Análises

O futuro do agro brasileiro passa pela restauração florestal

Quando bem planejada e adaptada à realidade do produtor rural, a restauração ecológica não é um ônus, ao contrário, torna-se uma aliada estratégica do campo

Ben Valks ·
3 de outubro de 2025

Só vamos conseguir enfrentar as mudanças climáticas se ampliarmos, com urgência e escala, a restauração ecológica em parceria com quem vive e produz no campo, aliados estratégicos para o enfrentamento desse desafio global. O antigo paradigma que colocava preservação e produção em lados opostos já não se sustenta mais. Hoje já sabemos – não só pelas evidências científicas, como pela experiência prática dos agricultores – que o futuro da agricultura e da pecuária depende do equilíbrio entre esses dois pilares: natureza e produção de alimentos, que podem – e devem – caminhar juntas.

Quando bem planejada e adaptada à realidade do produtor rural, a restauração ecológica não é um ônus, ao contrário, torna-se uma aliada estratégica do campo. O Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651/2012) estabelece parâmetros claros para a proteção ambiental nas propriedades rurais, exigindo, por exemplo, a recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais. Cumprir essas determinações não é apenas uma questão legal, mas uma oportunidade de agregar valor à terra e ampliar a resiliência do negócio rural frente às mudanças climáticas.

A restauração de áreas prioritárias traz inúmeros benefícios socioambientais e econômicos: maior disponibilidade de água, controle de erosão, aumento da biodiversidade local, melhoria da qualidade do solo e, consequentemente, redução de custos com o manejo e defensivos agrícolas. Esses benefícios são ainda mais relevantes em regiões onde os efeitos da crise climática já se fazem sentir de forma severa. Em regiões onde a escassez hídrica já ameaça produções inteiras – como mostram levantamentos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) –, recuperar nascentes e matas ciliares significa proteger o abastecimento futuro e assegurar a continuidade da atividade produtiva.

Além dos ganhos ecológicos, há também um valor econômico em jogo. Práticas sustentáveis de restauração vêm ganhando protagonismo no mercado: bancos, seguradoras, fundos de investimento e compradores globais já reconhecem a rastreabilidade e o compromisso ambiental como diferenciais competitivos. Propriedades que cumprem a legislação e demonstram engajamento na regeneração ambiental ganham acesso facilitado a mercados mais exigentes e oportunidades de financiamento verde.

No entanto, é preciso reconhecer: restaurar não uma tarefa simples. Envolve conhecimento técnico, tempo, recursos e, sobretudo, confiança. É por isso que iniciativas sérias, que atuam com base em ciência, planejamento e monitoramento rigoroso, podem fazer a diferença – desde que respeitem a autonomia do produtor e compreendam a complexidade do território. O agro brasileiro está atento a essa nova dinâmica.

É o que temos vivenciado no projeto de restauração do Corredor de Biodiversidade do Araguaia, coordenado pela Black Jaguar Foundation. A meta é ambiciosa: restaurar, em 20 anos, cerca de 1 milhão de hectares de vegetação nativa entre o Cerrado e a Amazônia, dois dos biomas mais importantes do planeta. Trata-se de um dos maiores projetos de reflorestamento em áreas privadas do mundo, e sua força está na cooperação.

A iniciativa é fruto da união de parceiros que, como eu, têm a convicção de que é possível transformar o maior passivo ambiental do país – as áreas improdutivas e degradadas – em solução contra o avanço da crise climática. Até agora, 29 produtores rurais já se uniram ao projeto, totalizando a restauração de uma área equivalente a cerca de 800 campos de futebol. Um avanço enorme, num território onde ainda há muita resistência para o novo. Mas os números, por si só, não contam a história completa.

Cada hectare restaurado é resultado de muito diálogo, planejamento conjunto e uma escuta sensível à realidade do produtor. Para isso, tem sido fundamental fomentar toda a cadeia da restauração. Desde a relação com as comunidades locais, com capacitações e remuneração para coleta de sementes nativas, passando pela produção das mudas, o plantio e manutenção das áreas em restauração e todas as atividades complementares, que fazem essa engrenagem sustentável girar.

Nada disso seria possível sem a dedicação das nossas equipes locais, o investimento na formação continuada de profissionais no campo, e a busca constante aprimoramento das práticas de restauração. Afinal, restaurar florestas não é apenas plantar árvores – é regenerar paisagens, reconstruir relações de pertencimento e criar oportunidades para o desenvolvimento sustentável. Além do importante impacto ambiental que geramos, também estamos promovendo impacto social, implementando iniciativas locais, educação ambiental e capacitação de membros da comunidade local.

É fundamental reforçar que iniciativas como essa não substituem a responsabilidade legal do produtor rural. Nosso papel, como parceiros, é oferecer caminhos para que essa adequação ambiental aconteça com qualidade, eficiência e ganhos mútuos. Nosso objetivo é fornecer recursos legais, financeiros e técnicos para viabilizar a restauração. O cumprimento da legislação ambiental pode, sim, ser um diferencial competitivo e um legado positivo para as próximas gerações.

O mundo está atento à transição para uma economia verde. E o Brasil, por sua biodiversidade única e relevância no agronegócio global, ocupa um lugar central nesse movimento. Os produtores brasileiros agora têm a oportunidade de liderar também na regeneração ambiental. O agro está pronto para essa mudança de paradigma. Com apoio técnico, segurança jurídica e parcerias comprometidas, restaurar florestas pode ser o passo decisivo rumo a um futuro mais resiliente para quem planta, para quem colhe e para todos que dependem da força da terra.

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