Análises

Plot Twist Ecológico: a resiliência de sistemas naturais após a eliminação de goiabeiras

Frutos atraentes de espécies exóticas, como a amoreira e a nêspera, acabam monopolizando a atenção dos frugívoros, que deixam de consumir frutos de plantas nativas

Brisa Marciniak · Michele de Sá Dechoum ·
2 de outubro de 2024

O que acontece quando tiramos de um sistema natural uma peça que foi ali colocada muito tempo depois que plantas e aves nativas vinham interagindo? Ou melhor, o que acontece quando essa parte introduzida é uma árvore invasora que oferece frutos com alto potencial de estabelecer interações com aves nativas desse sistema? Felizmente, e para a surpresa de muitas pessoas, após a eliminação da árvore exótica invasora goiabeira (Psidium guajava), as interações entre aves frugívoras e plantas nativas se diversificaram, e a riqueza de espécies tanto de plantas quanto de aves, aumentou em redes de interações ecológicas. Essa reorganização mostra que o controle de plantas exóticas invasoras pode fortalecer relações ecológicas entre plantas e aves nativas. Ao diversificar as interações entre aves e plantas, a paisagem se torna mais resiliente e capaz de manter sua biodiversidade.

As aves prestam um serviço muito importante na natureza, que é o de dispersar sementes de plantas nativas na paisagem. Nessa interação, as aves conseguem seu alimento e como consequência dispersam as sementes de plantas nativas, possibilitando que novas plantas se estabeleçam. A presença de uma árvore exótica que oferece frutos super atrativos pode alterar essa dinâmica entre as plantas nativas e seus dispersores.

O estudo, recentemente publicado na revista científica Ecological Applications, foi desenvolvido em Joinville, Santa Catarina, em um parque municipal. Antes da intervenção, as aves dependiam quase exclusivamente dos frutos da goiabeira, o que limitava a visita das aves aos frutos das plantas nativas. Com a eliminação da árvore invasora, as aves passaram a consumir uma variedade muito maior de frutos, potencialmente dispersando sementes de diversas plantas nativas e promovendo a diversidade biológica na paisagem.

Mas por que isso é importante?

Embora, à primeira vista, possa parecer vantajoso para as aves ter uma fonte abundante de frutos como os da goiabeira, essa relação gera um efeito cascata que prejudica a vegetação nativa a longo prazo. Esse estudo serve de alerta para evitarmos o uso de espécies exóticas frutíferas em nossos jardins.

Frutos atraentes de espécies exóticas, como a amoreira (Morus sp.) e a nêspera (Eriobotrya japonica), acabam monopolizando a atenção dos frugívoros, que deixam de consumir frutos de plantas nativas. Como consequência, acaba aumentando cada vez mais a população da espécie exótica. Essa mudança enfraquece a capacidade do ecossistema de se regenerar e, a longo prazo, pode reduzir a biodiversidade.

Ao contrário do que muitos imaginam, remover essas árvores invasoras não prejudica a fauna local. Pelo contrário, estimula as interações naturais entre plantas e animais, criando um ambiente mais saudável e equilibrado. Mesmo em um cenário de escassez de alimentos para a fauna nativa, é essencial garantir que os frutos disponíveis sejam de espécies nativas locais.

Compreender o impacto das espécies exóticas invasoras nos ecossistemas é essencial para direcionar ações de manejo que realmente ajudem a conservar a biodiversidade. Essa é uma responsabilidade coletiva, que envolve desde as escolhas que fazemos em nossos jardins e na arborização urbana até o manejo em áreas rurais, naturais e em unidades de conservação, onde órgãos públicos têm papel fundamental.

Está na dúvida se alguma espécie é invasora ou não? Você pode buscar essa informação na Base de dados nacional de espécies exóticas invasoras, gerenciada pelo Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental.

Ave nativa guaxe (Cacicus haemorrhous) se alimenta de araçá (Psidium cattleianum) após o controle das goiabeiras, uma planta nativa do mesmo gênero das goiabeiras. Foto: Brisa Marciniak

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Brisa Marciniak

    Doutoranda do Programa de pós-graduação em Ecologia na Universidade Federal de Santa Catarina

  • Michele de Sá Dechoum

    Docente do Departamento de Ecologia e Zoologia da UFSC, colaboradora do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambi...

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