Análises

Embargo às cavernas em São Paulo

Pesquisadores ‘comemoram’ o fechamento pelo Ibama das cavernas nos parques do Vale do Ribeira, em SP. A medida jogou luz sobre falta de compromisso do governo estadual.

Andréa Rabinovici · Zysman Neiman ·
28 de fevereiro de 2008 · 17 anos atrás

A comunidade do Alto Ribeira, pela qual temos o maior apreço, que nos desculpe, mas, diante dos fatos, só temos a comemorar o recente embargo pelo Ibama da visitação turística de suas belas cavernas, as quais visitamos mais de 100 vezes, nos últimos 17 anos, levando e trazendo muitas pessoas e experiências. A comemoração, no entanto, é amarga e é parte de uma das frustrantes tentativas de apoiar, dentro de nossas possibilidades pessoais e institucionais, a região.

Hoje, sob os cuidados da Fundação Florestal (FF), mas há pouco tempo nas mãos do Instituto Florestal (IF), ambos da Secretaria Estadual do Meio Ambiente de SP (SMA), as cavernas encontram-se dentro de Parques Estaduais para os quais, desde que se regularizou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) (2000), há obrigatoriedade de um Plano de Manejo. Por que então, a surpresa declarada pela SMA com o embargo? Todos sabem!

Em 2003 iniciamos a criação de um Projeto de implementação da 1ª fase do Plano de Manejo do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR) com a formação de um Grupo Interinstitucional de Apoio, secretariado pelo Instituto Physis – Cultura & Ambiente (Physis), em cooperação com o WWF-Brasil. Não passou da primeira fase, como explicamos a seguir.

Diante das restrições de uso do entorno do PETAR, e também motivados por alguns acidentes fatais ocorridos em 2003, uma equipe da Physis, procurou o IF para manifestar o desejo de contribuir com a Elaboração do Plano de Manejo do Parque. Após reuniões com a presença do Diretor de Reservas e Parques Estaduais (DRPE), foi sugerido que, para garantir a lisura do processo e democratizar a participação, fosse organizado um Grupo de Apoio a Elaboração do Plano de Manejo. Aceito o desafio, diagnosticadas as instituições e atores, houve uma primeira reunião, em novembro. Nesta, que contou com a presença de 22 pessoas representando 12 instituições, decidiu-se iniciar o processo de formação de um grupo voluntário que preparasse os subsídios a serem utilizados pelo IF na redação do Plano.

O representante do IF, ressaltou que aceitaria contribuições de um grupo que fosse representativo dos diversos interesses e que sua equipe centralizaria as informações e elaboraria o texto final. Todos acordaram sobre a necessidade urgente do Plano e de ações emergenciais. Várias medidas práticas, foram tomadas: mais reuniões para depurar o grupo, produção de documento colocando-se à disposição para este trabalho, definição da participação e contrapartidas do IF. Tal documento, encaminhado ainda em 2003, até o hoje, não foi respondido.

Na época já se considerava a necessidade formal de um Plano de Manejo, exigido pela legislação, mas, principalmente, os argumentos pautavam-se na situação preocupante em que se encontrava (e ainda se encontra), o PETAR e suas cavernas. Grande parte dos problemas devia-se à ausência de Plano de Manejo e ao reduzido número de funcionários. Naquele momento, todos estavam mobilizados com a ocorrência dos acidentes fatais, ao aumento gradativo de demandas de público visitante, ao recebimento de diversas solicitações externas, que implicavam em novos tipos de usos dos atrativos e a necessidade de capacitar os monitores locais. Com o Plano passaria a ser possível a captação de recursos que solucionariam alguns problemas.

Considerou-se também que a região, extremamente pesquisada, possuía material científico de alta qualidade, em todas as áreas de conhecimento, já organizado e que poderia ser utilizado como fonte secundária para a elaboração do Plano. Além disso, foi ressaltada a necessidade da formatação de parcerias e demais articulações o processo ser realmente participativo, envolvendo todos os interessados na busca da criação de pactos que minimizassem os conflitos e a temporalidade, já que o Plano poderia ser revisto e melhorado após cinco anos de sua publicação, além de ser aprimorado constantemente.

Ao IF foi solicitado: 1) estabelecimento de um Termo de Compromisso com os integrantes do Grupo de Apoio delimitando suas ações e as atribuições do órgão responsável pelo Parque; 2) a formalização do Grupo, com o reconhecimento das suas atividades; 3) apoio institucional e supervisão dos trabalhos do grupo; 4) contratação de pessoas para conduzir o processo dentro da DRPE para apoio. Foi oferecido, como contrapartida, a contratação de um Secretário Executivo para o Grupo com funções de operacionalizar os encontros, materiais, textos, redação e demais suportes necessários à condução dos trabalhos. Além disso, colaboraria com a captação de recursos para apoiar a elaboração do Plano e com o trabalho voluntário de pesquisas e realização de oficinas de planejamento participativo.

Os passos seguintes incluíam a definição da mobilização e participação de cada interessado, a proposição de algumas ações emergenciais, com medidas corretivas e preventivas e a reativação do processo de Agenda 21 da região, articulado com ações do Plano de Manejo, Planos Diretores entre outros.

