Análises

Futuro é uma palavra feminina

A luta pela paridade de gênero e maior equidade em todos os espaços é também uma questão ambiental ou mais do que isso, uma questão de sobrevivência

Marina Kluppel ·
4 de abril de 2025

O FUNBIO acaba de publicar uma cartilha do Programa Copaíbas intitulada “A questão de gênero nas unidades de conservação” em que joga luz sobre a importância das mulheres para os esforços de conservação das áreas protegidas brasileiras. A publicação apresenta um panorama atual da participação das mulheres na conservação de UCs no Brasil e a importância da representação feminina na construção de territórios mais justos, inclusivos e sustentáveis. A presença de mulheres no dia a dia da conservação da sociobiodiversidade ainda é minoria e enfrenta muitas dificuldades para o alcance da paridade plena, mas seus impactos são profundos e muito relevantes para a promoção de territórios sustentáveis.

A cartilha do Programa Copaíbas consiste em um recorte específico da representação feminina: o da gestão de unidades de conservação. E se na área ambiental a situação não é ideal, o retrato acompanha os dados globais de participação feminina nas instituições, na política e nos espaços de poder.

O Fórum Econômico Mundial publica anualmente, desde 2006, um vasto relatório intitulado Global Gender Gap Report (Relatório Global de Lacuna de Gênero, em tradução livre) sobre as lacunas na paridade de gênero em quatro importantes setores da nossa sociedade: participação na economia e oportunidades; acesso à saúde; atuação na política; e acesso à educação. No seu último relatório, publicado em 2024, lemos que, embora os avanços rumo à paridade de gênero nesses setores caminhem lentamente, a situação atual ainda está longe do alcance da paridade plena.

De acordo com o relatório, o aumento mais consistente na paridade de gênero se situa na política, cuja representação feminina aumentou de 8,3% para 22,8% a nível global nos últimos 18 anos, destacando-se a representação feminina nos parlamentos, que alcançou 33% em 2024, mostrando um crescimento consistente ao longo dos anos, especialmente na América Latina.

Os desafios para o alcance da paridade de gênero nos diversos setores da sociedade, em especial no universo do trabalho, vão desde o machismo estrutural, a falta de equidade no acesso ao trabalho para mulheres com filhos, até a falta da divisão de tarefas no âmbito doméstico, que em geral recaem sobre as mulheres, dentre outros.

De acordo com o relatório Women in the Workplace 2024, publicado pela McKinsey and Company, que consiste de um panorama geral sobre a situação das mulheres no mercado de trabalho nos Estados Unidos, a paridade de gêneros é ainda menor quanto maior o nível hierárquico de uma organização. Nos níveis profissionais iniciais, a representação feminina é de 48%, diminuindo progressivamente na medida que subimos no “pipeline” das organizações, chegando a 29% nos mais altos níveis hierárquicos.

Além de serem preteridas nas fases de contratação, outro desafio dificulta ainda mais o alcance da paridade em todos os níveis organizacionais: o fenômeno chamado “degrau quebrado”. O “degrau quebrado” é a fase da vida da mulher em que ela resolve ter filhos. A partir daí, elas param de crescer nas organizações, enquanto homens, pais ou não, não enfrentam esse mesmo problema.

O desequilíbrio na divisão das tarefas domésticas também é um problema para o alcance da paridade. Ainda de acordo com o Women in the Workplace 2024, quatro entre 10 mulheres com parceiros afirmam que são responsáveis pela maioria dos cuidados com a casa, uma proporção que vem aumentando desde 2016 (sim, aumentando!). Em contraste, um número crescente de homens no mesmo período diz se responsabilizar por esses cuidados de forma igualitária com suas parceiras, o que sugere uma crescente lacuna de percepção relacionada a sua real contribuição em casa entre mulheres e homens.

Bom, a situação atual não é muito encorajadora, mas fato é que a tendência pela paridade é real, e avança. O que me autoriza a fazer um salto para um futuro possível. Você consegue imaginar esse mundo com mais mulheres na política e em posição de liderança nas organizações e nas empresas em geral?

O que as projeções sobre a representação feminina no universo do trabalho têm a ver com a questão ambiental? Sabemos que para efetivamente preservarmos a habitabilidade do planeta, precisamos de aliados em todos os setores da sociedade.

Lutar pela paridade entre os  gêneros não é só uma questão de equidade no acesso a direitos e justiça, mas também uma questão de sobrevivência, porque, afinal, mais mulheres nos espaços de tomada de decisão significa melhores decisões.

