Análises

Parabéns prá Você

Neste mês de julho comemoramos cento e cinquenta anos do Decreto de criação da Floresta da Tijuca. Aos leitores com interesse e paciência, ((o))Eco coloca à disposição um pequeno (na verdade longo) texto sobre a história do reflorestamento.

Pedro da Cunha e Menezes ·
19 de julho de 2011 · 13 anos atrás
Ao chegar em Campinho, Guimarães desviou o cavalo.até a mangedoura. Chovia muito e fazia um frio úmido, desagradável. Entrou na estalagem e pediu um prato de sopa quente. Sorveu aos golinhos enquanto meditava. Lá fora a chuva engrossou saltou de garoa para temporal. Os pingos começaram a cair gordos. Rapidamente a estrada foi tomada por uma torrente marrom que fluia como se fosse um rio.

 

Terminado o caldo, Guimarães solicitou um copo de parati e foi aboletar-se junto ao fogo que crepitava na cozinha. O aguaceiro não estiava. Por fim decidiu pernoitar ali mesmo. Pagou uns trocados e estendeu sua rede o mais próximo da lareira que conseguiu.

 

Despertou com o raiar do dia. Tomou um café fumegante em que o sabor do açúcar predominava sobre o do líquido. Arreiou a montaria e seguiu viagem. Chegou em Guaratiba com o sol já baixo. Encontrou o Major sentado na varanda, concentrado nas páginas de um livro estrangeiro. Esperou até que o homem interrompesse a leitura e o mandasse subir as escadas que separavam o sobrado do terreiro de secagem de café.

 

-“Guimarães, que bons o ventos o trazem?”

 

-“Boas tardes Sr. major, venho a mando do Sr. Barão. Trago uma mensagem para Vossa Mercê..”

 

Archer abriu o envelope lacrado e começou a ler a caligrafia redonda de Couto Ferraz. Era uma carta breve, quase telegráfica. Dizia assim: “Processo de desapropriação das primeiras fazendas concluído. Decreto de criação será publicado em breve. Vsa. Senhoria será nomeado administrador. Favor vir à Corte à brevidade possível”.

 

Archer amassou o papel da missiva enquanto contemplava o horizonte. Não havia chovido desde o meio dia, mas agora nuvens negras, novamente assomavam para os lados de Itaguaí. Mais um pé d´água anunciava-se próximo. Ficou ali inerte sem saber se gostava ou não da notícia. Sua vida ia mudar muito, seria para melhor? Afinal deu-se conta que deixara Guimarães esperando de pé uma resposta. Gritou por uma escrava. Mandou que lhe arranjassem quarto e convidou-o a partilhar sua mesa ao jantar.

 

Partiu para o Rio de Janeiro duas semanas depois. Quando chegou, foi logo ter com o Barão em sua residência na cidade. Couto Ferraz o recebeu com um sorriso largo e um abraço apertado. Eram amigos de longa data. Conversaram ao redor de uma garrafa de vinho português. Não houve rodeios, o anfitrião foi direto ao assunto:

 

“O Imperador finalmente decidiu comprar a briga para valer. Vai desapropriar tantas quintas quanto forem necessárias. Está decidido a resolver o problema da seca na cidade. Vai incomodar muita gente poderosa. Não há espaço para fracassos. Sua Alteza quer vê-lo à frente dos trabalhos de reflorestamento.

 

Archer respirou fundo. Materializava-se ali a oportunidade de colocar em prática os pensamentos que desenvolvera ao longo dos últimos anos, baseados nas leituras que fizera dos pensamentos em voga nos Estados Unidos e na Europa. Mesmo assim hesitava, pois sabia tratar-se de terreno complicado. Não bastasse o tamanho do trabalho de revegetar uma montanha inteira, ainda teria pela frente um poderoso exército de inimigos O reflorestamento havia de ser feito em fazendas pertencentes à nobreza: a fina flor da Corte. Depois que a praga da borbotelinha abatera-se sobre os cafezais, a maioria estava inaproveitável como empreendimento, econômico, mas as propriedades ainda eram utilizadas para lazer. Sobretudo no verão, quando o calor no nível do mar tornava-se insuportável e insalubre, grassando todo tipo de doenças como o cólera, toda a gente de posses subia à Tijuca. A própria família real tinha o costume de passar alguns dias no palacete Itamaraty. Era tarefa dura, mas irrecusável. Tinha o apoio do ministro mais prestigiado do Império e do próprio monarca. Archer disse sim.

 

O que o leitor leu acima é ficção, Não chega a ser pura obra da cabeça do autor, mas é uma história inventada a partir de documentos e relatos de época que chegaram aos nossos tempos. Poderiamos talvez chamar de arremedo de romance histórico. Livro, aliás, que seria muito bem vindo neste ano em que comemoramos o sesquicentenário da Floresta da Tijuca e seu reflorestamento, que talvez seja o feito mais épico do ambientalismo brasileiro.

