Em 2011, quando fiz parte de um programa de integração entre jornalistas na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, passei vários meses estudando como a mídia britânica – em especial as versões online da BBC News e The Guardian – vinha reportando o tema das mudanças climáticas, em uma tentativa de encontrar um modelo que pudesse ser aplicado à incipiente cobertura brasileira sobre o assunto. O que encontrei foi o mesmo tratamento raso e ultra cauteloso que vínhamos praticando no Brasil. Oito anos depois, as coisas – finalmente – parecem estar mudando, pelo menos em terras britânicas.
Há duas semanas, o Guardian informou à sua audiência que está atualizando seu “manual de redação” para introduzir termos que descrevem mais acuradamente a crise ambiental que o mundo está enfrentando. A partir de agora, o veículo utilizará termos como “emergência climática”, “crise climática” ou “colapso climático” ao invés do usual “mudança climática”.
Segundo o veículo, também é preferível que seus jornalistas usem o termo “global heating”, em detrimento do “global warming”, que em português possuem o mesmo significado – aquecimento global -, mas que, em inglês, trazem pesos muito diferentes: “warm” é associado a algo brando, morno; “heating” é sinônimo de ferver.
Com a mudança, o Guardian pretende assegurar uma cobertura cientificamente mais precisa e clara sobre o tema. “A expressão ‘mudança climática’, por exemplo, soa bastante passiva e gentil quando o que os cientistas estão falando é uma catástrofe para a humanidade”, disse a editora-chefe do veículo, Katharine Viner, ao anunciar a nova linha editorial.
A alteração no manual de redação do Guardian foi tomada após a publicação de dois relatórios de referência global relativos à crise ambiental: um sobre a urgência de cortes nas emissões de dióxido de carbono, outro sobre a aniquilação da vida selvagem e dos ecossistemas da terra. O veículo também levou em conta as considerações de cientistas climáticos, da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Met Office, o serviço de meteorologia britânico, que têm mudado gradativamente o uso das terminologias.
A modificação na forma de reportar as mudanças climáticas não está só no Guardian. Em setembro de 2018, a BBC orientou seus jornalistas: “Vocês não precisam mais de um ‘negador’ [das mudanças no clima] para balancear o debate”, disse Fran Unsworth, diretor de notícias da BBC, em uma nota enviada aos seus profissionais. Ao anunciar as mudanças em sua política editorial, a corporação de mídia declarou: “Mudanças Climáticas vem sendo um assunto difícil para a BBC, e nós cobrimos isso errado muito frequentemente”, assumiu.
Em agosto de 2018, 57 proeminentes ambientalistas britânicos já haviam anunciado: “Nós não vamos mais discutir com aqueles que negam que a mudança climática causada pelo homem é real. Há uma abundância de debates vitais sobre o caos climático e o que fazer sobre isso; isso [negar] simplesmente não é mais um deles. Pedimos às emissoras que sigam em frente, como estamos fazendo.”
Abrir mão do que nós, jornalistas brasileiros, chamamos de “ouvir o outro lado” é um passo enorme para uma corporação de mídia. Mas a medida foi tomada pelo simples fato de que não dá mais pra negar que o mundo passa por uma grande transformação climática, que nós somos os culpados e que cada vez mais estudos são publicados com confirmações nesse sentido.
Parece óbvio que a mídia precisa acompanhar esse movimento, mas os veículos de comunicação, em sua maioria, se negam a “seguir em frente”.
Mudança lenta demais
O modo como a mídia cobre as mudanças no clima do planeta, as consequências do fenômeno e as formas de mitigar e adaptar, tem ajudado a moldar a percepção do público sobre o assunto e, através disso, afetar como a ciência é traduzida em políticas públicas. Por isso, o trabalho de jornalistas importa em muitos e diferentes aspectos.
