A cidade histórica de Laguna (SC), palco de atos heroicos de Anita e Giuseppe Garibaldi nos idos da Guerra dos Farrapos (1835 – 1845), assiste a novo e não menos emocionante embate: vereadores e empresários mobilizados pela “urbanização” de morros da Praia do Gravatá, reconhecida dentro e fora do Brasil como uma das mais belas do nosso litoral.
O movimento encabeçado por vereadores como José Luiz Siqueira (PT) e Vilson Elias Vieira (PSDB) ganhou corpo em emendas ao Projeto de Lei Complementar 003/2012 para alterar o plano diretor da cidade e, de lambuja, liberar parte do Gravatá para prédios, casas, loteamentos, carros, asfalto – aquela conhecida e desgastada fórmula de progresso.
À boca pequena, se ouve que empresas do ramo da olaria seriam as donas do pedaço e estariam movendo mundos e fundos para angariar votos na Câmara lagunense. Ora, como sabemos, parlamentares eleitos pelo público defendendo interesses privados não é fato incomum à realidade política brasileira.
A postura dos dirigentes municipais, é claro, não agradou a boa parte da população e a ambientalistas, que compareceram em peso às sessões legislativas onde o projeto e emendas poderiam ser aprovados. E foram, por maioria de votos.
Pressionado pelas manifestações e pelos ministérios públicos Federal e Estadual, o prefeito Everaldo dos Santos (PMDB) prometeu vetar o polêmico projeto e nota da Câmara de Vereadores afirma que o mesmo foi arquivado. “Usando de bom senso e para evitar conflitos entre o novo Código Florestal, a legislação ambiental federal e a legislação municipal, o Vereador Roberto Alves, presidente da Câmara, com a anuência dos demais vereadores determinou o arquivamento do referido projeto, permanecendo em vigor o texto atual da Lei Orgânica do Município de Laguna, que impede a aprovação de loteamentos nestes morros, inclusive na Praia e Morro do Gravatá, serenando os exaltados ânimos de alguns populares”, se lê neste link.
Todavia, a questão da possível ocupação daquele belo pedaço de Mata Atlântica segue merecendo olhos e ouvidos atentos. Afinal, a economia antropocêntrica ainda vê espaços livres da ocupação humana como inúteis, verdadeiro desperdício.
Joia rara
A Praia do Gravatá já figurou em concurso internacional como das 40 mais admiráveis do mundo e está entre os cada vez mais raros pontos do nosso litoral aonde só se chega a pé. Garantia de paz.
Com cerca de um quilômetro, a trilha de acesso começa em um extremo da chamada Ponta da Barra e percorre trechos sombreados de Mata Atlântica, campos e morros cobertos de butiá. O fruto amarelado e doce é muito apreciado em sucos e sorvetes. Considerada “deserta”, a praia é muito frequentada por surfistas, pescadores artesanais e campistas.
Por isso, o movimento de moradores de Laguna tenta garantir a conservação regional com o desenvolvimento do ecoturismo, com a criação do Parque Municipal da Praia do Gravatá e com a preservação do Aquífero da Praia Grande, que abastece famílias de pescadores do Farol de Santa Marta. Essas medidas chegaram a ser apresentadas pelo vereador Eduardo Nacif Carneiro (PP), ainda sem resultados, e seriam freios definitivos às iniciativas de urbanização descontrolada que ameaçam o local.
Ocupação do litoral
Apesar de soar como pontual e isolada, a questão da possível degradação da Praia do Gravatá remete diretamente ao futuro da ocupação, conservação e uso sustentável de nossos mais de 11 mil quilômetros de litoral e das zonas costeira e marinha.
Nos últimos dias de 2013, o deputado Sarney Filho (PV/MA) protocolou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6969, dedicado a instituir uma “Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro”. A proposta é fruto direto do trabalho de várias ONGs, pesquisadores e especialistas brasileiros e pretende ampliar iniciativas de conservação e de uso racional e colocar ordem no avanço de planos e projetos de infraestrutura sobre a nossa costa. Fundamental.
Por sua vez e também no ano passado, o Governo Federal encaminhou o Projeto de Lei 5.627 para tentar regulamentar a cobrança de taxas de ocupação dos chamados terrenos de Marinha. A proposta merece atenção redobrada em ano eleitoral, pois teria efeito direto de engrossar o caixa federal e pode levar à consolidação da ocupação humana em espaços que deveriam na verdade ser conservados, na Mata Atlântica, Pampa, Caatinga, Amazônia e zona costeira.
Em suma, terrenos de Marinha são faixas de terrenos da União situadas a 33 metros da linha média de marés altas e baixas, usando como referência os contornos de nosso litoral em 1831 (!!). Há outros 17 projetos de lei e duas propostas de emenda constitucional sobre o tema no Congresso Nacional.
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