 

A história desse reflorestamento, começa, na verdade quase meio século antes, com o desmatamento da Tijuca. Como resultado do rearranjo internacional de forças, advindo da ascenção de Napoleão ao trono da França, Portugal ficou espremido entre seu tradicional aliado, a Inglaterra, e as exigências do Bloqueio Continental imposto pelos franceses. Enquanto pôde, o Príncipe Regente D. João fêz uma política neutra; ora agradando a uma, ora a outros. Em fins de 1807, no entanto, seus esforços de não comprometimento com nenhum dos lados acabaram por provocar profunda insatisfação em Napoleão, que ordenou ao General Junot a invasão de Portugal. Para não cair prisioneiro dos franceses, só restou a D.João rumar em direção ao Brasil.

 

Aqui chegou em princípios de 1808, cercado de nobres e cortesãos. Foi um caos completo no Rio de Janeiro, que não estava preparado para receber tanta gente de uma só vez.

 

Logo depois de instalado, um dos primeiros atos do futuro Rei de Portugal foi mandar abrir os portos do país às nações amigas, permitindo aos estrangeiros fixar residência no Brasil; o que até então era vedado. Desde então, a Floresta da Tijuca nunca mais foi a mesma.

 

Logo na primeira leva, acompanhando a Família Real, vieram os marinheiros da frota inglesa que a escoltava, os representantes diplomáticos e os comerciantes estrangeiros que viviam em Lisboa por ocasião da invasão de Portugal. Em seguida, chegaram nobres anti-bonapartistas e, depois, fazendeiros franceses expulsos do Caribe espanhol e do Haiti, então sublevado pelo general-escravo Toussaint de L’Ouverture.

 

Nessa ocasião, o café já era importante para a agricultura brasileira. Desde 1779, o Rio tornara-se centro exportador desse produto cuja importância não parou de crescer nos anos subseqüentes. Em 1796, foram embarcadas com destino ao exterior 8.495 arrobas do produto. Dez anos mais tarde, em 1806, a quantidade decuplicou, atingindo a marca de 82.245 arrobas. Seu cultivo era feito sobretudo em Santa Teresa, no Andaraí (atual bairro da Tijuca) e no Mendanha.

 

Entre os imigrantes franceses vindos nessa primeira leva, destacava-se um jovem de 24 anos, o Conde Aymar Marie Jacques Gestas que chegou ao Rio em 1810, com algum dinheiro para investir. Gestas deixou-se entusiasmar por convincentes histórias sobre o potencial do café. Ao procurar terras para iniciar uma plantação, entretanto, encontrou um mercado imobiliário inflacionado pela explosão populacional sofrida no Rio com a chegada da Família Real e seu séquito. Não havia moradia para todos, muitas residências de brasileiros haviam sido requisitadas para atender as necessidades da Corte e galpões e quartéis foram erguidos às pressas para a tropa que acompanhava a realeza. Era a época do infame “PR”, iniciais de Príncipe Regente, que eram constantemente afixadas nas portas das casas de brasileiros e que logo ficaram conhecidas, pelos cariocas, como “Ponha-se na Rua”.

 

O valor de um terreno na cidade, então restrita aos atuais bairros do Centro, Glória e Catete, ou mesmo nas áreas próximas era, àquela altura, proibitivo. Gestas foi, então, aconselhado a procurar os herdeiros do Visconde de Asseca, proprietário de toda a área onde está hoje a Floresta da Tijuca, com quem fez negócio. Ainda no ano de 1810, o Conde se instalou em um terreno de 11 alqueires, logo acima da Cascatinha.

 

Tudo estava por fazer, não havia nem mesmo estrada, apenas picadas íngremes e mal cuidadas. Gestas não desanimou. Construiu imediatamente uma formosa casa, dominando majestoso mirante, a qual denominou Boa Vista, nome que, ao longo dos tempos, iria batizar o bairro inteiro.

 

Sua fazenda virou modelo para os brasileiros. Aproveitando-se do clima ameno para os padrões cariocas, Gestas introduziu na Boa Vista frutos europeus como maçãs, pêras, uvas e morangos. Com estes últimos, misturados a um creme de leite tirado de vacas especialmente importadas da França, o Conde conquistou o apetite e a amizade de D. Pedro I, que tornou-se seu hóspede freqüente.

 

Da casa de Gestas, após refestelar-se, o Imperador tinha o hábito de subtrair os itens de decoração que lhe agradassem, ao que a Imperatriz, tão logo tomava ciência, vexada, mandava devolver com uma nota de desculpas.

 

Aberto o caminho, diversos outros franceses o percorreram. O padrão era comprar, desmatar, vender a madeira como carvão vegetal e plantar café no terreno “limpo”. Escassos anos depois, em 1813, um viajante inglês, John Luccok, relatou que em um piscar de olhos muito da Floresta se convertera em carvão para que seu solo pudesse ser aproveitado para a produção do café. Outros viajantes contam que as nuvens de fuligem das queimadas na Tijuca chegavam a encobrir, por vezes, o sol do meio dia.

 

A Tijuca é loteada com rapidez impressionante. São sobretudo europeus, expatriados das guerras bonapartistas. Ao contrário de Gestas, que era realista, alguns de seus companheiros mais famosos como Mocke e o General Hogendorp, este último morador da encosta do Corcovado, haviam ocupado posições de destaque nos exércitos de Napoleão. Havia lugar para todas as correntes ideológicas na Tijuca, que foi retalhada em pequenas e médias propriedades, cuja produção oscilava em média, entre cinco e dez mil pés de café cada uma.

