Análises

É a hora do mar

É essencial que entidades ambientalistas tomem conhecimento e apoiem a iniciativa, se posicionem e defendam esse grande passo que o Brasil está dando

Angela Kuczach ·
31 de janeiro de 2018 · 7 anos atrás
Ilha de Trindade. Foto: Enrico Marcovaldi/Projeto Baleia Jubarte.

Em fevereiro de 2017, o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, recebia uma comitiva de ambientalistas para discutir uma pauta tão ambiciosa quanto necessária: um plano de ação para a ampliação e fortalecimento do conjunto de Unidades de Conservação (UCs) Marinhas no Brasil.

Signatário da Convenção da Biodiversidade, e das Metas de Aichi, o Brasil está comprometido a proteger 10% do Bioma Marinho até 2020. Na prática, o mar brasileiro há tempos não estava para peixe, contando com pífios 1,6% de proteção. A maior parte em UCs de Uso Sustentável, aquelas que permitem a extração direta de recursos.

Dono da maior porção oceânica do Atlântico Sul, o país encontrava-se deitado em berço esplêndido. Enquanto isso, no mundo todo uma corrida pelo ouro azul acontecia: entre 2011 e 2017 dezenas de países anunciaram a criação de grandes porções de áreas protegidas marinhas. O assunto, aliás, ganhou especial atenção com a lenta, porém inegável, assimilação das mudanças climáticas: apesar do que acredita o Trump, a temperatura da Terra está aumentando e a culpa é nossa. Proteger a biodiversidade passou a ser mais do que um papo eco-chato. Tentar minimizar os impactos das mudanças climáticas tornou-se nos últimos anos assunto de política e de Estado em todo o mundo.

Não por acaso, países como Estados Unidos e Reino Unido decretaram imensas áreas protegidas nos oceanos do mundo. Por outro lado, países pequenos do Pacífico, diretamente ameaçados pelos efeitos catastróficos dessas alterações climáticas, como Palau, passaram a proteger imensas porções marinhas, chegando a 80% de sua Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Na América do Sul, surgia o exemplo que em pouco tempo ocuparia uma das primeiras posições do ranking mundial: o Chile, que possui hoje cerca de 46% de sua área oceânica protegida. Na Ilha de Páscoa, que pertence ao país, o povo indígena Rapanui solicitou formalmente que o mar fosse protegido.

Enquanto isso… o Brasil, nada!!!!

“Responsável pela gestão de diversas áreas ao longo da costa, é à Marinha que pertencem outros dois tesouros: As ilhas oceânicas de São Pedro e São Paulo e Trindade e Martim Vaz”.

Com o início da gestão atual do MMA, um alento: a esperada e ansiosamente aguardada criação do Refúgio de Vida Silvestre de Alcatrazes. Uma UC pequena, mas significativa, no litoral de São Paulo. Além da incontestável riqueza em biodiversidade, a proteção de Alcatrazes trouxe outro elemento que, cerca de ano e meio depois de sua criação, pode transformar a realidade brasileira no que tange a proteção oceânica: a aliança com a Marinha do Brasil.

Responsável pela gestão de diversas áreas ao longo da costa, é à Marinha que pertencem outros dois tesouros: As ilhas oceânicas de São Pedro e São Paulo e Trindade e Martim Vaz. Localizadas a 1000 e 1200 quilômetros da costa, respectivamente, as ilhas marcam a fronteira leste do Brasil. Além de singulares para a biodiversidade, as áreas são também estratégicas para a defesa do território nacional. No que tange a proteção ambiental, no entanto, São Pedro e São Paulo é hoje categorizada como uma APA, Área de Proteção Ambiental. Para Trindade, nem isso…

Voltando à ambiciosa proposta do grupo de ambientalistas ao ministro, dois pontos se destacavam: a criação de um mosaico de UCs na cadeia Vitória-Trindade e a recategorização de São Pedro e São Paulo. Junto com o pedido, a sugestão do pleito internacional por recursos, disponibilizados por grandes organizações que dia após dia vem anunciando investimento em proteção marinha em diversos países do mundo.

Política vai, desânimo político vem… no cenário instável em que nos encontramos, o Brasil, mais do que nunca, é para os fortes. Apesar disso, o apelo por uma maior proteção marinha crescia no meio ambiental. No embate que vem se tornando os três poderes, e os consequentes ataques a área ambiental, especialmente pela chamada Bancada Ruralista, a cada dia tornava-se claro que olhar para o oceano e protegê-lo, mais do que um desejo, era também uma oportunidade estratégica.

Raia-manta fotografada no rochedo de São Pedro e São Paulo. Foto: Ronaldo Francini.

Parece que o brado dos ambientalistas foi ouvido na Esplanada. Foi com muita alegria que recebemos na última semana a notícia da possível criação de dois grandes mosaicos de UCs Marinhas, com a proposta de recategorização de São Pedro e São Paulo em Monumento Natural, além de ampliação da APA, e a criação de UCs em Trindade e Martim Vaz, também com um Monumento Natural e uma APA. Juntas, as áreas podem somar cerca de 900 mil km², praticamente uma França e meia. De 1,6%, o Brasil passará a proteger cerca de 25% de sua área marinha.

