Campo Grande (MS) - A Polícia Militar Ambiental de Mato Grosso do Sul (PMA-MS) prendeu na tarde de sábado (22) um grupo de pessoas que caçava animais silvestres em uma das mais belas propriedades rurais do Pantanal Sul, a fazenda Santa Emília, que outrora fora sede da Pousada Araraúna, voltada ao ecoturismo, e sediou há alguns anos a base de pesquisas de campo da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp).
Os policiais vinham investigando denúncias referentes à prática de caça na região e, com mandado de busca e apreensão em mãos, flagraram cinco homens que haviam abatido, naquele dia, cinco jacarés, e apreenderam várias armas, munições, facões e redes de pesca. No entorno da sede da fazenda, os militares encontraram outras três carcaças de jacarés, uma de capivara, outra de queixada e ossadas não identificadas, indicando que a prática de caça era costumeira por ali. A apreensão foi registrada em vídeo pelos próprios policiais e é chocante.
O proprietário da fazenda, o pecuarista Ugo Furlan, 69 anos, negou, em entrevista ao site Campo Grande Newsque a prática seja comum no local. Segundo ele, foi a primeira vez que isso aconteceu. Furlan disse que houve uma festa no local, com parentes e amigos, parte deles do estado de São Paulo, e que o responsável pela caça dos jacarés foi o irmão de um funcionário. De acordo com ele, havia entre 25 e 30 pessoas na fazenda. “Para minha surpresa, quando acordei, vi os jacarés na carroceria da caminhonete”. Segundo, ele, diante do que já havia ocorrido, a decisão foi de comer os animais.
Foi então que a Polícia Militar Ambiental chegou e prendeu Furlan e mais quatro pessoas, que foram soltos após pagar fiança na Delegacia de Polícia Civil de Aquidauana. Pelo crime ambiental de caça ilegal, os acusados poderão ser condenados a seis meses a um ano de detenção; pelo porte ilegal de arma, de dois a quatro anos de reclusão; pela posse ilegal de arma, de um a três anos de detenção e, pela formação de quadrilha, pena de um a três anos de reclusão. Além disso, cada autuado recebeu multa administrativa de R$ 2.500,00 reais pela caça dos animais silvestres. Juntas as punições somam12.500,00 reais.
Além disso, o proprietário da fazenda não possuía licenciamento ambiental para funcionamento da pousada e foi multado em mais R$ 50.000,00. Ele também responderá por este crime de funcionar atividade potencialmente poluidora sem autorização ambiental. A pena prevista é de três meses a um ano de detenção.
Apesar de negar a organização das caçadas, o pecuarista defende mudanças na legislação ambiental. Ele afirma que na região onde fica sua fazenda há milhares de jacarés: “Eles chegam a mudar a cor do barranco, quando estão todos juntos”.
Furlan disse ainda que é comum que fazendeiros matem os animais clandestinamente, crime ambiental muito praticado na década de 1980, ocasião em que o Pantanal foi cenário de verdadeiras batalhas entre coureiros e a Polícia Florestal (denominação da época).
Quanto à multa por falta de licenciamento ambiental para atividade turística, Furlan alegou que não é justa, haja vista que só desenvolve a pecuária na área, comprada há um ano.
Turismo ilegal
Caçadas e safáris no Pantanal não são novidade. No ano passado a Polícia Federal, através de solicitação do Ministério Público Estadual, motivada por denúncia da PMA, realizou a prisão de um grupo acusado de comercializar pacotes turísticos ilegais, de caça de onças no Pantanal.
Mas o que chama a atenção da ocorrência é o fato da propriedade já ter sido uma base de pesquisas científicas e pousada de ecoturismo, além da atividade pecuária. O local sediou o Projeto Arara Azul, da bióloga Neiva Guedes, dentre outros de suma importância para o desenvolvimento sustentável do Pantanal. Entre 2000 e 2008 a fazenda era propriedade da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp).
