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Fortaleza: acampamento em prol do Cocó já dura dois meses

Ativistas ocupam o Parque do Cocó, área verde dentro da capital cearense na qual a prefeitura quer construir um conjunto de viadutos.

Júlia Lopes · Livino Neto · Raissa Veloso ·
5 de setembro de 2013 · 11 anos atrás

Na manhã da segunda-feira, 02 de setembro, a juíza da 9º Vara da Fazenda Pública, Joriza Magalhães Pinheiro, declarou que é de competência da Justiça Federal julgar o processo que envolve a área do Parque do Cocó atingida pela construção de viadutos, promovida pela Prefeitura de Fortaleza. Por se tratar de terreno de marinha, cabe à Justiça Federal decidir sobre o interesse da União no local, nos termos da súmula 150 do Superior Tribunal de Justiça. Segundo a decisão, a juíza encaminha os autos à Justiça Federal “tendo em vista a expressa manifestação de interesse da União na presente ação”.

Fortaleza está surpresa consigo mesma. E não só pelo acampamento que se mantém há quase 50 dias no Parque Ecológico do Rio Cocó, uma área de proteção estadual de 1.150 hectares situada dentro dos limites da capital. O local é objeto de constante disputa do mercado imobiliário, apesar de não ter valor de mercado por ser, a partir do que diz o Plano Diretor da Cidade, uma Zona de Proteção Ambiental. Nem apenas pela lembrança das jornadas de junho, que chegaram a reunir cerca de 100 mil pessoas na manifestação do primeiro jogo da Copa das Confederações, pelos arredores da Arena Castelão, no dia 19. É tudo isso e um pouco mais: vive-se um momento único de debate sobre a cidade.

Histórico

Um dos principais fatos políticos na capital cearense, o #OcupeCocó teve início em julho, logo depois que o poder municipal, capitaneado pelo prefeito Roberto Cláudio (PSB), anunciou no dia 05 a construção de um conjunto de viadutos no cruzamento das avenidas Engenheiro Santana Jr. e Antônio Sales, no bairro de mesmo nome do Parque. Não bastasse a solução encontrada pela Prefeitura para dar agilidade ao entorno, em vista aos demorados engarrafamentos, ser descontextualizada e considerada retrógrada por arquitetos e urbanistas, a obra previa o corte de árvores localizadas em uma área de mangue já bastante fragilizada. Os ativistas, atentos, se dirigiram ao local e por lá permaneceram, dando início a uma das ocupações mais longas da história da cidade.

O debate se deu logo nos dias seguintes: enquanto o governo municipal seguia reafirmando a necessidade da obra, os manifestantes questionavam a ausência do Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima) específico para esse conjunto de viadutos. O estudo apresentado pelo poder público foi elaborado para um conjunto genérico de obras previstas pelo Programa de Transporte Urbano de Fortaleza – Transfor. Além disso, a Secretaria de Infraestrutura, responsável pela obra, nunca mostrou o projeto dos viadutos, apenas a maquete virtual. Não houve audiências públicas ou debates com a sociedade sobre a intervenção, que vem sendo desenhada desde o governo de Juraci Magalhães, no final dos anos 90. Outro dado importante trazido pelos manifestantes é a lembrança da Zona de Preservação Ambiental, que exige índice de permeabilidade de 100% – o que determina que nenhuma construção pode ser feita na área.

A luta pela preservação do Parque existe há pelo menos 30 anos, quando aquela porção foi devastada para dar lugar a uma salina. A salina foi desativada e o verde floresceu. O movimento também conquistou uma vitória, em 2009, numa área próxima onde hoje está o acampamento as dunas milenares e parabólicas com um tipo de vegetação cada vez mais rara no Estado. A Lei 9502 de 2009 determinou ser Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE). Em 2008, foi criado um grupo de trabalho no âmbito do Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente (Conpam), com representantes dos órgãos ambientais das três esferas para retomar a implementação do parque, delimitando sua área física e qual o tipo de Unidade de Conservação que viria a ser criada, de acordo com as características e atributos ambientais específicos do local. Este grupo de trabalho apresentou o resultado dos estudos realizados e concluiu que área adequada é de 1.312 hectares.

Ação ilegal

No dia 08 de agosto, Fortaleza amanheceu de sobressalto: às quatro da madrugada, de forma imprevista, o Pelotão Especial da Guarda Municipal invadia o acampamento, usando balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo contra manifestantes que ainda dormiam. Naquela manhã, a truculência teve feições de operação de guerra: manifestantes foram agredidos sem terem reagido. A Guarda agrediu parlamentares como os vereadores João Alfredo (PSOL) e Guilherme Sampaio (PT) e foi truculenta com a ex-vereadora Rosa da Fonseca e a ex-prefeita Maria Luiza Fontenele. Quebraram o carro de um manifestante porque este não concordou em entregar o celular que usava para fazer imagens da invasão. Dois ativistas conseguiram furar o bloqueio e subiram na copa de duas árvores, enquanto máquinas e tratores continuam a derrubada das outras.

O acesso à área foi fechado e o trânsito de uma das áreas nobres da cidade parou. A resistência durou todo o dia e a repressão também, ainda que a Guarda Municipal atuasse sem autorização, de forma ilegal, sem mostrar nem mesmo a identificação obrigatória no fardamento. Às 7h, três pessoas haviam sido detidas e encaminhadas para o 2o Distrito Policial, de onde foram liberados por volta das 9h. Advogados da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap) e a Defensoria Pública acompanharam os depoimentos e constataram que os manifestantes foram presos de forma arbitrária, sem terem cometido qualquer ilegalidade.

Vitória do movimento

No dia 22 de agosto às 7h30 da manhã, o oficial de justiça notificou o acampamento da decisão da justiça de emitir um mandato de reintegração de posse. Foi dado um prazo de até três horas para a saída das pessoas. A decisão do acampamento, no entanto, era resistir. Os ativistas se recusaram receber a notificação e convocaram militantes e movimentos sociais para integrar a corrente. Resistiram prendendo-se às árvores, subindo às suas copas e cantando músicas de luta, enquanto pintavam o próprio corpo, em um protesto contra a criminalização do movimento.

Do lado de lá da rua, se armava o aparato de repressão com o Batalhão de Choque numa investida contra os manifestantes. Mesmo a trilha que desemboca no acampamento, por dentro do Parque, foi tomada por policiais. O relógio contava 11 da manhã. Pouco antes, chegaram ao acampamento representantes de instituições como a Organização dos Advogados do Brasil (OAB-CE), Defensoria Pública, os procuradores da república Oscar Costa Filho e Marcio Torres e Ministério Público argumentavam, junto à força policial e jurídica, a necessidade de ouvir o que diziam os acampados. Era necessária mediação para evitar confrontos.

De dentro do acampamento, as forças de apoio se chegavam. Movimento Sem Terra (MST), Índios Pitaguary, movimentos sociais de diversas bandeiras. “Essa obra é um absurdo… Querem construir um viaduto que não tem passagem para pedestre e nem ciclovia”, dizia uma manifestante. “Está vestido de preto, está sem identificação e batendo nos outros? É capanga de político”.

Pouco depois do meio-dia, gritos eram ouvidos em diversos pontos do acampamento – o procurador Márcio Torres nem tinha tido a oportunidade de entregar a boa nova – de alguma forma, aquilo já havia se espalhado. A juíza responsável pela A juíza responsável pela ação do Cocó, Joriza Pinheiro, suspendeu a execução da liminar de reintegração de posse.

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