 

Um desses novos fazendeiros chegou ao Rio em 1816, na Missão Artística Francesa, chefiada por Lebreton. Trata-se do pintor Nicolas Antoine Taunay, que escolheu ser vizinho de Gestas e comprou um terreno ao pé da Cascatinha. Ali, desenvolveu seu trabalho artístico ao tempo em que tocou uma pequena lavoura de café.

 

Em menos de dez anos, a fúria cafeeira transbordou a Floresta e se espalhou por todo o resto do atual Parque Nacional da Tijuca. A Serra da Carioca também foi logo devastada. Apenas sua parte superior foi, de certa forma, menos atingida, em função de abrigar as nascentes do Rio Carioca que, como vimos anteriormente, já naquela época abastecia o Rio de Janeiro. Em função disso, em 1817, foi editado um Decreto sustando todo corte ou derrubada de mata em torno dos mananciais que abasteciam o Aqueduto. A Lei, contudo não compreendia o Cosme Velho, onde instalou-se o General Hogendorp, iniciando ali pequena plantação. Mais acima será encontrada a lavoura do Dr. Silvestre.

 

Nas encostas da Vista Chinesa também se desmata com fins de agricultura. Experimenta-se ali a plantação de chá, com trabalhadores chineses trazidos de Macau, em 1812, pelo Conde de Linhares.

 

Era um sonho do Príncipe Regente transformar o Brasil em grande produtor e exportador da erva asiática, então com valor de mercado aparentemente mais promissor do que o café. D. João chegou a acalentar a esperança de que o Rio um dia pudesse vir a ser o maior fornecedor mundial de chá para o mercado europeu.

 

Sob a supervisão do Jardim Botânico, fundado em 1808 com o objetivo de ser uma instituição voltada para a aclimação de espécies exóticas no Brasil, foram plantados naquela encosta do Parque cerca de seis mil pés de chá, colhido em três safras anuais.

 

Diversos relatos dessa malograda experiência chegaram aos nossos dias, já que o Jardim Botânico era um dos passeios preferidos dos estrangeiros na Corte. Ainda em 1817, Spix e Von Martius mostram pouco entusiasmo com suas chances de sucesso pois, apesar da bela aparência, o gosto do chá carioca lhes tinha parecido detestável. Ainda assim, em 1822, a plantação ia de vento em pôpa como podemos comprovar pelo famoso quadro de Rugendas, onde estão retratados chineses em plena faina de plantar.

 

O chá, todavia, não vingou. Alguns autores atribuem o fracasso à má qualidade da mão de obra proveniente da China, outros à pouca competitividade do produto face à já estabelecida produção asiática. Seja como for, por volta de 1828 o chá começou a dar sinais de esgotamento no Rio. Naquele ano, o reverendo Walsh visitou o Jardim Botânico e viu apenas arbustos raquíticos, apodrecidos e cobertos de musgo.

 

Embora contasse com o patrocínio Real, em nenhum momento o chá foi absoluto na Serra da Carioca. Nem mesmo durante os experimentos feitos pelos chineses junto ao Jardim Botânico. Ali ao lado, no vale do Rio Cabeça, nos relata Maria Graham, preceptora dos filhos de D. Pedro I, que já haviam “extensos cafezais, intercalados por numerosas laranjeiras, limoeiros e outros arbustos que parecem antes uma variedade das matas do que a mescla de terreno cultivado com terreno selvagem…”.

 

A grande revolução da cultura do café, contudo, Não se deu nem na Floresta da Tijuca, nem nas encostas da Serra da Carioca mas na Gávea Pequena, onde o conceito de pequenas plantações com no máximo vinte mil pés de café, foi substituído pelo de grandes plantações dotadas de métodos modernos de colheita e beneficiamento, inclusive com o uso de maquinário. Ali se instalaram Louis François Lecesne e Charles Alexander van Mocke. O primeiro, experimentado cafeicultor, expulso de Cuba por conta de sua nacionalidade francesa quando da tomada da Espanha por Napoleão em 1801, chegou ao Rio após alguns anos tentando a vida em diversas partes do mundo. O segundo, médico do exército bonapartista, com alguma experiência em procedimentos modernos de agricultura, sobretudo adubamento.

 

Lecesne apostava tanto no futuro promissor do café, que recusou terras e dinheiro a ele ofertados por D. João VI, desde que se dedicasse ao cultivo do trigo. Montou sociedade com o Duque de Luxemburgo e, a partir de 1817, começou a produzir café na Gávea Pequena em propriedade recém adquirida, a Fazenda São Luiz. Trabalhou rápido. Guilherme von Theremin esteve na propriedade em 1818, quando a retratou a lápis. No desenho, pode-se ver que praticamente todo o vale ao redor da sede da fazenda já estava destituído de sua mata original e coalhado de cafeeiros. Também nessa época, visitaram a propriedade de Lecesne, em ocasiões separadas, os naturalistas Spix e von Martius e o almirante russo Golovnin. Seus relatos coincidem em calcular que o cafezal alcançava perto de 50 mil pés.