O Grupo reafirmou o compromisso de trabalhar para formar e criar um sistema de gestão participativo, emergencial, com base científica e de apoio com respaldo institucional e político. Comprometeu-se, também, em respeitar as Diretrizes do IF para a elaboração de Planos de Manejo, as Deliberações do Conselho Consultivo do PETAR e o SNUC. Realizou-se, então, uma 1ª Oficina de Formação do Grupo de Apoio à Elaboração do Plano de Manejo, que contou com recursos financeiros do WWF-Br e apoio operacional da Physis, que reuniu 32 pessoas representando diversas instituições.

Nesta oficina, buscou-se ampliar a representatividade do Grupo, bem como discutir as bases legais de sua formação e reconhecimento perante o Conselho Consultivo do PETAR e do IF. Foi realizado um esforço para atualizar o levantamento bibliográfico a partir de um documento anteriormente produzido em 1999 (primeira tentativa de elaboração do Plano de Manejo). Verificou-se lacunas existentes e encaminhou-se acordos e termos de compromisso para a continuidade do grupo e de articulações e parcerias necessárias.

O Diretor do DRPE abriu os trabalhos mencionando a necessidade e a urgência em se produzir e aprovar o Plano. Essa urgência foi justificada devido à possibilidade de se angariar recursos para o Manejo do Parque que vinha sofrendo com diversos problemas decorrentes de falta de estrutura de apoio à visitação e à pesquisa. Também informou que a falta de funcionários em sua Diretoria e a urgência em se atender outras demandas fez com que não houvesse previsão e estrutura para a elaboração deste Plano. Argumentou que aceitava e necessitava da ajuda deste grupo, com a condição de que o mesmo fosse representativo das instituições atuantes na região, formado por pesquisadores de renome, aberto a participações, voluntário e com reconhecimento e aval do Conselho Gestor do PETAR.

Os participantes, ao longo de dois dias inteiros de discussão, conheceram documentos anteriores e o estado da arte sobre as pesquisas na região. Foram também apresentados às metodologias e regras sobre elaboração de Planos de Manejo do Ibama e do IF. A equipe foi dividida em Grupos de Trabalho, para conhecer, estudar, e verificar as lacunas dos documentos existentes, previamente selecionados. Também, a partir de ferramentas de oficinas participativas, foram priorizados os temas, a agenda e os interesses dos presentes.

Não foi fácil. Houve dificuldades em todas as etapas do processo, desde a lista de convidados, que tentou ser a mais abrangente e representativa, até a morosidade do IF, de quem se esperava a operacionalização dos convites e das estruturas físicas para as reuniões. Conciliar datas e conseguir adesões foram as etapas mais complicadas. O IF não pôde, apesar de presente na maioria das reuniões, dar respostas concretas às demandas do grupo, em especial ao seu reconhecimento formal, que estava sendo aguardado pelos participantes, como crucial para a continuidade dos trabalhos. Trabalhar voluntariamente, sem saber se os resultados poderão ser utilizados e reconhecidos foi acordado pelo Grupo como algo inviável.

Apesar das dificuldades muitos objetivos foram atingidos, dentre eles destacamos: 1) a instituição da lista dos especialistas que fariam parte da equipe técnica do Plano; 2) o anúncio público do interesse do IF em firmar termo de parceria formal com o Grupo, com a condição de que houvesse apoio formal do Conselho Consultivo do PETAR, que se reuniria poucos dias depois; 3) acordo de que seriam realizados novos encontros ampliando a participação do Grupo, nomeados os que deveriam ser convidados novamente por sua atuação social, política e/ou científica na região; 4) eleito representante que participaria da reunião com o Conselho Consultivo do Parque, para anunciar formalmente a parceria com o IF, a formação do GT Plano de Manejo e a obtenção de contribuições e parcerias para o desenvolvimento do Plano e sua agenda de elaboração até 2004; 5) assinatura de Termos de Parceria entre os presentes com o tipo de participação possível, formalizando assim os compromissos anunciados. Vale lembrar que o Parque e o Conselho tinham membros presentes em todas as reuniões desde o início e, em reunião anterior foi solicitada a inclusão na pauta para aviso e convite formal para os trabalhos. A reunião teve como produtos também um Diagnóstico Bibliográfico e o levantamento de instituições com atuação no PETAR.

Parecia fácil… quem poderia esperar que, em 2008, as Cavernas deste e de outros Parques Estaduais fossem fechadas para a visitação? E, principalmente, por absoluta morosidade da Secretaria do Meio Ambiente?

