Uma grande torcida está de olho nas andanças da loba-guará Pequi pelos cerrados do Distrito Federal e Goiás. Afinal, ela é um dos espécimes de lobo-guará em reabilitação, definida como “ação de recuperar as condições sanitárias, físicas e comportamentais de um animal silvestre, de modo que o permita se desenvolver em seu ambiente natural de forma independente e de acordo com as características biológicas de sua espécie”. A torcida, tomada de uma boa dose de ansiedade — considerando que o jogo ainda está no primeiro tempo — espera que ela seja capaz de sobreviver no seu habitat, o Cerrado, desenvolvendo as habilidades típicas da sua espécie para definir um território, encontrar água, alimento, abrigo, caçar, defender-se ou fugir de predadores e potenciais ameaças, comunicar-se, reproduzir, defender os filhotes e ensiná-los a sobreviver.
Diariamente, a movimentação da Pequi é acompanhada pelos sinais enviados ao GPS (Global Positioning System) pelo radiocolar usado por ela. Nos primeiros 30 dias após a soltura, em abril, a Pequi caminhou por uma área de aproximadamente 100 km2. Completados cinco meses da soltura, essa área é cinco vezes maior, sem contar a linha que registra o avanço dela no período de 6 a 12/9, equivalente a 60 km percorridos na direção norte. Essa movimentação intensa, de idas e vindas, indica que a Pequi ainda não estabeleceu o seu território como, por exemplo, a loba Cajuzinha, que tem a Reserva Ecológica Paraíso da Terra no território dela. A propósito, um registro feito por armadilha fotográfica, em julho, sugere que a Cajuzinha estava amamentado.
Em março de 2023, Pequi recebeu um radiocolar doado pelo Smithsonian’s National Zoo & Conservation Biology Institute. No último dia 12, este foi substituído por outro com uma bateria mais duradoura, emprestado pelo Parque Vida Cerrado, que garantirá o registro das localizações da Pequi por pelo menos 18 meses. O radiocolar recebeu um novo drop-off, sistema eletrônico de segurança que conecta as extremidades dele por meio de encaixe controlado eletronicamente e passível de programação para que se solte automaticamente, antes do término da bateria, para ser recuperado e reutilizado.
Ao longo desses cinco meses de novas rotinas na natureza, foi perceptível o amadurecimento da Pequi, traduzido na ampliação gradual das áreas exploradas, nas travessias de rodovias — concentradas nas horas da madrugada —, na evitação de áreas urbanizadas ou com aglomeração humana, na redução do tempo despendido por ela nas breves interações com a equipe de monitoramento — encarregada de avaliar, grosso modo, as condições físicas e o estado de hidratação dela — e na escolha de áreas para buscar água, alimento e para repousar durante as horas mais quentes do dia.
Pequi foi capturada em Goiás e transportada por 75 km (44 km em linha reta) até a Reserva Ecológica Paraíso da Terra, em Brazlândia, DF, local onde foi solta em abril. Após descansar do trajeto de pouco mais de uma hora de duração, ela foi sedada e submetida aos procedimentos planejados: pesagem, mensurações, exame clínico, coleta de sangue, download dos dados armazenados no monitor cardíaco para o projeto Ritmos da Vida e substituição do radiocolar.
O resultado da pesagem da Pequi foi surpresa recebida com alegria: 26,7 Kg. Subtraídos os pesos do radiocolar e da rede usada no procedimento, ela ganhou 2 kg em comparação ao dia da soltura. Considerando o crescimento natural do animal jovem para a fase adulta e os muitos desafios enfrentados após a soltura — sobretudo a escassez de frutos no período da seca e a necessidade de apurar as habilidades de caça —, não causaria espanto se ela apresentasse alguma perda de peso. Pelo contrário, o resultado promissor reflete a boa adaptação da Pequi à vida na natureza, também identificada nas fezes que ela deixou no recinto após retornar da sedação, com uma porção (50%) verde-amarelada com pequenos pedaços (e cheiro) de fruta-de-lobo. No exame clínico, nenhuma alteração ou ferimento foram observados e nos testes laboratoriais, da amostra de sangue, valores dentro dos parâmetros definidos para a espécie. Também não foram encontrados ectoparasitas, como pulgas e carrapatos, provavelmente por conta do tratamento preventivo.
No alvorecer do dia seguinte, Pequi foi transportada de volta ao local onde havia sido recapturada. Após ingerir café da manhã reforçado, com fígado e frutas, se embrenhou na mata. E assim, Pequi segue em suas andanças, para delírio da torcida.
A recaptura, transporte, substituição do radiocolar e soltura da Pequi envolveram um conjunto de técnicos e colaboradores: Ana Raquel Gomes Faria (coordenadora da reabilitação), Bryam Amorim (veterinário da Jaguaracambé), Cláudio Henrique Rabelo (assistente de campo), professora dra. Líria Hirano (Universidade de Brasília), Jeovane Oliveira (Instituto Brasília Ambiental), Lionar Lima (assistente de campo), Marisa Carvalho (Fundação Jardim Zoológico de Brasília), Otávio Maia (colaborador), Paula Damasceno (veterinária do Parque Vida Cerrado), Rogério Cunha (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros – Cenap/ICMBio) e professora dra. Rosana Nogueira de Moraes (coordenadora do projeto Ritmos da Vida).
O projeto “Reabilitação de filhote de lobo-guará Chrysocyon brachyurus em área privada inserida na Área de Proteção Ambiental de Cafuringa, Brazlândia, DF” está registrado no ICMBio/Sisbio (Autorização para atividades com finalidade científica n.º 79552-1). A reabilitação de lobos-guarás está prevista no Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Canídeos Silvestres (PAN Canídeos).
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