 

Mocke chegou à Gávea Pequena um ano depois de seu vizinho, em 1818. Possuidor de algum capital, comprou dezenas de escravos e rapidamente modificou a aparência de suas terras. Preparou e adubou o solo, canalizou rios, retificou encostas, escavando patamares para o plantio do café, e introduziu avanços tecnológicos no processo produtivo. Em sua fazenda havia uma despolpadora mecânica e uma máquina de polir café movidas por uma roda d’água. Além disso, contrariamente à tradição brasileira, no cafezal de Mocke passou-se a colher os grãos antes do apodrecimento da polpa, colocando-os em seguida para secar por cerca de quatro semanas em plataformas de até 900 m2, o que aumentou a produtividade.

 

Em seis anos a Fazenda Nassau já tinha 100 mil cafeeiros plantados e era considerada a melhor e mais moderna do Brasil. Ali, colhia-se três safras anuais.

 

Ernst Ebel, um viajante que visitou Mocke em 1824, nos deixou relato informando que, fora o café, a fazenda produzia comercialmente diversas qualidades de legumes, entre os quais destacavam-se aspargos, couves-flores, repolhos e bananas, além de mandioca e feijão para consumo da escravaria.

 

Mocke faleceu em 1828, ano em que Emeric Essex Vidal pintou a aquarela Nassau Coffe Plantation in the Happy Valley of Tijuca, onde pode-se ver que não apenas o vale da Gávea Pequena mas também as encostas do Morro do Cochrane encontravam-se àquela altura completamente desprovidas da Mata Atlântica e tomadas por infindáveis pés de café.

 

Após a morte do holandês, a fazenda Nassau continuou produzindo sob a supervisão de sua esposa, a inglesa Henriette e, durante muitos anos, permaneceu como uma referência para a cidade. Em 1872, com o reflorestamento já em curso há mais de dez anos, apesar de decadente e improdutiva, a propriedade de Mocke ainda era importante o suficiente para merecer inserção no romance de José de Alencar, Sonhos D’Ouro:

 

“os olhos desafogados do arvoredo que vestia a orla do caminho se desdobraram ávidos pelos horizontes abertos, (em oposição à frondosa mata que agora ali existe) recreando-se com a paisagem de várias chácaras derramadas no vale, ou alteadas pelas assomadas das fronteiras colinas. Entre essas notam-se principalmente duas, a do Mocke, por ser das residências mais antigas que se estabeleceram nesse aprazível sítio, e a do Dr. Cóchrane.”

 

Ainda hoje, impressiona a magnitude do emprendimento que foi a fazenda Nassau. Suas ruínas grandiosas incluem os remanescentes de um moinho, das canalizações e retificações dos rios e córregos, de alguns trechos de calçamentos dos caminhos, de uma queijaria, de plataformas para secagem de café, de habitações comunais para os escravos, de uma mansão de dois andares e de dois outros edifícios que lhe são contíguos.

 

Muito breve, também o topo da Pedra Bonita, até aquela data incólume, seria completamente devastado. O naturalista britânico George Gardner de visita ao Rio, em 1836, deixou registrado no livro Viagem ao Interior do Brasil ter visto a derrubada de toda sua floresta para uso como carvão vegetal em apenas um ano.

 

De fato, quando Gardner nos visitou, praticamente todo o atual Parque Nacional da Tijuca já estava tomado por lavouras. Nas proximidades do Alto da Boa Vista, havia os Beaurepaire-Rohan, os Scey-Montbéliard, Marie Delvel e Guilherme Midosi, além de vários brasileiros; no vale dos Ciganos também eram inúmeros proprietários, entre os quais sobressaíam a Fazenda Cantagalo de Ramalho Ortigão, cujas ruínas subsistem majestosas até hoje no meio da Floresta e o Engenho da Serra, do Coronel Thedim Siqueira; no Andaraí Pequeno estava a fazenda Murumbi do inglês John Rudge, no sopé da Pedra da Gávea havia o sítio Sorimã de Aldo Bonardi e, na vertente Jacarepaguá, destacavam-se o sítio do Sertão, pertencente a Bartholomeu José de Campos e a Fazenda do Quitite, pujante propriedade que a partir de 1853 foi adquirida por Marcos Dellesderrier.

 

Hildebrant nos deixou excelentes quadros retratando esta última fazenda que, posteriormente, chegou a pertencer ao Presidente João Goulart. O caminho em pé de moleque que a ligava ao Alto da Boa Vista ainda existe parcialmente intacto.

 

Os resultados dessa ocupação tão intensa por médias e pequenas propriedades são óbvios ainda hoje ao excursionista do Parque. Ali não se caminha meia hora sem deparar com a ruína de uma construção, os restos de uma trilha histórica ou a planura de um patamar escavado em alguma encosta para a plantação.

 

Os mesmos europeus que revolucionaram o cultivo do café na Tijuca, trouxeram ao Rio de Janeiro, na mesma época, um hábito que iria marcar a história da Floresta e do Parque da Tijuca até nossos dias.

 

Eram cientistas e botânicos de passagem pela cidade, tais como Burmeister, Spix, von Martius e Darwin, ávidos de ver um pouco da Mata Atlântica, que subiam ao Corcovado ou aos píncaros da Tijuca, onde a inclinação não permitira o café chegar; eram aquarelistas e pintores em busca de belas paisagens a retratar; ou, mais comumente, eram apenas cidadãos comuns em busca de lazer. Uma alegre cavalgada, um apetitoso pic-nic, uma visita às fazendas onde era possível comer frutas européias e uma fuga das agruras do clima tórrido da baixada Carioca compunham esse passeio que, a partir da chegada da Família Real, incorporou-se à rotina do Rio de Janeiro. Raro é o relato de viajante europeu de passagem pelo Rio na primeira metade do século XIX que não inclui uma visita à Tijuca.

