Análises

Luxemburgo: uma inesperada meca de esportes ao livre no coração da Europa

O crescente sistema de trilhas do único grão-ducado do mundo soma cerca de 6 mil quilômetros bem sinalizados e conservados

Aldem Bourscheit ·
3 de junho de 2024

O velho GPS resolveu falhar pouco antes de marcarmos com as botas uma sinuosa trilha no centro-norte de Luxemburgo. Dali em diante, o horizonte é salpicado de montanhas, puro contraste com os campos e vales que predominam ao sul do país europeu, encravado entre Alemanha, Bélgica e França.

Confiando na sinalização conservada, bem visível e fácil mesmo para quem não dominar um dos três idiomas oficiais de lá – Luxemburguês, Alemão e Francês -, em poucas horas vencemos aqueles 15 quilômetros (km) de sobe e desce, escoltados por antigas florestas e rios cristalinos. 

Experiências positivas como essa são hoje comuns graças a políticas e investimentos públicos que, desde os anos 1930, estenderam uma rede de trilhas para caminhadas já com cerca de 5 mil km. Elas cortam o país todo e há rotas nacionais com mais de 100 km. Ciclistas têm outros mil km exclusivos, mas compartilham trechos com pedestres. Servidores públicos e voluntários mantêm o sistema todo. 

A Ourdall Promenade é uma das rotas estruturadas para ciclistas e pedestres em Luxemburgo. Foto: FatPigeon_LFT

Botando na balança, temos no Brasil quase 11 mil km de trilhas consolidadas para caminhantes e ciclistas, num território 3.300 vezes maior que o do país europeu. Seus 2.856 km2 são similares à metade da área de nosso Distrito Federal. Contudo, o sistema brasileiro começou a ser pensado e estruturado só no fim dos anos 1990. 

Já a rede luxemburguesa de trilhas poderia ser ainda maior. Os investimentos cresceram nos últimos 15 anos, mas seguem priorizando qualidade e não quantidade. Seguindo a tendência europeia de “menos é mais”, trilhas podem ser desativadas pelo baixo uso e/ou alto custo de manutenção. 

Cerca de 100 mil (10%) dos estimados mais de 1 milhão de turistas anuais praticam caminhadas e outros esportes no país europeu, de onde meus ancestrais cruzaram o Oceano Atlântico em meados do Século 19.

Convivência inusitada

Legalizada em vários países europeus, a caça ocorre muitas vezes nas mesmas épocas e regiões usadas por esportistas e aventureiros. Em Luxemburgo, páginas de órgãos de governo e uma plataforma de geodados informam datas, horários e locais temporariamente liberados para o abate de animais nativos. 

Trilheiros e caçadores podem frequentar as mesmas regiões em Luxemburgo e outros países europeus. Foto: Visit Eislek/Divulgação

“Não houve relatos significativos de problemas entre excursionistas ou grupos semelhantes e caçadores, além de desentendimentos ocasionais. As interações são geralmente civilizadas”, afirmou a ((o))eco o Governo Luxemburguês.

Os números não são precisos, mas há cerca de 2.300 caçadores registrados no país europeu. Eles podem agir sozinhos ou em grupos. Desrespeitar as regras nacionais, incluindo sinalizar os locais de caça, quantias e espécies que podem ser mortas em cada estação, rendem multas pesadas. As cotas anuais envolvem animais como veados, javalis, lebres e coelhos, faisões, patos e pombos, guaxinins e martas.

País onde belas surpresas naturais e culturais surgem de cada cantinho ao longo do território, Luxemburgo é o único grão-ducado do planeta. É uma monarquia-parlamentarista onde um Grão-duque chefia o Estado e, um primeiro-ministro eleito, o Governo. O sistema político é similar ao do Reino Unido.

O Castelo de Vianden é um dos mais conservados e visitados do país. Foto: Alfonso Salgueiro_LFT

Parte de seus cenários rurais e urbanos pode ser conferida na série “Os Segredos de Manscheid” (Netflix), mas o país oferece muito mais. Ele guarda um dos maiores conjuntos europeus de castelos e outras construções medievais, transporte e educação públicos gratuitos, segurança e alta qualidade de vida. Encontrar qualquer lixo em vias públicas é raridade

Mesmo predominantemente rural, Luxemburgo é um dos mais ricos do Velho Continente, tem investido fortemente em tecnologia e inovação e, mostra o relatório de 2023 do Observatório Fiscal da União Europeia, se mantém como um dos principais paraísos fiscais do mundo.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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