Em seu livro “Why the Media Matters in a Warming World: a guide for policymakers in the global South” (Por que a mídia importa em um mundo em aquecimento: um guia para formuladores de políticas no Sul Global), o biólogo inglês e especialista no tema, Mike Shanahan, declarou: “A luta contra as mudanças climáticas pode ser vencida ou perdida nas páginas dos jornais, na TV, no rádio, na internet e nos aparelhos celulares… Mudança climática é o contexto em que nossas vidas serão vividas. Sua escala e impactos nas próximas décadas vão depender das decisões que tomamos nos próximos anos. Informação será crítica”.
A primeira vez que a Ciência do Clima apareceu nos meios de comunicação foi no início da década de 1930, em um artigo publicado pelo New York Times. No começo da década de 1950, os meios de comunicação começaram a reportar as mudanças que vinham acontecendo no clima do planeta mais claramente, mas foi apenas na década de 1990 que o tema começou a ganhar a atenção das empresas de mídia.
É certo que na última década houve um aumento no número de pesquisas que tratam do assunto, o que ajudou em sobremaneira a embasar o trabalho de jornalistas. Mas a produção científica sobre as mudanças climáticas não é nova. Em 1988, o físico James Hansen, da agência norte-americana Nasa, já alertava para os efeitos do aquecimento global no planeta e ao longo das décadas seguintes, a balança de pesquisas científicas sempre pendeu para o lado daqueles que afirmavam que o clima estava mudando, e não para o dos que negavam o fato.
Ao comentar a mudança na linha editorial da BBC News, especificamente, o professor Ed Hawkins, cientista climático da Universidade de Reading disse: “Este conjunto de orientações da BBC está muito atrasado. Houve muitas ocasiões em que o público da BBC foi enganado sobre as realidades da mudança climática”.
Diante de tantas evidências sobre o tema das mudanças no clima e do grande desenvolvimento do jornalismo científico em todo mundo, cabe a nós, comunicadores, nos questionar: a quem estamos enganando?
Na Inglaterra, as coisas já estão mudando. Eu pergunto: quando vamos começar essa mudança, definitiva e formalmente, aqui no Brasil?
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Excelente artigo! Precisamos repassar essas discussões aos comunicadores e erradicadar o trágico negacionismo que ainda existe dentro das redações.
Se era divulgação que queria, fizeram esse favor: https://www.instagram.com/p/ByLLYerAEqO/?igshid=1…
Que engraçado (pra não dizer outra coisa)! A mídia querendo censurar "o contraditório", mais do que já o fizeram. Sinal que a censura que reinou até agora não funcionou e não irá funcionar 😁. É só o início! A verdade sempre aparece: 28/10/2019 – audiência pública no Senado Federal com cientistas denunciando a farsa do aquecimento global (mudanças climáticas, emergência climática, crise climática) ou como queira chamar. Sempre irão criar um título novo quando perceberem que o usual não está fazendo o efeito desejado. Ou melhor, pelo próprio nome a mentira se denuncia. Quando percebem o tropeço, mudam a nomenclatura. Mas que coincidência, se observarem, a data desse texto é a mesma da audiência, poucas horas depois de ter sido encerrada. Parece uma tentativa desesperada de calar aqueles que denunciam a farsa, após perceberem que eles ganharam espaço. Dizer que milhares de publicações (bem incentivadas) são provas das "mudanças climáticas" é fácil. Quero ver os autores das publicações e a colunista assistirem à audiência e conseguirem refutar os cientistas que denunciaram o Terrorismo Climático (essa é a nomenclatura adequada), porque eles conseguiram muito bem. Assina: uma Meteorologista que teve bons professores, não doutrinadores. E bom senso, indispensável. https://youtu.be/MP3Rp6iQq6A https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/201…
Parabéns, Izana.
Estou muito cansado para ler este tipo de matéria, mas depois que li seu comentário, fiquei curioso e li toda a coluna.
É apenas mais um aperto no parafuso do eco-terrorismo ambiental.
Os cientistas refutaram esses negacionistas chifrim ai, no mesmo Senado. Agora se a sra acha que não promover negacionista e gente que acha que a Terra é plana é censura, vai ler a página do Olavo de Carvalho, minha senhora. Tá na página errada