Análises

O lado feio do ecoturismo:

Em parque na África do Sul, o romantismo associado à natureza selvagem tem sido responsável por alguns acidentes lamentáveis tanto para visitantes quanto para a fauna.

Pedro da Cunha e Menezes ·
21 de julho de 2010 · 14 anos atrás
Um indivíduo da espécie boentuck
Um indivíduo da espécie boentuck
Isso é muito bom, diriam alguns. Afinal aumenta a relação de carinho entre visitantes e natureza e, com isso, cria um grupo de apoio à conservação da natureza cada vez maior. Verdade? Sim, mas apenas parcial.

 
O recente (últimas três décadas) movimento ecoturístico tem aproximado os urbanóides da natureza, mas também está criando uma aura de romantismo em relação a tudo que é selvagem. Algumas pessoas estão esquecendo que a prinicipal razão para a organização dos homens em cidades foi se proteger das intempéries e dos perigos da selva e dos predadores.
 
O romantismo associado à natureza selvagem tem recentemente sido responsável por alguns acidentes lamentáveis tanto para os visitantes quanto para a fauna. Sejam escaladores e excursionistas despreparados que despencam de abismos onde não deveriam ir sem saber o risco que corriam, até pessoas que são vítimas de encontros com animais selvagens que resultam em lesões ou mortes de parte a parte.
 
Na última quinzena três episódios do gênero ocorreram em unidades de conservação sul-africanas. No primeiro deles, Johan Schmidt, conhecido vinicultor do Cabo, foi morto por uma carga de um búfalo, enquanto percorria uma trilha do Parque Nacional da Zebra da Montanha. Seus três companheiros de caminhada também foram acossados e tiveram que ser hospitalizados em estado grave. A administração do Parque fechou temporariamente todas as trilhas e está caçando o búfalo com o intuito de sacrificá-lo. Não se sabe o que sucederá depois. Especula-se que daqui para a frente caminhadas no Parque da Zebra só poderão ser feitas em companhia de um guarda-parque treinado e armado, como já ocorre no Parque Nacional Kruger e em Parques quenianos e do Zimbabwwe.

 
No segundo episódio, o babuíno William foi abatido por guardas-parque nas cercanias da Cidade do Cabo. William era um macho alfa de uma tropa de cerca de 30 macacos que estava se especializando em assaltar casas vizinhas às áreas de conservação da natureza na periferia do Cabo. Entravam pelas janelas, ameaçavam crianças e mulheres, assaltavam as cozinhas (alguns inclusive já sabiam abrir geladeiras) e algumas vezes matavam animais de estimação. Segundo comunicado oficial, William estava sendo acompanhado de cerca de meia dúzia de machos adolescentes que, uma vez adultos, poderiam levar esse comportamento a outras tropas exponenciando o problema. Esse tipo de drama começou com a interação entre babuínos e humanos nos principais pontos de visitação turística da Península do Cabo e a tendência dos turistas a alimentá-los. Não demorou para que os primatas aprendessem a associar seres humanos a comida. Com o tempo aprenderam a entrar nos automóveis, ameaçar crianças e mulheres e a roubar bolsas e mochilas. Não demorou para que entendessem que as casas, onde, moram os humanos são fontes inesgotáveis de alimentos. No processo de seguidas invasões, há relatos de casualidades dos dois lados. Muita gente foi mordida e alguns residentes tomaram a justiça nas próprias mãos usando revólveres para se defenderem. A solução encontrada pelos administradores ambientais foi contratar monitores que acompanham os babuínos de manhã à noite e, à força de pedradas e cajados, os ensinam a ficar longe dos humanos. Está começando a dar resultados maus e bons. A turistada reclama pois quase não se vê mais babuínos, antes presença assegurada em qualquer passeio pelas áreas naturais do Cabo. Por outro lado, os babuínos reduziram em muito seus ataques a residências e a turistas, o que faz com que tenham voltado a se alimentar exclusivamente de produtos que extraem da natureza, o que, afinal é o objetivo precípuo de um Parque Nacional.
 
O episódio mais recente retrata o sucesso da proibição à pesca das baleias no Atlântico Sul. De uns anos para cá elas têm se multiplicado e, de julho a novembro, fazem a festa visual dos habitantes do litoral sudoeste do África do Sul. Há dias em que se pode ver mais de dez delas de uma só vez. Em Hermanus, próximo ao Cabo da Boa Esperança, elas se juntam para procriar. Ali desenvolveu-se uma saudável indústria de observação de cetáceos, que gera muito mais postos de trabalho do que a caça outrora conseguia empregar. Há filas de gente querendo embarcar nos botes que se acercam das baleias. Tudo funciona bem, a indústria é regulada e fiscalizada e as embarcações têm que manter uma distância segura dos bichões. Ontem, contudo, longe de Hermanus um veleiro avistou uma baleia na Baía Falsa, junto à Cape Town, e aproximou-se para ver o espetáculo. Chegou perto demais. A baleia não gostou e reagiu assustada ou furiosa (não se sabe). Foi ao fundo e voltou projetando seu corpo completamente fora da superfície. Ao cair lançou-se na direção do barco a vela. Partiu-lhe o mastro e quase afundou-lhe. Os tripulantes não se machucaram por milagre. Já a baleia, certamente há de se ter ferido com o choque. As autoridades ambientais e marítimas prometem uma investigação e as devidas punições caso a conclua-se pela imprudência dos velejadores (as fotos do encontro são espetaculares, clique aqui para ver).
 
Que lições tirar? Difícil dizer. Para os conservacionaistas radicais, os ocorridos provam a tese de que a visitação deve ser coibida em áreas protegidas. Para os mais moderados, os acidentes são um sinal de que a causa ambiental começa a chamar atenção e como tudo que ganha popularidade, acaba tendo problemas associados a ela (não se faz omeletes sem se quebrar ovos).
 
Pessoalmente alisto-me no segundo grupo. Acho que a solução não é proibir, mas sim fazer uso de uma palavra que no Brasil raramente sai dos planos: MANEJO. Nesse caso manejo são as soluções encontradas e postas em prática com relação aos babuínos e búfalos na África do Sul. Também é a situação da regulação do turismo de avistamento de baleias de Hermanus (espera-se uma multa pesada para o veleiro atingido pelo cetáceo em False Bay). Para minha felicidade como ecoturista, manejo dos bons encontrei em Tygerberg, onde Bonteboks e visitantes convivem em harmonia.

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