O momento é de celebração, porém os ambientalistas se mostram preocupados com o alto percentual de UCs de Uso Sustentável dentro dos dois mosaicos. Sabe-se que, por exemplo, na região de Trindade, a biodiversidade mal começou a ser descoberta. O pesquisador João Luis Gaspirini, do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal do Espírito Santo, catalogou pelo menos 13 espécies endêmicas lá. Submersa nas águas do Atlântico está também uma imensa cordilheira, cujos picos servem de trampolim para espécies que se deslocam a grandes distâncias, servindo de berçário e banco de alimentação. Gasparini, em entrevista à BBC, cita que “mal começamos a arranhar a casca de ovo” da região, que com 270 espécies de peixes recifais, sendo 24 ameaçadas de extinção, promete ser um dos maiores tesouros nacionais. Já ao redor de São Pedro e São Paulo, especialistas afirmam que a profundidade alcançada, de cerca de dois mil metros, é absolutamente importante para a fauna pelágica e espécies altamente ameaçadas, como os tubarões, hoje caçados às centenas na região. Além disso, apesar de ultrapassar a meta internacional de proteção do bioma, pela maior parte das áreas estarem representadas em APAs, há a correta preocupação de que não haja representatividade suficiente para a biodiversidade. Não obstante, apesar do desejo pelo ótimo, a notícia está sendo aplaudida de pé e é desejo unânime que se concretize.

“É preciso dizer que esse é o grande momento da proteção marinha brasileira, algo que talvez não se repita a esse nível num futuro próximo. Se tudo acontecer como o esperado, o Brasil deixa de ser a vergonha mundial para ter papel de proeminência. É o legado de uma era”.

É preciso ainda destacar o essencial aporte da Marinha, cujo ministro da Defesa, Raul Jungmann, tem agido de forma impecável. Talvez por entender o momento crucial do país, a oportunidade para a proteção da biodiversidade e o indiscutível fortalecimento da soberania nacional, ao decretar essas áreas, Jungmann, dentro de suas atribuições como ministro de Estado, tem colaborado imensamente no entendimento dos processos, buscando sempre manter o diálogo e a porta aberta com o ministro de Meio Ambiente, Sarney Filho.

Há, no entanto, um longo caminho a seguir. Na próxima semana estão marcadas as consultas públicas, no dia 07 em Recife, para São Pedro e São Paulo e no dia 08 em Vitória, para Trindade e Martim Vaz.

O assunto mal foi lançado e já está causando burburinho no cenário internacional. Casada com a proposta de criação dessas UCs, a chamada Iniciativa Azul, idealizada pelo MMA e ICMBio – a partir do embrião entregue no Plano de Ação – deve atrair recursos dos grandes apoiadores para a implementação e gestão das áreas, especialmente se ampliadas as zonas no-take, ou seja, sem uso.

É preciso dizer que esse é o grande momento da proteção marinha brasileira, algo que talvez não se repita a esse nível num futuro próximo. Se tudo acontecer como o esperado, o Brasil deixa de ser a vergonha mundial para ter papel de proeminência. É o legado de uma era.

Para tornar possível, no entanto, mais do que nunca o papel da sociedade é decisivo. É essencial que entidades ambientalistas tomem conhecimento e apoiem a iniciativa, se posicionem e defendam esse grande passo que o Brasil está dando.

Essa é a hora do mar.

E é nossa obrigação defendê-lo.

 

 

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http://www.wikiparques.org/brasil-abre-caminho-para-criar-grandes-mosaicos-de-areas-protegidas-marinhas/

 

 

 

 

  • Angela Kuczach

    Bióloga e Diretora Executiva da Rede Nacional Pro Unidades de Conservação.

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Comentários 5

  1. Raimundo Nonato diz:

    Alice no paí$ das maravilha$.


  2. Julia diz:

    E dizer que as áres de uso sustentável preocupam os ambientalistas? Está mais do que na hora de levarmos a sério as popuações tradicionais e trata-las como coadjuvantes na defesa destes territórios. Quanto mais exclusão, mais pobreza, mais pesca ilegal…. e por ai vai.


  3. João Oriximiná diz:

    Lugares longe pacas, que se auto-protegem pela própria distância. ICMbio não dá conta nem do seu quintal, as unidades do DF, vai vigiar uma unidade no meio do Oceano? Mas nunca! Só vão servir pro governo dar uma melhorada no gráfico de áreas protegidas pra levar pra essas reuniões internacionais, falar que aumentaram tantos % de bioma marinho protegido, né não!?


  4. Everardo diz:

    '…a temperatura da Terra está aumentando e a culpa é nossa". Fake news!


    1. trabalha pra ONG? diz:

      "Desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal." (Millôr F.)