Análises

Os índios, sempre os índios

Se queremos construir um futuro comum para a humanidade nesse planeta, é hora de parar com o besteirol de "comunidades nativas" e tratar de gestão ambiental seriamente.

José Truda Palazzo, Jr. ·
14 de abril de 2008 · 17 anos atrás

Primeiro eles eram a Utopia encarnada. As comunidades indígenas, comunidades tradicionais, enfim quaisquer grupos humanos tecnologicamente simples, de baixa demanda energética ou simplesmente pobres que moram em lugares remotos foram decretados pelos gringos mais imbecis do planeta – teóricos, acadêmicos e burocratas de governos e mega-ONGs chupa-grana – como detentores do saber mais avançado sobre gestão ambiental. Integrados à Natureza, sábios da floresta, vivendo em harmonia, todos os clichês de Rousseau sobre o bom selvagem que se imaginava na Europa pós-medieval renasceram de imediato, alimentados entusiasticamente pelos governos incompetentes e corruptos dos países do sul, incapazes de lidar com qualquer coisa que se assemelhe a uma gestão ambiental esclarecida e comandados por políticos doidos por desvios demagógicos dos assuntos difíceis e necessários, como a criação de áreas protegidas nos últimos resquícios de Natureza ainda não escangalhados por pobres, ricos, brancos, índios, negros, amarelos, roxos, todos.

De nada adianta que provas se acumulem sobre a nulidade das asserções sobre a “harmonia” das populações nativas com os ambientes que ocupam. Da hecatombe causada pelos polinésios nas ilhas do Pacífico à derrocada das civilizações mesoamericanas, todas produto de má gestão ambiental – não a culpar os seus autores, que nada mais faziam do que ser ignorantes de pleno do resultado de suas ações nefandas, mas sim a reconhecer de forma irrefutável que todos os humanos têm impactos ambientais a serem reconhecidos e manejados. Hoje em dia, a aliança perversa de governos corruptos, burocratas safados e “esquerdas” irresponsáveis tornou o mantra das “comunidades tradicionais ” um verdadeiro tabu stanilista, proibido de se discutir, se questionar e se confrontar com fatos. O menos que se pode esperar de levantar esse assunto é ser chamado de fascista. O mais, que se ostracize o herege que o fizer, queimando-o (nem sempre retoricamente) em praça pública.

Agora, além de arautos da Utopia do Passado a impedirem, questionarem ou retardarem a proteção das últimas áreas naturais passíveis de proteção, ou de simplesmente tomarem de assalto as poucas existentes como o Parque Nacional do Monte Pascoal ou os parques estaduais e municipais do Rio Grande do Sul, os Excluídos Benignos passam a reivindicar também o direito de impedirem a defesa do futuro. Não é a outra a leitura que se pode fazer da criminosa bandalheira que os auto-eleitos líderes (?) de “povos tradicionais” e seus arautos – surprise, surprise, os burocratas e ONGs do Rico Norte em nome de seus lacaios daqui de baixo – estão promovendo nas conferências e discussões ora em curso sobre medidas para conter a mudança climática acelerada. “Proteger florestas nos prejudica”, gritam os pobres excluídos. “Biocombustíveis nos deslocam”, sapateiam outros. “Hidrelétrica é sempre ruim”, disparam outros entre irados perdigotos. No fim do dia, o que todo mundo quer tá na cara: dinheiro e poder político. Dane-se o planeta, danem-se as florestas, dane-se a biodiversidade, todas coisas dispensáveis, o importante é tirar foto com qualquer um de pele não-branca com uns matos ou praia atrás para por em folhetinho bi- ou trilingüe.

Está mais do que na hora de se questionar esse estado de coisas. As comunidades tradicionais e pessoas de diversas cores não são melhores nem piores que outras diferentes delas quando se trata de gestão ambiental. Seres humanos têm impactos no ambiente; esses impactos dependem de tecnologia, demanda energética e demografia, e não da cor ou da roupa ou das crenças religiosas das pessoas. Afirmar o contrário é transformar a gestão ambiental numa religião ou ideologia política, e os resultados são os que estamos vendo, não apenas no Brasil, mas no resto do mundo que adere a essa bobajada travestida de justiça social.

Povos tradicionais, quilombolas, pescadores artesanais, índios, todas as minorias que estão sendo engolidas pela globalização ou mesmo pelo loteador tarado da esquina mancomunado com o prefeito ladrão merecem justiça social. Merecem a defesa de seus direitos contra a exclusão, contra a assimilação forçada, contra a ocupação ilegal de suas terras e esbulho de seus recursos tradicionais, mas também merecem legitimidade social contra seu uso como espantalhos anti-conservação pelas “lideranças” fashion fajutas que a mídia e as mega-ONGs fabricam para deleite visual e sonoro do público urbano ignaro. Se queremos construir um futuro comum para a humanidade nesse planeta finito e estuprado, é preciso que se dê um curto-circuito nesse besteirol pseudo-social e passemos, todos, a tratar de gestão ambiental como algo tecnicamente cabível e possível, mas que depende de fatos e ações, não de versões ou credos.

Chega de embuste. Chega de demagogia. Chega de fingir que essa pataquada está resultando em algo que não seja o óbvio: o fim das últimas áreas naturais, por má gestão absoluta e omissão da maioria de nós. Ou então assumimos, de vez, que a “gestão ambiental pública” nada mais é do que um fanatismo a mais: a religião primitiva e canibal da “Natureza para o Homem”, professada com igual ardor por lideranças “sócio-ambientais”, militares, religiosos monoteístas, políticos de todos os matizes e canalhas de todo o globo.

*José Truda Palazzo Jr. é jardineiro e indignado. Endereço para desaforos: [email protected].

  • José Truda Palazzo, Jr.

    José Truda é jardineiro, escritor, consultor em meio ambiente especializado em conservação marinha e tratados internacionais, e indignado.

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