A conservação da natureza, no Brasil e no mundo, já não pode depender apenas de especialistas, instituições ambientais e legislações de proteção. Se quisermos garantir o futuro dos nossos biomas e da vida que neles habita – inclusive a humana –, é preciso envolver toda a sociedade. E isso começa pela educação, principalmente dos jovens.
Foi com essa premissa que a SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental), organização com 40 anos de atuação em conservação da biodiversidade no Paraná, deu início, em 2025, a uma nova fase da Escola de Conservação da Natureza, com o apoio do Global Nature Fund (GNF), fundação alemã dedicada a projetos ambientais e financiada pelo Ministério para Cooperação e Desenvolvimento da Alemanha (BMZ).
A parceria é fruto de um diálogo iniciado ainda em 2021, estimulado pelo biólogo e conservacionista espanhol Ignacio Jiménez Pérez, autor do livro Produção de Natureza: Parques, Rewilding e Desenvolvimento Local. À época, o GNF se interessou pela atuação da SPVS no território da Grande Reserva Mata Atlântica e pelo potencial transformador do projeto educacional que vínhamos desenvolvendo. Após dois anos de planejamento, a proposta foi aprovada pelo governo alemão no segundo semestre de 2024 e, desde o início deste ano, entrou oficialmente em execução.
Com base em um modelo de educação ambiental participativa e territorializada, a nova etapa da Escola prevê a formação direta de 60 jovens, 100 professores e 50 empreendedores nos municípios de Morretes, Antonina e Guaraqueçaba (PR), com impactos indiretos estimados em pelo menos 460 pessoas até janeiro de 2026. O projeto parte de um entendimento essencial: proteger a Mata Atlântica exige engajamento real das comunidades que vivem nesse território.
A educação como ponto de partida
Criada em 2017, a Escola de Conservação da Natureza é um projeto itinerante que busca sensibilizar, informar e instrumentalizar estudantes sobre a importância da biodiversidade e sobre as oportunidades que emergem da relação entre conservação e desenvolvimento local.
A iniciativa se ancora em vivências práticas: trilhas em unidades de conservação, oficinas com pesquisadores, debates sobre sustentabilidade e imersões que envolvem a história, a cultura e o modo de vida das populações locais. Participam jovens de 15 a 18 anos, estudantes de escolas públicas selecionadas com base na proximidade com áreas naturais e nas indicações das secretarias municipais de educação.
Nas atividades propostas, o bioma deixa de ser um simples cenário e se torna uma sala de aula viva. O estudante não aprende apenas a admirar a floresta, mas a compreendê-la como fundamento da sua própria identidade, qualidade de vida e, sobretudo, como possibilidade concreta de geração de renda e pertencimento. O conceito de “produção de natureza” – que atravessa toda a proposta pedagógica – ajuda a traduzir isso: a conservação não precisa ser um entrave ao desenvolvimento, mas pode ser a sua própria alavanca.


Professores como multiplicadores
O papel das escolas e, especialmente, dos professores, é central para o sucesso do projeto. Entendemos que esses profissionais não apenas transmitem conteúdos, mas são referências afetivas e intelectuais dentro das comunidades. Por isso, além da formação dos jovens, estamos capacitando 100 professores das redes estadual e municipal para atuar como multiplicadores do conhecimento adquirido.
Essa formação utiliza como base o Manual do Educador para a Conservação da Natureza – edição Floresta Atlântica, material didático desenvolvido pela SPVS, e está alinhada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), principalmente nos componentes de Ciências, Geografia e Redação. O objetivo é que os conteúdos abordados pela Escola se integrem ao currículo regular, estabelecendo pontes entre a educação formal e a experiência vivida no território.
A expectativa é que, por meio desses docentes, mais de 400 estudantes sejam indiretamente impactados, ampliando o alcance e a profundidade das ações.
Renda, turismo e juventude
Outro diferencial importante desta nova fase do projeto é a articulação direta com o turismo de natureza e a economia restaurativa. Com o apoio financeiro do GNF, vamos oferecer um curso completo de observação de aves (birdwatching), com entrega de kits aos participantes, além de lançar três novas rotas de ecoturismo na região.
Essa estratégia visa preparar jovens e empreendedores locais para explorar de forma sustentável o enorme potencial da Grande Reserva Mata Atlântica — o maior contínuo de floresta do bioma, abrangendo os estados do Paraná, São Paulo e Santa Catarina. O objetivo é que o território deixe de ser apenas um local de partida para quem migra em busca de oportunidades e passe a ser, de fato, um destino viável de desenvolvimento.
Nesse mesmo espírito, cinco estudantes bolsistas serão selecionados, com base em mérito acadêmico e engajamento, para atuar como estagiários em áreas protegidas. Suas atividades incluirão monitorias de campo, levantamento de percepções locais, apoio à criação de roteiros turísticos e produção de conteúdo de comunicação — tudo isso acompanhado pela equipe técnica da SPVS.
Redes, pertencimento e legado
A formação de redes de atores locais é um eixo transversal da iniciativa. Ao longo do projeto, jovens, professores, empreendedores, gestores públicos e lideranças comunitárias serão convidados a dialogar entre si. Prevemos a realização de um grande encontro intersetorial ao final do ciclo, com o intuito de debater os desafios e as oportunidades do território e fomentar a elaboração conjunta de propostas para políticas públicas de conservação e desenvolvimento sustentável.
Para além dos números e das metas, o verdadeiro legado do projeto está na transformação do olhar. A experiência acumulada pela SPVS ao longo das últimas edições da Escola mostra que, quando um jovem passa a conhecer a biodiversidade do seu entorno, ele resgata o orgulho de pertencer àquele lugar. E quando ele descobre que pode viver da floresta em pé, ele escolhe ficar, investir, criar.
A Mata Atlântica não será conservada apenas com cercas, multas ou decretos. Será protegida, sobretudo, pela ação consciente de quem vive nela, nela trabalha, nela sonha. E isso se constrói com escuta, com diálogo, com educação de qualidade.
A Grande Reserva Mata Atlântica pode – e deve – ocupar o lugar de protagonismo que merece no cenário nacional e internacional do turismo de natureza. Mas esse protagonismo só será justo e duradouro se for partilhado com aqueles que historicamente ficaram à margem: as comunidades que dão vida à floresta.
É para isso que estamos trabalhando. E é por isso que formar jovens guardiões da natureza é, mais do que uma estratégia educativa, um ato de esperança.
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