Ambientalistas e pessoas de bom senso no Brasil inteiro respiraram um tiquinho aliviados na última quinta-feira ao ler nos jornais que Jair Bolsonaro, nosso virtual presidente eleito, não pretende mais sair do Acordo de Paris. Ufa! Um problema a menos. Agora a gente já pode se concentrar nas quatrocentas outras ameaças que ele vem fazendo contra o meio ambiente, a democracia e os direitos humanos. Né?
Hm, pode ser. Mas eu mantenho as barbas de molho.
Afinal, se há uma coisa consistente na trajetória do capetão, digo, capitão, é sua inconstância. Bolsonaro tem zero compromisso com a realidade. É conhecido por recuar de posições e recuar do recuo com a mesma facilidade e às vezes em poucas horas – quem não se lembra da história da ida ou não aos debates no primeiro turno, por exemplo? Em qualquer candidato normal, isso seria visto como inépcia para o exercício do poder. No deputado, é tratado como “flexibilidade” e ausência de dogmatismo. Mito.
Esse comportamento de biruta de aeroporto não tem nada de casual. Faz parte do manual do líder populista, que deriva seu poder da capacidade de surpreender o tempo todo, deixar a oposição em choque constante e manter seus apoiadores sempre animados com ações de última hora. Como ensina Hannah Arendt, movimentos totalitários “só podem permanecer no poder enquanto estiverem em movimento e transmitirem movimento a tudo o que os rodeia”. A expressão não existia nos anos 1950, mas o que Arendt quis dizer é que populistas autoritários precisam gerar buzz. E Bolsonaro é mestre em gerar buzz. Em ser o assunto do dia todos os dias nas redes sociais, em ganhar a manchete do jornal quando fala qualquer cretinice e também a manchete do dia seguinte quando a desmente. É expert em ser o tema das conversas de boteco, contra ou a favor.
Se você acha que já viu um comportamento parecido em algum outro líder político, é porque viu. Seu nome é Donald Trump. E seu comportamento em relação ao Acordo de Paris e outros temas pode ter lições a ensinar ao Brasil de Bolsonaro.
Trump, como Bolsonaro, não tinha (e provavelmente ainda não tem) a mais remota ideia do que seja o Acordo de Paris. Na campanha, chamou o tratado de fraude chinesa. Negou o aquecimento global diversas vezes. Num segundo momento, admitiu que seres humanos tinham “alguma influência” no clima. Depois da eleição, emitiu sinais contraditórios sobre a permanência ou não no tratado e enganou várias bestas. As duas mais famosas foram Al Gore e Leonardo Di Caprio, que se prestaram de ir até a Trump Tower tentar levar dados e fatos ao presidente. Só fizeram gerar mais buzz para ele.
Como sabemos, Trump no fim decretou a saída dos EUA do Acordo de Paris. Contra o bom senso mais elementar, contra as leis de mercado e contra a lógica do próprio sistema energético americano, que já está em franca descarbonização (não fosse assim, Barack Obama jamais teria subscrito o tratado, como não subscreveu o de Copenhague em 2009). E o fez por pura afinidade ideológica: negar a mudança do clima e as soluções para ela tornou-se uma espécie de anauê da direita americana, que contaminou movimentos de direita no mundo todo. Em seu círculo mais fiel de auxiliares, Trump tem negacionistas de raiz, como o cleptomaníaco Scott Pruitt, o secretário do interior, Ryan Zinke, e o lobista Myron Ebel. O aceno foi a eles.
É aqui que Bolsonaro me preocupa. Duvido que tenha opinião formada sobre mudança climática: ele já disse uma vez, em Manaus, que o aquecimento global pode “levar ao fim da espécie humana” (na mesma ocasião, disse na mesma frase que teme a perda de soberania sobre a Amazônia e que quer parceria com os EUA para salvá-la). Mas confunde Acordo de Paris com soberania sobre a Amazônia. Talvez ache que o tratado seja armação do Foro de São Paulo, quem sabe com um dedo da Ursal.
Ocorre que nosso Trump topical também tem negacionistas convictos em volta dele. Aliás, em casa. Seus próprios filhos, Eduardo e Carlos Bolsonaro, respectivamente deputado federal e vereador, rezam pela cartilha da direita americana e são dados a polemizar sobre clima nas redes sociais (O primeiro é mais ecumênico e curte também achincalhar o Judiciário, invocando cabos e soldados para fechar o STF e mandando uma ex-namorada enfiar a Justiça você-sabe-onde). Já Carlos é um negacionista famosinho no Twitter: sempre que faz frio no Rio de Janeiro lá está ele perguntando cadê o aquecimento global. Integra as hostes do PSL também o notório Ricardo Felício, o professor de geografia da USP que encontrou um nicho de mercado para si questionando a mudança do clima.
Diferentemente dos EUA, que têm uma economia diversificada o bastante e bombas atômicas em número suficiente para receber não mais do que protestos indignados da comunidade internacional, o Brasil é um exportador de commodities que pode ter seu comércio exterior prejudicado e investimentos estrangeiros cortados caso Bolsonaro dê a louca com Paris e recue do recuo sob influência de seus garotos. Lobbies como o da cana e o das florestas plantadas possivelmente já estão explicando essas coisas ao deputado. Para completar há um mico internacional à vista: o Brasil está escalado para sediar a conferência do clima de 2019, a COP25.
Mas, como no caso americano, muito pior do que o anúncio formal da saída seria se Bolsonaro começasse a minar as políticas e medidas de corte de emissões. Foi o que Trump buscou fazer ao autorizar Pruitt, então chefe da Agência de Proteção Ambiental, a desmontar uma a uma as regulações sobre poluição implementadas por Obama. Bolsonaro já prometeu “acabar com a indústria de multas” do Ibama e “tirar o Estado do cangote de quem produz”. Mesmo que mantenha formalmente o Ministério do Meio Ambiente (outra de suas idas e vindas), se deixar pecuaristas, mineradoras e madeireiros à vontade para se lambuzar na Amazônia, produzirá um aumento brutal nas emissões por desmatamento. Um cálculo de pesquisadores do Inpe indica que a cifra pode triplicar em relação a hoje em dia, o que faria o país emitir 1,3 bilhão de toneladas de CO2 por ano só por perda de floresta. Isso representa mais de 2% de tudo o que o planeta emite anualmente.
As consequências para o Brasil e para o planeta, num momento em que a ciência nos diz que temos 12 anos para reduzir emissões em 45%, seriam trágicas. Para Bolsonaro isso importa menos: enquanto houver buzz, segue o baile.
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Exato!! não há como questionar os dados jornalísticos e acredito que todos que visitam a página lamentam!! Mas o tom de cinismo e ofensas cria uma situação de descredito e repulsa!!! Que agrada apenas um lado " o esquerdo".
Trump tropical foi demais pra mim.
Ou será que os colunistas resolveram discutir uma ameaça real de um candidato agora eleito que afirma categoricamente que quer acabar com o Ministério do Meio Ambiente? Meu amigo, você está comentando em um site ambiental, quer que oeco fale a respeito de homicídios?
Quis dizer questão ambiental. Desculpem.
E dar ao seu livro um título sensacionalista como "A Espiral da MORTE", não é um tipo de BUZZ ???
"Ameaça aos direitos humanos…" Mais um que não sai da bolha ideológica. Quer ameaça maior ao direito humano do que a ameaça à vida? Pare um pouco pra pensar nos 63.000 homicídios por ano na Banânia. Os colunistas do Eco entraram na campanha mesmo essa semana.