Na apresentação formal do trabalho do Grupo ao Conselho Consultivo do PETAR, ocorrida em janeiro de 2004 em Iporanga, o digníssimo corpo de conselheiros, após intenso debate, achou por bem fazer ampla consulta às bases que representam e, desta forma, a reunião acabou sem que houvesse definição sobre o tema. Foi, então, marcada uma reunião extraordinária, que ocorreu um mês depois. Nela foi decidido que o Conselho Consultivo reconhecia a importância da iniciativa e apoiaria a formatação do Plano de Manejo do PETAR, sugerindo que o Grupo de Apoio seja reestruturado como um Grupo de Trabalho do próprio Conselho, aberto a todos os interessados no assunto. Essa resolução foi transmitida para todos os membros do Grupo de Apoio que definiriam o formato da continuidade dos trabalhos mediante tal decisão do Conselho. E aí, tudo parou…

Onde falhamos? Não se pode dizer que tudo foi um fracasso… Dialogamos, buscamos a participação do maior número de interessados, cumprimos a programação definida, estabelecemos acordos, articulações e parcerias, tomamos decisões consensuais no meio de atores e instituições muito diferentes entre si, mas com a preocupação comum com uma região na qual todos, de alguma forma atuam… Foi provada a possibilidade da formação de um grupo bastante representativo de atores e instituições com capacidade para contribuir. Dialogar permitiu que o próprio grupo vislumbrasse as diversas alternativas de associação possíveis, num formato que poderia ser democraticamente aceito por consenso dos presentes e que atendesse às condições colocadas pelo IF.

Os encaminhamentos, simples, dependiam do IF se manifestar formalmente… Ele que em princípio, deveria ser o maior apoiador da iniciativa, afinal, não é todo dia que se tem tamanho apoio para uma tarefa de tal envergadura, voluntariamente. Todos nós sabemos quanto trabalho dá e quanto custa e elaboração de um Plano de Manejo….

Foram impressos, distribuídos e repassados às redes e listas temáticas, algumas especialmente criadas, conforme atores e instituições diagnosticadas (presentes ou não nas atividades) 60 apostilas contendo os materiais organizados: levantamento bibliográfico dividido por temas, indicação de lacunas a serem preenchidas, listagem de atores que poderão contribuir para preencher vazios e também uma listagem de ações emergenciais.

Foi elaborada uma agenda com atividades em andamento, além de propostas de continuidade para a implementação do Plano com as seguintes tarefas: 1) divulgar as ações iniciais e os documentos formados pelo Grupo de Apoio; 2) conseguir junto ao IF a formalização da parceria; 3) criar uma identidade própria para este grupo, independente das instituições envolvidas (logotipo, regulamento etc.); 4) convidar mais pessoas e Instituições a participar, de acordo com as necessidades apresentadas, formando subgrupos de trabalho de acordo com o tema; 5) redigir os materiais conseguidos no formato exigido pelo IF e ir encaminhando ao mesmo para a análise até completar a redação do texto; 6) apoiar o IF junto ao CONSEMA para a aprovação do Plano de Manejo (por instituições do Grupo membros do coletivo de entidades do CONSEMA).

Havia a intenção de encerrar os trabalhos em 2004…

Não desconhecemos os conflitos de interesse e dificuldades dentro do próprio Grupo presente. Tivemos muitas objeções, principalmente de membros da comunidade científica da USP, que ressaltavam a necessidade da qualidade científica que deveria conter o Plano de Manejo, a qual eles poderiam respaldar, mas que não se comprometiam a fazê-lo voluntariamente. Sabe-se o quanto ganham para isso, e os pesquisadores envolvidos demonstraram querer receber pela tarefa. Isso em nada desmerece seus trabalhos, mas não deveria implicar em boicote aos que se predispunham a fazê-lo. Para eles, a gratuidade e o voluntarismo soavam como atestados de “baixa capacitação”, preconceito bastante comum para quem trabalha, voluntariamente, em ONGs. O IF em nenhum momento “comprou” a batalha… A cada momento colocava obstáculos, demorava, não encaminhava as demandas… Em 2007, desmobilizou-a por completo ao abrir termos de Referência para pagar pela formatação do Plano de Manejo.

Sentimos muito pelas comunidades da região, que na maioria, tem no ciclo do Ecoturismo, a sua sobrevivência, já bastante complicada com sazonalidades, chuvas torrenciais, acesso precário, e políticas públicas desconexas. Sentimos pelos turistas que costumam sair dali transformados pelas experiências de contato com locais de beleza cênica inigualável e com uma comunidade que ainda pratica a confiança nas pessoas (nas instituições cada vez menos), além de outros valores que deveríamos conhecer, antes que embarguem a própria comunidade, ou eles deixem de existir….

Mesmo assim, comemoramos esta atitude corajosa do IBAMA, que, cá entre nós, já chega atrasada. Quem sabe agora, as cavernas só sejam reabertas após a plena execução das tarefas necessárias à elaboração do Plano de Manejo, condição sine qua non para a sustentabilidade de qualquer atividade. Já a mobilização, tão arduamente conquistada, não sabemos se ainda será possível… Torcemos para que sim.

  • Andréa Rabinovici

    Andréa Rabinovici é professora da Universidade Federal de São Carlos, membro da equipe do Instituto Physis – Cultura & Am...

  • Zysman Neiman

    Zysman Neiman é professor da Universidade Federal de São Carlos, membro da equipe do Instituto Physis – Cultura & Ambient...

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