 

Até mesmo a Família Imperial passeava. D.Pedro I era assíduo visitante de Gestas e esteve algumas vezes com Mocke. Sua Esposa, a futura Imperatriz Leopoldina, escandalizava o Rio em longas cavalgadas quando, vestida de amazona, recusava o silhão feminino e montava como homem. A Princesa ia amiúde à Tijuca fugir dos mosquitos e do calor tórrido, únicos fatores que a impediam de considerar o Rio o paraíso na Terra. Um dos seus destinos favoritos era o Jardim dos Manacás, onde reunia em agradáveis pic-nics as damas da nobreza luso-brasileira.

 

Já, D. Pedro II gostava de ir à Mesa do Imperador e, mais para o fim do Século XIX, ao próprio Alto da Boa Vista, onde se hospedava seguidamente no Palacete Itamaraty— ainda hoje de pé— o que acabou por valer à sua proprietária, como prova do agradecimento de Sua Majestade, o título de Viscondessa.

 

No outro extremo do Parque, ainda em 1824, uma trilha foi aberta até o Corcovado por D. Pedro I em pessoa, tendo logo se tornado o grande passeio da Corte. Desde então e até hoje, o Corcovado tem sido um dos pontos turísticos mais visitados do Brasil. Os próprios Imperadores faziam questão de recomendar a empreitada a quem estivesse de visita à cidade. O diplomata francês Gobineau, chegou a reclamar da insistência de D. Pedro II para que lá fosse.

 

Quem subiu, não se arrependeu. Seria possível encher um livro inteiro com citações de regalo dos turistas. Um dos primeiros e mais famosos a fazê-lo, Darwin, ali esteve em 1832:

 

“ Nessa elevação (o Corcovado) a paisagem enfeita-se com tintas tão brilhantes, as formas e as cores sobrepujam tanto em grandeza tudo o que o europeu viu em suas terras, que lhe faltam expressões para descrever o que sente”

 

Durante muitos anos, subir ao Corcovado aos domingos tornou-se hábito. As senhoras, por vezes paravam pelo caminho a lanchar em Dois Irmãos, na altura da rua Almirante Alexandrino, enquanto os homens prosseguiam até o topo do morro. Tal rotina só foi interrompida durante breve período, quando a área andou infestada de bandidos e desertores do Exército, ademais de servir como refúgio para um quilombo, mas a procura pelo pico era tanta que a polícia se sentiu pressionada a resolver o problema, o que fêz, reabrindo a trilha em 1829.

 

Em pouco tempo, os passeios começaram a ser feitos cada vez mais sob o sol e a vista desabrida revelava sempre mais desolação e abandono. O café cedo cobrou seu preço ao Rio de Janeiro. Os mananciais assorearam-se e, sem ter as copas das ávores para amortecer a queda dos pingos de chuva, a erosão do solo aumentou muito, carreando barro para os córregos e rios e fazendo chegar aos chafarizes na cidade uma água cada vez mais turva, cheia de impurezas e menos potável.

 

Já em 1824, uma forte seca atingiu o Rio. Repetiram-se problemas de abastecimento d’água em 1829, ensejando a edição de leis para obstar o corte de árvores em 1830, 1833 e 1834. As duas últimas sancionadas no decorrer da sede provocada pela estiagem de 1833. Não adiantou. Em 1844, mais uma seca causaria transtornos à população. O desmatamento da Tijuca era sempre apresentado como vilão e a solução apontada por todos era o reflorestamento das cabeceiras dos rios.

 

Não havia, contudo, dinheiro suficiente para desapropriar as fazendas de café, cujo valor de mercado era proibitivo, até que, em 1843, houve um mal que veio para o bem. Naquele ano, a borboletinha, uma praga fortíssima, tomou conta dos cafezais da Tijuca, destruindo plantações inteiras e levando muitos fazendeiros à falência.

 

Talvez a desapropriação das primeiras plantações para fins de reflorestamento houvesse ocorrido já naquele momento, não fosse uma séria epidemia de febre amarela que grassou no Rio, ceifando centenas de vidas e acarretando a fuga das classes abastadas para as altitudes mais saudáveis da Tijuca nos meses de verão. Essa tendência fêz com que muitas das antigas fazendas fossem retalhadas em chácaras e vendidas a bom preço para compradores pertencentes à mais estratificada elite imperial.

 

Acabariam por adquirir sítios na Tijuca nesse período, ou pouco depois, gente da estirpe do Barão de Mauá, do Conde de Bonfim, do Barão de Itamaraty e do Dr. Cochrane. Com eles, muda o perfil da propriedade, que diminui de tamanho e muda a rotina da Tijuca, que passa a ser encarada como uma grande estação de veraneio. Exarcebam-se os costumes inicialmente lançados pelos europeus. Passa a ser comum encontrar jovens passeando pelas trilhas da Tijuca a cavalo ou a pé. A Mesa do Imperador e a Pedra Bonita impõem-se como destinos de pic-nic à juventude. Se antes era moderno visitar a Tijuca, agora é moda. Não há família de posses ou com alguma aspiração social que não o faça a cada verão. Para os menos abonados, desde 1854 já há o Hotel Bennett.

