Leandro Narloch mandou mal.
O guru do pensamento politicamente incorreto virou best-seller desmontando “mitos” sobre história, política e comportamento. É bonitinho. Às vezes acerta ou, no mínimo, provoca as pessoas a questionar verdades estabelecidas pouco apoiadas em evidências. Só que às vezes ele mesmo se afasta das evidências para forçar um argumento ou dez. E aí dá ruim. Sua última coluna no site da Folha é um exemplo: uma diatribe antiambientalista que escorrega em fatos e produz – para sermos politicamente corretos – um samba do afrodescendente com problemas psiquiátricos.
Narloch tenta argumentar que ambientalistas são obcecados com o Apocalipse, mas que esse Apocalipse nunca chega, mas que mesmo assim eles continuam insistindo no Apocalipse porque isso vende livro e dá dinheiro para ONGs.
Nada de novo aqui. Frequentemente o ambientalismo é criticado por fazer previsões catastrofistas que não se realizam, mas frequentemente elas não se realizam precisamente por mudanças de comportamento induzidas pelos ambientalistas. Doh. É evidente que ambientalistas exageram e cometem equívocos de vez em quando: trata-se, afinal, de um empreendimento humano. Destacá-los por isso, porém, é preconceito. E visões pré-concebidas costumam estar erradas; Narloch deveria saber disso melhor do que ninguém.
Um exemplo: o colunista critica Rachel Carson, a fundadora do ambientalismo moderno, por ter “apostado” em seu livro Silent Spring (1962) que o DDT e os pesticidas provocariam “extinção de pelicanos na costa Oeste americana”. Na real, não há nenhuma menção a pelicanos no livro de Carson, que tampouco faz qualquer “aposta” – apenas colige dados científicos da época. Mas o banimento do DDT, que ocorreu cinco anos depois de sua publicação, possivelmente permitiu o retorno de pelicanos que estavam quase extintos na Louisiana, na costa Leste.
Especificamente, Narloch cita três fins do mundo que não chegaram: o armageddon das abelhas, que teria sido revertido; a seca no Sudeste, que teria acabado mesmo sem ninguém reflorestar a Amazônia; e o aquecimento global, que não seria tão grave assim.
Sobre este último, diz o nosso politicamente incorreto guru:
“E um novo estudo, publicado em janeiro pela “Nature”, revisou para baixo a sensibilidade climática (a variação do clima de acordo com a variação da emissão de carbono e outros fatores). Segundo os pesquisadores da Universidade de Exeter e do Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido, se a concentração de CO2 na atmosfera dobrar, o planeta vai esquentar no máximo 2,8°C, e não 4,5°C, como o IPCC previa.”
Há um erro conceitual crasso nessa conclusão. Demanda uma explicação longa, mas não vá embora.
O estudo citado tem como primeiro autor Peter Cox, hoje na Universidade de Exeter. Cox ficou famoso no começo do século por formular a hipótese de que a Amazônia sofreria mortandade em massa num cenário de aquecimento global descontrolado. Não é exatamente um cético do clima.
Como Narloch aponta, o artigo de Cox trata de um valor chamado “sensibilidade climática em equilíbrio”. É uma estimativa de quanto o planeta aqueceria caso o nível de CO2 na atmosfera duplicasse instantaneamente. É um componente fundamental dos modelos computacionais de clima.
A sensibilidade climática foi estimada pela primeira vez em 1896 pelo sueco Svante Arrhenius (aquele mesmo, dos ácidos e das bases). Ele previu um aumento de 5oC a 6oC com o CO2 duplicado na atmosfera. Em 1975, o primeiro modelo de clima em computador chegou a um número bem menor: 2,4oC.
Por uma série de problemas que têm a ver com, por exemplo, a representação de nuvens e aerossóis, os modelos têm dificuldade em “resolver” esse parâmetro, e os números têm patinado há 40 anos entre 2oC e 5oC, mais ou menos. Cada um dos cerca de 20 modelos globais usados hoje em dia pelo IPCC, o painel do clima da ONU, tem uma estimativa diferente de sensibilidade climática. Alguns “enxergam” a Terra mais resiliente ao aumento dos gases-estufa; outros, mais sensível. Na soma de todos os resultados, o IPCC considerou, em seu relatório mais recente, o AR5, que a sensibilidade climática em equilíbrio varia entre 1,5oC e 4,5oC, com uma melhor estimativa de 3,2oC.
