Em viagem recente, percorria uma estrada que se desenvolvia ao longo de um rio e pude logo notar que as suas margens tinham sido reflorestadas há pouco, num daqueles programas, muito comuns nos dias de hoje, de recomposição de matas ciliares. Parei e fiquei contemplando, por alguns minutos, aquelas espécies de plantas que estavam iniciando a formação de um novo ambiente diversificado. Rememorei alguns conhecimentos hidrológicos e passei a imaginar o que diriam aquelas plantas se pudessem dialogar comigo. E para minha surpresa, uma mais espevitada começou a falar:
– Meu caro viajante, aqui estamos nós em fase de crescimento. Eu mesma tenho esperança de ser um majestoso jatobá em futuro breve. Vamos criar um ambiente importante para animais silvestres e para uma variada fauna no solo. Vamos dar frutos e as nossas companheiras que estão mais próximas da lâmina d’água do rio irão fazer sombra e fornecer alimentos para peixes e outros animais aquáticos.
Argumentei que da mata ciliar são esperadas muito mais coisas e ela logo me interrompeu:
– Sim, nós sabemos, e estamos preparadas para ajudar na retenção de parte das enxurradas que chegarem por aqui, armazenando um pouco das partículas sólidas transportadas por elas e mesmo na retenção de outros resíduos gerados pelas atividades produtivas ao nosso redor, incluindo até os excessos de aplicações de agrotóxicos. Já as nossas companheiras lá da beirada poderão ajudar na estabilização do leito do rio. Por outro lado, meu caro viajante, o nosso papel ambiental fica um pouco prejudicado pela artificialidade daquela metragem em relação ao leito do rio. Para nós fica difícil entender que devemos ocupar uma faixa de 30 metros de cada lado de pequenos córregos, por exemplo, em qualquer dos variados biomas brasileiros. É impressionante a capacidade que homens e mulheres têm de artificializar tudo, até mesmo quando tentam defender ou reproduzir os comportamentos naturais.
A esta altura da conversa, resolvi pedir sua opinião a respeito da ação da mata ciliar naquilo que os ambientalistas chamam de “preservação da vazão dos cursos d’água”. A resposta foi bastante esclarecedora:
– Quanto a isso são grandes as nossas angústias, pois temos receio de provocar decepções futuras. Esperam, por exemplo, que nós sejamos capazes de promover infiltrações de água no solo e em quantidades suficientes para que os armazenamentos nos lençóis subterrâneos possam garantir as vazões de estiagens dos cursos d’água. Esquecem que nós ocupamos uma pequena percentagem da área da bacia hidrográfica e não poderemos assumir uma tarefa que compete a toda a sua superfície. Além do mais, nós também somos consumidoras de água, que retiramos do solo através de nossas raízes. Nas épocas de estiagens, enquanto nossas colegas lá do topo do morro têm de reduzir os seus consumos de água, perdendo folhas, por exemplo, as nossas raízes têm a felicidade de estar próximas dos lençóis subterrâneos, que estão menos profundos na margens dos cursos d’água, onde estamos. Com isso podemos fazer a festa da transpiração, transferindo boas quantidades de água dos lençóis para a atmosfera. Se os lençóis forem rebaixados pela atividade das raízes, há sempre a possibilidade de o próprio curso d’água, principalmente em regiões mais planas, colaborar para o seu reabastecimento. Se isso provocar quedas de vazões, paciência, pois estamos tendo apenas um comportamento natural no ecossistema e não temos nenhum compromisso com essa tal de “preservação de vazão” .
Voltei ao carro e continuei minha viagem. Passei a examinar, mentalmente, um jeito de usar aquele diálogo no curso sobre conservação de nascentes que estava indo ministrar para um grupo de produtores rurais. Olhei para o topo de um morro coberto por uma mata natural e decidi que irei procurar uma sua parenta para uma conversa semelhante à que acabei de narrar, pois, ao lado das matas ciliares, as matas de topos de morros são também consideradas “salvadoras da pátria” na conservação de vazões de nascentes, córregos e rios.
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