 

A demanda parecia ser tanta que houve até quem quizesse investir na melhoria do transporte coletivo entre a Cidade e o Alto da Boa Vista. Em 1857, o doutor Cochrane, sogro do político e romancista José de Alencar, faliu ao tentar implantar uma linha de bondes ligando o Centro ao Alto, via Jardim Botânico. Pelo lado da Tijuca, o bonde chega à rua Conde de Bonfim em 1859 e à Muda em 1870. Sua propaganda nos jornais da Cidade conclamava o cidadão a despender um dia nos climas salubres da montanha, pegando “o primeiro tramway ainda ao raiar da madrugada”.

 

Enquanto a cidade se esgoelava à mercê da falta d’água e das epidemias, a Tijuca cavalgava de dia e bailava à noite. Raro é o romance da literatura nacional que tenha feito história naquele período sem levar seus personagens à Tijuca. Em Machado, se o Conselheiro Ayres mais tarde será um comensal do Hotel das Paineiras, Capitu e Bentinho elegem a Tijuca para passar a lua de mel. José de Alencar, verdadeiro amante da Floresta, a retrata mais do qualquer outro escriba e dedica um romance inteiro, Sonhos d’Ouro, aos passeios, festas e namoros no Alto da Boa Vista. Em Aluísio de Azevedo, o estudante maranhense Amâncio, personagem principal de Casa de Pensão vai à Tijuca esticar a pândega e Leandro de Oviedo, o genro do Livro de Uma Sogra, reside na Tijuca em uma “deliciosa chácara, com seu cottage ao fundo, na fralda da montanha, escondido entre árvores floríferas e cercado por um jardim de rosas e camélias” onde “livre de qualquer febre…dá magníficos passeios, a cavalo e de carro pela Floresta, à Vista Chinesa à Gávea” pelos “brancos caminhos serpeados entre montanhas de veludo verde; árvores patriarcais, de longas barbas venerandas, em que se engripam e dependuram orquídeas e parasitas; o lago quieto e melancólico, em que as taquaras e samambaias se miram furtivamente, por entre a esparsa e mergulhada cabeleira de algas e nenúfares; a música plangente das águas rebatidas, de cascata em cascata, a sombra amorável e doce das grutas escondidas; tudo isso, todas essas paragens encantadas…Palmira e Leandro seguiam cavalgando emparelhados, a rir e a conversar donairosos, resplendentes e soberbos no orgulho do seu amor”.
 
Foi nesse clima de bailes, cavalgadas, carteado e namoricos que as primeiras desapropriações na Tijuca com fins de reflorestamento ocorreram.
 
Era o ano de 1856, a situação do abastecimento de água na Cidade seguia crítica. Na Tijuca, todas as terras propícias à agricultura estavam tomadas pelo café, ainda que sem a produtividade de outrora. Só restava mata nos topos dos morros e nas encostas demasiadamente inclinadas.
 
Ainda assim, foi necessário que um político de peso de colocasse à frente do processo para que as expropriações ocorressem. Tratava-se de Luís do Couto Ferraz, futuramente Barão e, depois, Visconde do Bom Retiro, agricultor, deputado, ministro de Estado, empresário de relevo, presidente do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura e morador da Floresta da Tijuca. Bom Retiro era um intelectual refinado e amigo pessoal do Imperador. Sem seu empenho pessoal, talvez não tivéssemos hoje o Parque Nacional da Tijuca.
 
À frente do Imperial Instituto, patrocinou a reflexão intelectual entre a elite brasileira acerca da serventia das florestas como mantenedoras dos mananciais, reguladoras do clima, fontes de saber botânico e áreas de lazer. Bom Retiro era um homem sintonizado com o seu tempo. Seguia uma corrente de pensamento em voga na Europa, sobretudo na França e Inglaterra, que estava pondo em questionamento os efeitos deletérios da Revolução Industrial sobre a qualidade de vida. Espalhavam-se, então, parques pelas capitais do mundo civilizado como forma de tornar a vida urbana mais saudável. Na Alemanha, surgia o movimento defensor da identidade cultural germânica, que clamava pela destruição das cidades e pela volta aos campos. É a época de ouro dos paisagistas que remodelam o Bois de Boulogne em Paris e desenham dezenas de novos parques na Inglaterra.
 
A visão é hegemônica entre as classes pensantes e, pela primeira vez na história do homem, trata a natureza como algo mais que um inimigo, um estorvo a ser removido ou apenas um bem econômico. A idéia de que uma floresta é um bem a ser preservado pelo seu valor botânico e por razões estritamente ligadas ao lazer e à recreação são absolutamente novas mas ganham rapidamente força, mesmo fora da Europa.