Vários estudos confirmam essa afirmação, mas chegarei neles mais à frente. Antes, preciso fazer um esclarecimento. A projeção é matemática, ou seja, ela reflete padrões e tendências observáveis e quantificáveis. A imaginação não pertence ao campo das projeções, mas sim ao campo dos Cenários. Cenarizar futuros possíveis permite que extrapolemos as projeções e incluamos, numa visão de futuro, eventos, movimentos e potenciais efeitos colaterais (positivos ou negativos) de outros aspectos de nossas sociedades não avaliadas nas projeções matemáticas consideradas. Cenarizar futuros nos permite acessar para além das previsões que quase sempre não se realizam. O exercício de imaginar futuros possíveis é, antes de mais nada, um exercício de otimismo.

Construir cenários nos permite, inclusive, sair do fatalismo das projeções que isoladamente nos paralisam, como por exemplo, as previsões sobre o tempo necessário para o alcance da paridade plena em cargos de liderança – que de acordo com o relatório do Fórum Econômico Mundial levaria 169 anos no ritmo atual. 

Mas e se algo inesperado estiver acontecendo nesse momento ou num futuro próximo, que possa impactar de alguma maneira essa trajetória? Claro que é importante saber para onde estamos indo se continuarmos a fazer as coisas como estamos fazendo, por isso as projeções. Mas justamente para concluir que é necessário fazer diferente, se quisermos alavancar melhorias na nossa sociedade. 

Voltando ao convite de imaginar um futuro mais feminino, qual seria o impacto de uma maior participação feminina nos espaços laborais e decisórios para a sustentabilidade do planeta?

A já citada publicação do Projeto Copaíbas reforça a importância da representação feminina na construção de políticas públicas e práticas de gestão mais inclusivas e efetivas para a conservação da sociobiodiversidade. Também, o Grupo de Trabalho em Gênero e Clima do Observatório do Clima produziu um infográfico no qual a relação entre mulheres e a questão climática fica explícita. Embora as mulheres sejam as principais vítimas dos impactos das mudanças climáticas, e certamente por conta disso, elas são as primeiras a atuarem de forma efetiva e inovadora para a mitigação do aquecimento do planeta e a resiliência de suas comunidades.

O envolvimento de mulheres no estabelecimento de acordos de paz garante uma paz mais duradoura, em comparação com acordos mediados exclusivamente por homens, o que fez com que o Conselho de Segurança da ONU estabelecesse políticas de paridade de gênero nas missões de paz internacionais, e protocolos de maior envolvimento de mulheres locais em processos de resolução de conflitos. Porque as mulheres são mais vulneráveis em situações de guerra e violência que os homens, elas seriam as principais interessadas no estabelecimento da paz, ao invés de advogarem pela escalada dos conflitos. Por outro lado, uma visão mais empática por parte de mulheres a serviço das missões também garantiria uma maior efetividade das missões internacionais de paz. É fácil então imaginar a importância de se ter mais mulheres envolvidas em processos de paz num futuro em que os conflitos climáticos e por acesso a recursos naturais estratégicos tendem a recrudescer. 

Não quero dizer que mulheres estão isentas de defenderem pautas destrutivas do meio ambiente. Sem querer cair em estereótipos de gênero, fato é que várias pesquisas demonstram que mulheres em geral têm maior sentimento de conexão com a natureza do que homens. E como a conexão com a natureza é preditor de um comportamento pró-ambiental, imagine se essas mesmas mulheres estiverem em posição de decidir entre o investimento maciço em transporte público nas cidades ou a promoção de incentivos fiscais na compra de veículos particulares? Pela escolha entre a criação de mais áreas protegidas ou o incentivo ao desmatamento para o plantio de commodities? Pela escolha entre explorar novas fontes de petróleo ou investir (de verdade) na transição energética?

Apesar das previsões pouco encorajadoras a respeito da progressão na participação das mulheres na gestão de unidades de conservação e nos demais espaços de tomada de decisão que permeiam nossa sociedade, e, mais ainda, apesar das previsões catastróficas sobre o aumento da temperatura do planeta e da perda de biodiversidade, meu convite é para mantermos a esperança, ao sair um pouco das projeções e pensarmos nossa sociedade de forma mais ampla. 

Mas como bem disse Greta Thumberg, esperança é algo que você precisa fazer por merecer. Construir um futuro com maior participação feminina na gestão ambiental e nos diferentes setores de nossa sociedade é uma luta merecedora de esperança por um mundo verdadeiramente sustentável.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Marina Kluppel

    Analista ambiental do ICMBio e doutoranda em Sustentabilidade no Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB

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