Na véspera de uma oficina sobre “conflitos entre seres humanos e fauna silvestre”, os guardas-parques do Parque Nacional Kruger haviam matado quatro caçadores e ferido um quinto.
Semana passada fui a uma oficina na Universidade da Cidade do Cabo sobre “conflitos entre seres humanos e fauna silvestre”. Cheguei cedo demais. Não havia ninguém. Comprei um jornal, pedi um capuccino, sentei-me ao sol da manhã. Ao folhear o matutino dei com uma notícia que me chamou atenção. Na véspera os guardas-parques do Parque Nacional Kruger haviam matado quatro caçadores e ferido um quinto. Eram parte de uma quadrilha responsável pelo abate de 22 rinocerontes na África do Sul, somente este ano. Estavam armados com AR 15s e fuzis de repetição e recusaram a oferta de rendição, preferindo trocar tiros com o pessoal da fiscalização.
Por incrível que pareça, o tom da notícia era de alívio. Há medo que o mercado para chifres de rinocerontes da Ásia, onde acredita-se que tenham efeitos sexuais miraculosos, seja mais forte que a capacidade dos países africanos de proteger seus rinocerontes. Se o ritmo da matança continuar do jeito que está, os rinocerontes não resitirão mais dez anos antes de sumirem para sempre. Países como o Quênia já estão adotando medidas extremas, como a colocação desses animais em áreas especiais super vigiadas. Na África do Sul, no momento, consideram-se medidas como a remoção profilática dos chifres, o que retiraria a razão para seu abate, a implantação de chips localizadores em cada indivíduo ou o pagamento a guarda-parques para fazerem um serviço guarda-costas de rinocerontes.
Começada a oficina, assisti palestra em que o Professor Rob Simmons relatou as conclusões de suas pesquisas em conjunto com a aluna de mestrado Sharon George. Na pesquisa, foram colocadas coleiras com GPS em 78 gatos domésticos residentes em áreas até 1 km distantes dos limites do Parque Nacional da Montanha da Mesa. Também foram distribuídos 600 questionários a donos de gatos no entorno da unidade de conservação.
Assim verificou-se que, em média, à noite, os gatos domésticos cobrem uma área de 51 hectares. 40% dos felinos pesquisados não foram flagrados caçando, mas os outros 60% caçam em média 80 animais por ano cada um. Entre as presas 3/5 são de espécies nativas. Os bichanos têm preferênica por répteis (25% do total) e invertebrados (16%), mas também comem passarinhos (13%) e sapos (1%). O estudo tabulou apenas os animais abatidos que foram trazidos de volta para casa, mas trabalhos feitos em outros países mostram que, em média, os gatos apenas trazem 1/3 de suas presas de volta.
Feita a projeção matemática, os 118 mil gatos domésticos recenseados no entorno do Parque Nacional da Montanha da Mesa são potencialmente responsáveis pelo assassinato anual de cerca de 5 milhões de pequenos animais, 3 milhões dos quais nativos.
No entanto, a figura peluda e fofinha dos bichanos deperta carinho e compaixão. Se aplaudimos o abate de cinco malvados homens que caçam rinocerontes para extrair-lhes os chifres em troca do vil metal, nos repugna a idéia de eliminar ou proibir a presença de gatos domésticos nos entornos de nossos parques nacionais, mesmo sabendo que são máquinas de matar e que assassinam por prazer, pois são alimentados nas casas de seus donos.
Quando fui diretor da Tijuca pude aquilatar a extensão do problema naquela que é uma unidade de conservação colada à cidade e, embora não disponha do respaldo científico com que agora conta o Parque Nacional da Montanha da Mesa, posso garantir que trata-se de um drama de dimensões genocidas. Dia sim, outro também, deparava com gato caçando ou com alguma presa recém abatida e devidamente depenada.
Tenho certeza que aflição semelhante assola o Parque Nacional de Brasília, os Parques Estaduais da Cantareira, Tiririca, Pedra Branca, Dunas, Coocó, Utinga e Pituaçu, para citar apenas alguns exemplos conhecidos de áreas protegidas urbanas. No entanto, não temos no Brasil nenhuma política séria para lidar com o problema.
A única certeza que temos é que os defensores dos assassinos são fortes e organizados, como pode testemunhar a atual direção da Floresta da Tijuca. Nunca tiveram tanta dor de cabeça com o público quanto quando tentaram acabar com os gatos no Setor Parque Lage daquela área protegida.
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