Nos Estados Unidos, acabam por desembocar, em 1872, no estabelecimento do primeiro Parque Nacional do mundo, Yellowstone. Na Austrália, em 1879, é criado o Royal National Park que, na visão do então Primeiro Ministro da Província da Nova Gales do Sul, John Robertson, era “uma necessidade para que os habitantes de Sydney pudessem escapar das agruras da vida urbana e ter acesso à recreação em um ambiente natural”. É importante notar, entretanto, que as primeiras intervenções nesse parque australiano seriam consideradas sacrilégio em dias atuais. Aterraram-se manguezais para o plantio de gramados e introduziram-se animais exóticos—coelhos, raposas e veados — para que fosse possível ao visitante a visualização da fauna. Outro exemplo interessante é o do Parque Nacional Kruger, na África do Sul, criado no fim do século XIX ao redor de Skukuza, uma pequena vila cuja principal atividade econômica era abrigar turistas em busca da oportunidade de ver em seu habitat natural os Big Five— leão, leopardo, elefante, hipopótamo e rinoceronte.
Ao contrário do que se tem defendido na linha historiográfica tradicional, recente tese da pesquisadora Cláudia Heynemann nos mostra que também a Floresta da Tijuca nasceu com a dupla função de preservar os mananciais e de funcionar como área de lazer para os cariocas, elevando assim a capital do Império à categoria de metrópole civilizada.
Para o próprio Bom Retiro essa idéia estava muito clara, como demonstra Heynemann ao reproduzir relatório do Barão sobre o reflorestamento da Tijuca, naquele momento, já em curso: “(quando estiver concluído o reflorestamento) nossas florestas ocuparão uma área assaz extensa, tornando-se ao mesmo tempo excelentes lugares de recreio e passeio público…”.
Os primeiros anos em que o governo iniciou o processo de indenizações com fins de expropriação foram difíceis. Alguns proprietários resistiram, tentando obstar a tomada de suas terras, ao tempo em que o governo foi acusado pela oposição de estar pagando preço demasiado alto por terras arruinadas. Em meio à controvérsia, sendo dono de mais de um lote na Tijuca, Bom Retiro fêz questão de dar o exemplo, submetendo à desapropriação, em 1859, de um sítio que havia adquirido para residência do filho.
Finalmente, em 1861, é criada a Floresta Nacional da Tijuca, a ser formada por propriedades que o Estado desapropriara mediante indenização, naquela altura, já uma extensão significativa de terras. Percebe-se daí a origem de um nome que se transformará para sempre em toda sorte de confusão para os cariocas. O termo Floresta, quando referente à Tijuca, desde seus primórdios não guarda relação com uma parcela de mata mas com uma unidade administrativa, que era diferente da Floresta das Paineiras ou da Floresta do Andaraí Grande, hoje também partes do Parque Nacional da Tijuca. Novamente, recorremos a Aluísio de Azevedo, que em Livro de Uma Sogra mostra bem que a Floresta da Tijuca, em sua concepção, era uma área bem delimitada que sequer abarcava os terrenos que incluem a Cascatinha: “Realizamos um belo passeio à Floresta da Tijuca,..foi deliciosa a subida até o alto da serra, por entre as vegetações e os penhascos da estrada. Não quisemos nos deter na Cascatinha, e continuamos a subir para a Floresta”.
Também é interessante a passagem do romance Sonhos d’Ouro de José de Alencar, publicado em 1872, no qual podemos ver claramente que o termo Floresta da Tijuca sequer designava uma porção de selva existente, mas sim uma mata a plantar: “ lembrou-se o moço de subir até A Floresta, um dos mais lindos sítios da Tijuca. O nome pomposo do lugar não é por hora mais do que uma promessa; quando porém crescerem as mudas de árvores de lei, que a paciência e inteligente esforço do engenheiro Archer têm alinhado aos milhares pelas encostas, uma selva frondosa cobrirá o largo dorso da montanha onde nascem os ricos mananciais.
Há 145 anos atrás, a bela Floresta da Tijuca que deu origem ao Parque não existia. Em lugar das árvores havia uma centena de pequenas e médias chácaras, algumas para o veraneio das famílias ricas da Corte, outras o retrato da decadência das outrora opulentas plantações de café que transformaram a Tijuca no motor econômico do Império. Hoje, o reflorestamento já deu resultado e ligou em uma só mata as diversas florestas da Tijuca, da Gávea Pequena, do Andaraí, dos Ciganos e das Paineiras. Para o habitante contemporâneo do Rio, ela é uma só, basta olhar para qualquer morro da cidade e ver árvores que pronto: lá está a Floresta da Tijuca. Para os cariocas, tudo é Floresta da Tijuca, a ponto de o site de um dos maiores jornais do Rio de Janeiro afirmar que “Entre os destaques da Floresta da Tijuca estão as Paineiras, o Corcovado, o Mirante Dona Marta….”. Apenas a administração do Parque insiste em achar que a luxuriante Floresta da Tijuca do século XXI segue tendo os acanhados limites da desbastada Floresta da Tijuca de meados do século XIX.
O Decreto de criação da Floresta Nacional da Tijuca, de 1861, também cria a Floresta das Paineiras— naquela época, uma floresta diferente e sem a relação de subordinação administrativa que tem hoje— e determina que ambas sejam reflorestadas. Foram designados para dirigí-las, respectivamente, o major da Guarda Nacional, Manuel Gomes Archer e Tomás Nogueira da Gama.
