Aconteceu na última terça (11/05), na Câmara dos Deputados, audiência pública para ouvir especialistas e representantes de estados e povos das florestas a respeito do mecanismo de Redd (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal). Participaram representantes do Ministério do Meio Ambiente (MMA), do IDESAM, da Fundação Amazonas Sustentável, do estados de Mato Grosso, Amazonas e Acre, do Grupo de Trabalho da Amazônia (GTA), do Conselho Nacional de Seringueiros (CNB), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Ipam) (escutem áudio completo da audiência). O Projeto de Lei 5589/09 objeto da audiência pretende regulamentar a emissão no Brasil de certificados de redução de emissões de CO2 por desmatamento e degradação florestal (Redd).
Nessa audiência o Ipam defendeu a necessidade de uma estratégia nacional para o tema. Falando em nome do Ipam apresentei os seguintes pontos como fundamentais para o marco regulatório sobre Redd no Brasil (clique para ver o Power point da apresentação):
“Somente haverá compensação financeira para Redd se houver reduções de desmatamento na escala nacional, ou seja, de nada adianta um ou vários bons projetos locais se a conta (taxa) nacional de desmatamento fechar no negativo.” |
1 – Redd tem que ser um dos instrumentos que compõem a estratégia nacional para alcance das metas estabelecidas na Lei federal 12.187/09, que é de redução entre 36,1 e 38,9%% das emissões projetadas até 2020. Sem uma estratégia nacional básica não faz sentido regulamentar Redd por lei.
2 – Somente haverá compensação financeira para Redd se houver reduções de desmatamento na escala nacional, ou seja, de nada adianta um ou vários bons projetos locais se a conta (taxa) nacional de desmatamento fechar no negativo (se houver aumento de desmatamento em relação ao nível de referência adotado).
3 – Sem melhoria na governança ambiental e sem respaldo à legislação florestal federal não haverá segurança mínima aos potenciais investidores, nacionais ou estrangeiros, em ações de Redd. As mudanças no código florestal propostas pela bancada ruralista no Congresso e a omissão do governo federal em relação às demandas das carreiras ambientais e dos governos estaduais em relação aos seus órgãos de meio ambiente constituem hoje, ao lado da crise econômica internacional e da falta de regulação sobre o tema na convenção de clima, o maior obstáculo à captação de recursos em escala no mercado internacional de carbono florestal.
4 – O papel dos Estados como protagonistas na operação de sistemas estaduais de Redd é chave, pois de acordo com a Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei Federal 11.248/06) são os Estados os principais responsáveis pela fiscalização, monitoramento e o licenciamento de desmatamento, manejo florestal e transporte de produtos florestais. Se a gestão florestal está centrada nos estados eles serão determinantes na governança ambiental sobre o tema e no desenho da estratégia nacional de Redd.
5 – Menos importa a discussão sobre os donos do carbono, o que importa mesmo é a definição clara de quem serão os beneficiários de Redd. São, em nossa opinião, beneficiários de Redd aqueles que legitimamente (legalmente) têm a responsabilidade por conservar ou usar as florestas de forma sustentável. Portanto, não apenas proprietários de terras, mas fundamentalmente os povos indígenas, as comunidades extrativistas e tradicionais, os assentados, os agricultores familiares e os poderes públicos no caso de áreas protegidas (estados, união e municípios).
6 – É fundamental que o marco regulatório sobre Redd incorpore os resultados das oficinas de consulta coordenadas pelo GTA (veja artigo sobre o tema) e o documento final sobre Princípios e critérios socioambientais desenvolvidos por um Comitê multisetorial coordenado pelo Grupo de Trabalho Amazônico com apoio do IMAFLORA e do Ipam (veja em http://www.reddsocioambiental.org.br).
“Estamos diante de um desafio enorme que é compor ao mesmo tempo um entendimento comum do que é o Redd, a estratégia nacional de Redd, simultaneamente ao desenho de um projeto de lei a respeito do tema às vésperas da Copa do Mundo, das Festas Juninas e das eleições 2010.” |
7 – O Projeto de Lei de Redd deve estabelecer algum mecanismo e critérios de repartição equitativa dos benefícios financeiros de Redd na Amazônia Brasileira que considere as diferenças em termos de conservação de estoque florestal (Amapá e Amazonas) e os fluxos de desmatamento (Mato Grosso e Pará, por exemplo). O desempenho dos estados na conservação de estoques florestais e na redução de desmatamento precisa ser considerado de forma que todos os estados da região sejam incentivados a aderir proativamente à estratégia e às metas, implementando a governança ambiental necessária e os bons programas e ações efetivos na redução de desmatamento. O sistema não pode apenas beneficiar quem tem grandes estoques de florestas ou quem tem desmatamento histórico elevado.
8 – Podemos dentro do próprio Brasil desenvolver um mercado interno de carbono florestal que financie a redução de desmatamento e a conservação florestal com recursos oriundos dos setores industriais e da produção e consumo de energia no País, considerando que o aumento nas emissões projetado nos demais setores (energético, transportes, industrial) acontecerá lastreado pela queda brusca nas taxas de desmatamento no cerrado e na Amazônia.
Com essas contribuições nos colocamos (o IPAM) a disposição para auxiliar os parlamentares no desenho da proposta de Lei em debate. A relatora Deputada Rebeca Garcia e o Coordenador do GT criado para desenvolver a proposta o Deputado Luiz Carreira querem apresentar um projeto de Lei ainda antes das eleições. Portanto em ritmo de jato.
Estamos diante de um desafio enorme que é compor ao mesmo tempo um entendimento comum do que é o Redd, a estratégia nacional de Redd, simultaneamente ao desenho de um projeto de lei a respeito do tema às vésperas da Copa do Mundo, das Festas Juninas (muitos parlamentares nordestinos desaparecem do Congresso) e das eleições 2010, uma conjunção astral contra a qual é praticamente impossível concorrer.
Falando em Redd e Copa do Mundo, vale registrar aqui a frase mais interessante de toda audiência pública de ontem, dita pelo Manuel Cunha, presidente do Conselho Nacional dos Extrativistas: “Fazer projeto de Redd só entre políticos e técnicos, sem o envolvimento direto e esclarecido dos povos das florestas é como o Brasil ir para a Copa do Mundo levando só os cartolas”.
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