossa mentalidade de conquistador, de senhores da razão.

E assim sempre foi a nossa relação com a natureza. O ser humano sempre enxergou a natureza como uma coisa menor que ele. Mais fraca. Menos importante. O meio ambiente sempre foi um desafio a ser vencido. Conquistado. Repetimos com a Mata Atlântica a relação que os nossos colonizadores mantiveram com os índios que aqui encontraram. Num primeiro momento tentou-se torná-los úteis aos anseios conquistadores. Subjugá-los a força era a meta. Como a prática mostrou-se complicada, passou-se ao plano B: eliminá-los. Da floresta inicialmente também se buscou torná-la útil, extraindo o que fosse possível. Como da carcaça que dela sobrou também nada mais se aproveitava, o passo seguinte também foi eliminá-la.

E assim continuamos soberanos em nossa missão de dominar o mundo. De impor a nossa presença. De reinar sobre tudo e sobre todos.

Na história recente do mundo multiplicaram-se os defensores do meio ambiente. Surgimos – e aqui me coloco entre eles – como surgem os irmãos mais velhos quando entram numa briga para defender seu irmãozinho ameaçado. Ficam lá, de um lado o ameaçador, de outro o defensor, e no meio a natureza. Mesmo inconscientes, nós ambientalistas, estamos reproduzindo o padrão comportamental que deveríamos combater. Nós também enxergamos o meio ambiente como algo fraquinho e frágil, que precisa da nossa “ajuda” para sobreviver. Não compreendemos ou não enxergamos que a nossa própria atitude, gestos e atos apenas reforçam a idéia de que somos supremos em nossa existência sobre a terra. Amplificamos com as nossas palavras o conceito de dominação ancestral do homem sobre a natureza.

O momento atual nos exige uma reflexão profunda. Um mea culpa.

Está na hora de mudar o discurso de irmão mais velho. Vamos entrar na briga sim, mas para dizer: olha, se você se meter com o meu “irmãozinho” você vai se dar muito mal, pois ele é violento, perigoso, tem três metros de altura e está armado até os dentes. Enfim, mudar a nossa postura de supremacia diante da natureza e adotar um comportamento inteligente. Entender de vez que a natureza não precisa da nossa defesa. Reconhecer com humildade a sua força e poder. Colocar-nos em nosso devido lugar. Compreender que o fraco nessa história somos nós, humanos.

Comprar uma briga com a natureza é de uma extrema burrice. Achar que a controlamos ou que a dominamos é talvez um dos maiores erros que a humanidade já cometeu. Seremos varridos da face da terra com a mesma facilidade que limpamos a sujeira que nos incomoda em nossa casa: com água, com vento ou com calor. No fundo devemos apenas compreender que essa briga já está ganha. E não por nós.

Um dia conseguimos superar a nossa “guerra fria”. Agora é a vez da “guerra quente”. Só que os protagonistas não são apenas dois países disputando entre si quem tem mais poder de fogo. A peleja agora é outra. Somos nós contra o planeta. É uma espécie contra milhões. É a luta de quem produz fumaça contra quem detém vulcões.

A partir de hoje eu não quero e não vou mais defender o meio ambiente. Vou apenas temê-lo e por isso, respeitá-lo. Vou tentar entender o que a natureza está dizendo e buscar difundir suas palavras que, se pudessem ser materializadas, soariam mais ou menos assim:

RESPEITE-ME. POR QUE RESPEITO É BOM E EU GOSTO!

Leia também

Notícias
19 de dezembro de 2025

STF derruba Marco Temporal, mas abre nova disputa sobre o futuro das Terras Indígenas

Análise mostra que, apesar da maioria contra a tese, votos introduzem condicionantes que preocupam povos indígenas e especialistas

Análises
19 de dezembro de 2025

Setor madeireiro do Amazonas cresce à sombra do desmatamento ilegal 

Falhas na fiscalização, ausência de governança e brechas abrem caminho para que madeira de desmate entre na cadeia de produção

Reportagens
19 de dezembro de 2025

Um novo sapinho aquece debates para criação de parque nacional

Nomeado com referência ao presidente Lula, o anfíbio é a 45ª espécie de um gênero exclusivo da Mata Atlântica brasileira

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.