Interessante é que, na sua origem, o Decreto, no seu artigo 10, dá a solução para o sempre presente problema da gestão do futuro Parque Nacional da Tijuca. Ao determinar que os administradores das Florestas da Tijuca e das Paineiras fossem nomeados pelo Ministério, enquanto os outros empregados deveriam pertencer aos quadros do Município da Corte, o Decreto criou o Parque Nacional da Tijuca tal qual o conhecemos hoje. Inaugurou-se na fonte o regime de Gestão Compartilhada entre o governo central e o poder local, fórmula administrativa de sucesso a qual se retornou em 1999, após anos de turras que resultaram em abandono e decadência do Parque.
A primeira muda do reflorestamento foi plantada em 4 de janeiro de 1862. Daí em diante, o trabalho de Archer foi enormemente facilitado pelo apoio de Bom Retiro no que se refere a sustentação política contra os proprietários locais (um dos descendentes de Taunay chegou a processá-lo) e quanto a recursos financeiros e humanos. Na reconstrução da Floresta, o Major deu preferência a espécies nativas de Mata Atlântica, cujas mudas mandava buscar nas Paineiras, mais bem conservadas que a Tijuca, e em Guaratiba, onde era ele mesmo proprietário da Fazenda Independência. Se encontrou alguma oposição entre os fazendeiros que teimavam em permanecer em terras marcadas para desapropriação, teve a simpatia da burguesia citadina, que via o reflorestamento pelas lentes de Bom Retiro.
Nesse sentido, é paradigmática a doação de mudas de aroeira, pinho e erva mate, trazidas do interior do Paraná, pelo comerciante Bernardo de Oliveira.
O trabalho de reflorestamento foi feito inicialmente com seis escravos da nação, cujos nomes Constantino, Eleutério, Leopoldo, Manuel, Maria e Mateus entraram para a história da ecologia nacional.Com o tempo, porém, cada vez maior era o número de trabalhadores assalariados sob a supervisão do Major, o que o permitiu levar a contento a tarefa dupla de reflorestar os mananciais e de construir uma área de lazer.
Para dar cumprimento a essa segunda missão, Archer escolheu meticulosamente uma pequena diversidade de espécies exóticas pelo critério de seu valor ornamental. Estudou e aprendeu os melhores conceitos de paisagismo da época, refez trilhas e caminhos, procurando embelezá-los com uma mistura de plantas locais e estrangeiras em um arranjo que privilegiava o impacto visual à retilinidade da rota. Onde pôde, substituiu os caminhos coloniais, meras serventias de transporte, por percursos que não levam nada a lugar algum mas são um fim em si mesmos, belos e aprazíveis. Aliás, nesse sentido, deliberadamente contrariou o Decreto de Reflorestamento que determinava o plantio “em linhas paralelas retas entre si, sendo as de uma direção perpendiculares às de outras”. Nas palavras de Escragnole, seu sucessor, reproduzidas por Heynemann, graças a Archer: “as árvores são plantadas promiscuamente e não por grupos, o que tornaria monótono o aspecto da floresta”.
A faina de reflorestamento deu-se de forma paralela a novos processos de desapropriação que, à medida que iam sendo concluídos, aumentavam a área a ser trabalhada pela equipe do Major.
Archer esteve à frente do reflorestamento durante doze difíceis anos, seja por conviver in loco com futuros ex-proprietários, seja por que as promessas de novos recursos humanos e financeiros que lhe faziam nunca fossem cumpridas a contento. De fato, não fosse a amizade pessoal de Bom Retiro com D. Pedro II e o prestígio pessoal do próprio Archer junto ao Imperador, a quem chegou a acompanhar em viagem à Exposição da Filadéfia, o reflorestamento talvez não tivesse tido continuidade.
Embora o número de funcionários à sua disposição tenha sido sempre crescente, o advento da Guerra do Paraguai drenou recursos humanos e materiais aos cofres da nação em cifras jamais igualadas, antes ou depois, na história do Brasil. Naturalmente, esses anos de penúria, de 1865 a 1870, tiveram seus efeitos sobre o orçamento dos trabalhos da Tijuca. Crise que, apesar de geral, muitos historiadores contemporâneos confundem com descaso para com o reflorestamento.
Ainda assim, os avanços de Archer foram impressionantes. Segundo números anotados pessoalmente por ele, ao iniciar sua tarefa havia na Tijuca 16.075 árvores. Seu trabalho adicionou cerca de 80 mil novas mudas, das quais 45.777 vingaram.
Em 1874, Archer é exonerado, o que atualmente, muitos vêem como uma derrota do projeto de recuperação ambiental que dirigia. Na verdade, tratou-se de uma promoção: D. Pedro II o levava para administrar a Quinta Imperial em Petrópolis. Quanto à sua missão na Tijuca, Archer a dá por terminada porque cumprida, dependendo os benéficos resultados do reflorestamento, em suas próprias palavras, “muito mais da ação do tempo do que dos cuidados do homem. Archer não errou, 150 anos depois de plantada a primeira muda do reflorestamento, o tempo agiu sobre o trabalho do homem e legou ao Brasil a melhor floresta urbana do mundo. Cabe a nós agora zelar para que essa Mata espetacular dure pelo menos mais um século e meio.

 

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Comentários 2

  1. Marcia diz:

  2. Lucas diz:

    Boa, tem que durar muito mais!