Cox e seus colegas – e, de resto, todos os modeleiros de clima do mundo – vêm tentando reduzir essa incerteza. Seu trabalho de janeiro aponta um caminho diferente para fazer a estimativa, e dá como resultado uma faixa de 2,2oC a 3,4oC, com uma melhor estimativa de 2,8oC. Descarta as pontas extremas da faixa de possibilidades do AR5. No entanto, sua melhor estimativa é muito parecida com os 2,9oC publicados pelo IPCC em seu quarto relatório, de 2007, para uma concentração de CO2 na atmosfera de 550 partes por milhão (o dobro da máxima pré-industrial).
“Isso não quer dizer nunca que o planeta vai esquentar menos ou que está esquentando menos agora. As medidas mostram que os modelos estão acertando razoavelmente as previsões dos últimos cem anos”, diz Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, membro do IPCC. Se você quiser saber quão bem os modelos vêm prevendo as temperaturas, assista a este vídeo sensacional do Skeptical Science.
O problema é que Narloch confunde sensibilidade climática com projeção de aquecimento. E, como diz Zeca Pagodinho, é igual, mas é diferente.
A projeção de aumento de temperatura depende de quanto CO2 lançarmos na atmosfera nas próximas décadas – pode ser menos ou mais do que o dobro do que havia antes da era industrial. O IPCC traça quatro cenários de aumento de temperatura em seu último relatório: no melhor, o chamado RCP 2.6, o aumento médio no fim do século em relação à média observada entre 1986 e 2005 será de 1oC; no pior, o chamado RCP 8.5, o aumento médio é de 3,7oC em relação à mesma média. Elevações maiores que 6oC são consideradas muito improváveis, mas não foram descartadas.
Portanto, não, o IPCC não “previu” um aquecimento global de 4,5oC que foi repentinamente desmentido por um único paper.
Eu também acho uma merda o IPCC ser tão confuso em relatórios que são chamados de “Sumários para Formuladores de Políticas Públicas” (e que, portanto, deveriam ser compreensíveis para qualquer cidadão com segundo grau completo). E eu também já confundi sensibilidade climática com projeção de aquecimento dezenas de vezes, e de maneiras vergonhosas. Mas a vida é dura mesmo: se Leandro Narloch quiser fazer disso um cavalo de batalha contra o ambientalismo, vai precisar estudar mais.
*Texto originalmente publicado no blog Curupira.
Leia Também
Leia também
Quando o aquecimento global bateu à minha porta
Se havia um lugar do país onde a perspectiva de racionar água parecia irreal há alguns anos, esse lugar era Brasília. →
Enfim, um não recorde climático
Dados da Nasa mostram que janeiro de 2017 é “apenas” o terceiro mais quente da história desde o início dos registros, mas não se anime: Donald Trump e Michel Temer estão aí para corrigir essa falha →
A culpa é sempre do licenciamento
O jornal Valor Econômico dá voz aos empresários da indústria do petróleo e culpa os órgãos ambientais pelo entrave na retomada da economia →
Logicamente o autor do texto lançou mão da carta coringa "vai estudar".
200% certeza que o "grafite" da foto é fake, forjado por um eco-chato esquerdista como se realmente uma pessoa tivesse escrito contra o GLOBAL WARMING e depois o nível do mar subiu e provou-lhe estar errado! Affff
Bansky a o nome do artista
Fake total, claro, alguma dúvida? É como o urso polar em cima de um pedaço de gelo, boiando. Como se o gelo fosse derreter e o urso morrer.
Essa gente sobrevive do barulho que faz, acompanhado de alguns artistas globais, as Bundchens da vida, os Ben Affleck, os Leonardos di Caprio, etc.
Muito comovente.
Carlos, bom dia. A história do grafite você pode conferir nesta matéria aqui: https://www.theguardian.com/artanddesign/2009/dec…
Se você ver o link original onde o texto do Claudio Angelo foi publicado, a imagem é outra. Eu escolhi a obra do Banksy para ilustrar a coluna pelo seu valor estético. Só isso. Não entendi a acusação sobre fake news. Em nenhum momento essa publicação agiu de má fé.
É preciso divulgar esse texto em mídias de maior alcance.
Um vulcão tem uma erupção grande, e temos neve em N. York e Londres em junho, como já aconteceu. Fica simplesmente ridículo a preocupação com o arroto do boi, o peido da ovelha ou a queima de lenha em fornos de pizza, coisas que já li nesta folha.
O aquecimento global é cíclico, estamos numa fase de aquecimento, e não há nada que o homem possa fazer para deter o processo.
O sol, os oceanos, vulcões, etc. são quem mandam. Sugiro a leitura do livro "It's the sun, not your SUV". Infelizmente não me lembro do autor.
Verdade. O autor do livro é o John Zyrkowski.
Mudança climática virou uma religião mesmo. O IPCC só aceita no grupo quem já tem o pensamento igual. E quem questiona já vai pra guilhotina do assassinato de reputação.