A Fazenda Santa Emília fica no município de Aquidauana, com 2.618 hectares, na sub-região do Pantanal do Rio Negro,uma das mais preservadas devido ao difícil acesso, a cerca de 250 km de distância de Campo Grande, capital sul-mato-grossense. Tem uma das melhores infra-estruturas do Pantanal Sul, incluindo uma pista de pouso de aeronaves com pavimentação asfáltica.
O ex-proprietário, professor Pedro Chaves dos Santos, ex-reitor da Uniderp, lamentou o fato ao jornalista blogueiro Marco Eusébio: “Como a propriedade servia para atender estudos de preservação ambiental da universidade, quando vendemos a Uniderp para a Anhanguera não tinha mais sentido ficar com a pousada e resolvi vender a fazenda a terceiros”, afirmou o professor. “A pousada era aberta à comunidade internacional e recebeu pesquisadores da Alemanha, dos Estados Unidos e de outros países, inclusive sediou estudos do projeto Arara Azul”, relembrou.
Trabalho de inteligência
Vídeo da PMA mostra parte do arsenal apreendido
|
O chefe do Núcleo de Educação Ambiental e de Comunicação da PMA, capitão Ednilson Queiroz, confirma que as denúncias já vinham ocorrendo há meses, inclusive contendo fotografias de cervos, catetos, queixadas e outros animais abatidos e sendo “carneados”. Então o comando determinou a realização de um trabalho de inteligência (investigação) para conseguir efetuar o flagrante.
Queiroz explica que, para tal, foi necessária montar uma operação que envolveu policiais de vários municípios: “O Pantanal tem suas barreiras naturais que dificultam a fiscalização. Muitas vezes estamos realizando operações fluviais ou terrestres, enquanto os caçadores chegam por avião. Então, é muito difícil, mas temos trabalhado incessantemente”, conta ele, que é Doutor em Ecologia e Conservação pela UFMS.
“O que temos percebido é que a população pantaneira não tem aceitado esse tipo de crime ambiental e tem denunciado esses delitos. Felizmente, são casos esporádicos”, explica. A PMA tem um efetivo de aproximadamente 380 policiais, entre homens e mulheres, para atuar ao longo dos 357 mil km2 de Mato Grosso do Sul.
A bióloga Neiva Guedes, idealizadora do Projeto Arara Azul, conta que trabalha no Pantanal há mais de 20 anos e que conhece muitas fazendas em quase todas as sub-regiões do Pantanal de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: “Esse tipo de caça, por esporte, só tenho visto com gente de fora do Pantanal. Pessoas que não tem ligação com a região e nem com a conservação. Acho a atitude dos caçadores covarde, pois trabalhei na região e na fazenda, por mais de cinco anos, enquanto foi propriedade da universidade. Parabenizo a ação da Policia Militar Ambiental e gostaria que os dirigentes e políticos modificassem a leis para que crimes como esse não fiquem impunes e os caçadores não fiquem em liberdade”.
*Fabio Pellegrini é jornalista em Campo Grande e colabora com ((o))eco como free-lancer
Leia também
Herdeiros da guerrilha pantaneira
Leia também
Novas espécies de sapos dão pistas sobre a história geológica da Amazônia
Exames de DNA feitos em duas espécies novas de sapos apontam para um ancestral comum, que viveu nas montanhas do norte do estado do Amazonas há 55 milhões de anos, revelando que a serra daquela região sofreu alterações significativas →
Documentário aborda as diversas facetas do fogo no Pantanal
“Fogo Pantanal Fogo” retrata o impacto devastador dos incêndios de 2024 sobre o cotidiano de ribeirinhos e pantaneiros e as consequências das queimadas para a biodiversidade →
R$ 100 milhões serão destinados à recuperação de vegetação nativa na Amazônia
Com dois primeiros editais lançados, programa Restaura Amazônia conta com recursos do Fundo Amazônia e da Petrobras →