Bonito, Mato Grosso do Sul – Com a proposta mágica do desenvolvimento sustentável, acrítico e de consumo fácil, o conceito de sustentabilidade, de origem biológica, bem mais antigo e cientificamente consistente, se tornou espetacularmente popular servindo para pintar de verde tudo e qualquer coisa ao mesmo tempo, ainda que sem qualquer conexão com o propósito original. Tanto é assim que, talvez, sejam duas das palavras de origem científica, nos mais diversos idiomas, mais usadas do planeta. Conforme ouvi do eminente professor e honesto conservacionista, Fernando Fernandez, da UFRJ, uma rápida e simples busca no Google, dá a dimensão da situação: só a palavra sustainable aparece 184 milhões de vezes enquanto sustainability outras 89,3 milhões, sustentável 17 milhões e sustentabilidade outras 15 milhões, num total de mais de 300 milhões de citações, ou 0,3 bilhão, em apenas duas línguas! Se juntarmos outras línguas importantes do mundo o número certamente passa da casa do bilhão de referências, incorporando variações para todos os gostos e interesses. Assim, não é necessário muito esforço para lembrar de expressivos equívocos em termos de sustentabilidade na arena das políticas públicas, do mundo empresarial privado e campo da sociedade civil. Vejamos alguns deles.
A energia hidroelétrica, definida como renovável e, portanto, “sustentável”, tem justificado quaisquer quantidades de represas, muitas delas inaceitáveis quanto aos seus impactos ecológicos e, mesmo, sociais. O etanol, combustível verde do Brasil, porque produzido de cana-de-açúcar, tem sua sustentabilidade frequentemente questionada devido aos prejuízos ambientais do seu processo produtivo e ao duvidoso saldo do seu balanço energético – não bastasse isso, com a descoberta do pré-sal, nada sustentável, desapareceu do discurso nacional como resposta para a crise energético-ambiental mundial. A expansão da agropecuária sobre remanescentes florestais de todos os rincões brasileiros, destacadamente a Amazônia, tem sido justificada como meio para manter o crescimento “sustentável” das exportações, que não incorporam nos seus preços nem a mínima parte das suas externalidades ambientais. Neste caso, além de insustentável, porque veículo de seu potencial fracasso amanhã em decorrência de mudanças climáticas para as quais contribui, é também um equívoco estratégico como opção de desenvolvimento, embora negócio politicamente vigoroso como mostrou a bancada ruralista ao impor fragorosas derrotas ao governo nas votações do Código Florestal.
Nas empresas, chegamos ao promissor triple botton line dos relatórios corporativos de sustentabilidade, mas neles o mundo real do tripé econômico, social e ambiental da sustentabilidade tem se resumido, em geral, apenas a cartas de boas intenções, com relatos do cumprimento de obrigações legais e limitada prática filantrópica. No grande espectro, obviamente, há de tudo, mas constituem honrosas exceções os casos de gestão de negócios e investimentos com avanços concretos no rumo da sustentabilidade. Por outro lado, são comuns comportamentos distintos de grandes corporações multinacionais conforme o país de atuação – neste caso variando do positivo ao bastante negativo, conforme a falta de exigência local e do controle dos stakeholders dos países de suas matrizes. Há, ainda, a quase absoluta falta de conhecimento e controle das empresas sobre suas cadeias de suprimentos, notadamente em aspectos relativos ao cumprimento das legislações trabalhista e ambiental.
Da arena da sociedade civil, de onde se propagam muitas boas ideias para os governos e para as empresas, frequentemente saem posições radicais ultrapassadas ou utopias sem sentido e no campo do desenvolvimento sustentável não foi diferente, sendo um destaque da inconsistência sócio ambientalista a incrivelmente aceita mítica das “populações tradicionais” amistosas para com a natureza, uma ideia defendida por Rousseau no século XVII que não resiste a nenhuma análise científica consistente. Com essa mítica vêm a delimitação e a destinação política de áreas na forma de reservas para extrativistas diversos e populações quilombolas, em geral em franco confronto com a conservação da natureza e necessária justa inclusão socioeconômica dessas populações via produção. Fundamentada em boa medida em visão idealista e nostálgica sobre a propriedade coletiva, que mais favorece a tragédia dos comuns que qualquer solução ecológica e socioeconômica consistente, a ideia tem raízes no esquerdismo mais ultrapassado e politicamente correto que carece de inteligência. O grau de baixa agressão à natureza dessas populações, quando de fato existe, nada mais é que resultado apenas do baixo grau de tecnologia (e de educação) e da falta de capital para adquiri-la, algumas vezes combinadas com baixas densidades demográficas.
Mencionando demografia impossível não pôr em pauta a sistemática e genérica desconsideração, ou omissão intencional, da questão populacional global para a sustentabilidade. Malthusiana ou não, essa questão é mais do que relevante, mesmo que regional ou nacionalmente, como no Brasil, esta possa ser uma questão secundária. O aumento populacional ainda é um fator crítico para a sustentabilidade num planeta limitado, de recursos finitos e já abarrotado de gente, e as suas consequências afloram a todo momento e em todo lugar, em geral noticiadas como genocídios tribais, migrações ilegais em massa, revoltas populares pelo acesso a água e outros recursos, entre outros.
Então, de que sustentabilidade trataremos na Rio+20? A considerar os rascunhos dos documentos declaratórios da convenção, tudo indica que da mesma que prevaleceu nas duas décadas transcorridas entre 1992 e 2012. Afinal, “uma mentira reconfortante é, em geral, uma opção mais palatável que uma verdade inconveniente”, porque está imporá resoluções com dores, e assim seguiremos pintando de verde ou adjetivando de sustentável tudo aquilo que social, econômica ou politicamente interessar, independentemente da qualidade do futuro que legaremos.
Leia a primeira parte desse artigo
Os 20 anos entre a ECO92 e a Rio+20: parte I, o processo
E conheça…
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