Análises

Por que proprietários de reservas naturais merecem mais atenção, respeito e valorização?

A existência e a boa gestão de áreas privadas destinadas à conservação devem passar a fazer parte das prioridades máximas, pois, sem elas, os prejuízos sociais e econômicos serão maximizados de forma incontrolável e sem resolução

Clóvis Borges ·
31 de janeiro de 2024

Um mecanismo inovador criado no Brasil da década de 1990 passou a permitir que proprietários de áreas privadas criassem Unidades de Conservação validadas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação, que regulamenta esse tipo de destinação de áreas naturais, abrindo um espaço para todos que tenham interesse em perpetuar áreas naturais particulares para a finalidade de conservar a natureza. São as chamadas RPPNs (Reservas Naturais do Patrimônio Natural). Essa modalidade se apresenta possível no âmbito federal, mas também pode ser constituída a partir de alguns governos estaduais e, mais recentemente, por alguns municípios que também desenvolveram legislação pertinente. 

Ao longo de três décadas, em números recentes, o Brasil tem 1.859 RPPNs constituídas, perfazendo, aproximadamente, 835.600 hectares. No Paraná são 326, perdendo somente para o estado de Minas Gerais, com 377. Curitiba já apresenta 60 Unidades de Conservação privadas. Cria novas RPPNs de forma gradual todos os anos, demonstrando que esse tipo de uso de parte ou da totalidade de uma propriedade privada, tem cada vez mais adeptos. Dia 31 de janeiro é lembrado o Dia Nacional das RPPNs e a data exige reflexão.

Uma fração menor dessas unidades foram criadas por empresas, ao mesmo tempo em que representam as maiores áreas. Mas é na iniciativa de pessoas físicas, que, por diferentes motivos, estabelecem uma destinação de suas propriedades para a conservação, onde está uma demonstração mais fiel da compreensão do que significa uma atitude de interesse público, no seu mais alto grau. Esses cidadãos e cidadãs são um exemplo para toda a sociedade e cumprem um papel, ainda demonstrativo, de que é possível apoiar o poder público no sentido de reverter o processo continuado de degradação dos Biomas brasileiros, que vêm sendo destruídos. 

Em grande parte, os estímulos para a criação das RPPNs, embora enfatizados pelos órgãos governamentais como algo de grande importância, são ínfimos e, portanto, nada atrativos. Esse fator demonstra que, na maioria dos casos, a criação dessas Unidades de Conservação parte de motivações desconectadas de qualquer interesse financeiro, até porque ainda hoje as áreas naturais remanescentes são vistas pela sociedade como improdutivas e sem valor. O exemplo de Curitiba representa um diferencial bastante interessante, pois o potencial construtivo de áreas destinadas a se transformar em RPPN – Municipal podem receber como retorno da iniciativa a comercialização dos metros quadrados para serem utilizados por incorporadoras para ampliar a construção de áreas já degradadas.

O pequeno município de Extrema, em Minas Gerais, representa o caso mais longevo de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), reconhecendo, há mais de 30 anos, o papel dos  produtores de água, que são proprietários que mantêm suas nascentes e outras áreas adjacentes bem preservadas. No entanto, não podem ser considerados representativos desses casos ainda esporádicos de boas práticas e visão de futuro. Curitiba, Extrema e mais um punhado singelo de casos que merecem aplausos, não vêm proporcionando a implantação de políticas públicas mais abrangentes e que permitam uma contaminação generalizada de práticas desta natureza. O tema ainda se aloja, de forma resistente, no campo das promessas das diferentes instâncias de governo.

Reserva Particular do Patrimônio Natural Aves Gerais, em Minas Gerais, protege quase dois hectares. Foto: Lucas Carrara/Wikiparques.

Passados esses primeiros anos, pode-se afirmar que as RPPNs são um enorme sucesso em termos de iniciativas inovadoras para a conservação da natureza. Ao mesmo tempo, o incremento de eventos extremos causados pelas mudanças climáticas e pela perda da biodiversidade, permitem avanços significativos na mudança de percepção dos diversos atores da sociedade em relação ao papel das áreas naturais conservadas. O patrimônio natural que permite a provisão de serviços ecossistêmicos, que são inúmeros, representa um ativo econômico que cada vez mais necessita de um reconhecimento como um espaço “produtor de natureza”, gerando ativos fundamentais para manter a qualidade de vida e a prosperidade de atividades econômicas. 

A existência e a boa gestão de áreas públicas ou privadas destinadas à conservação, sejam elas Unidades de Conservação ou não, devem passar a fazer parte das prioridades máximas e em nosso processo de desenvolvimento, pois, sem elas, os prejuízos sociais e econômicos, que já se mostram presentes no nosso dia a dia, serão maximizados de forma incontrolável e sem resolução. O advento dos créditos de biodiversidade, produto que vem sendo parte de discussões aceleradas em várias partes do mundo, representa um elemento efetivamente qualificado para incorporar o custo da natureza em todos os negócios.

Um dos mecanismos privados mais relevantes em âmbito internacional surgiu faz alguns anos aqui no Brasil, a partir do desenvolvimento de uma metodologia que permite, de forma robusta e qualificada, mensurar o impacto não mitigável de negócios, de qualquer porte ou ramo de atividade, indicando uma ação voluntário compatível, no suporte a ações de conservação da natureza, preponderantemente na proteção de áreas naturais. A métrica utilizada nesta metodologia proporciona condições de alinhar os impactos dos negócios com medidas na mesma proporção na forma de proteção da natureza, um elemento fundamental para garantir a incorporação deste tipo de prática na gestão ambiental corporativa. O Instituto LIFE (www.institutolife.org) que já conta com várias empresas certificadas, é uma acreditadora capaz de oferecer soluções consistentes para agentes públicos e privados que estejam em busca de um posicionamento efetivo frente à nova realidade presente. 

A geração de créditos de biodiversidade é uma das possibilidades oferecidas por este novo mecanismo, permitindo que proprietários de RPPNs, por exemplo, avaliem o real valor em termos de conservação de suas áreas e ofereçam esses créditos a corporações interessadas em agregar valor aos seus negócios, recebendo um retorno financeiro pelo serviços que prestam à sociedade. Mais abrangente do que ferramentais mais convencionais, que são focadas em elementos específicos como água ou carbono, uma avaliação do conjunto dos serviços ecossistêmicos oferecidos por ações variadas no campo da conservação se mostra como um elemento de vanguarda que, no entanto, precisa ser expandido de forma ambiciosa e sem mais perda de tempo.

Considerando o valor excepcional das demonstrações de compromisso com a conservação realizadas pelos proprietários que criaram suas RPPNs, é evidente que o encadeamento de iniciativas que projetam a aplicação de práticas de reconheçam o valor da produção de natureza de áreas naturais bem conservadas, devem ser foco de atendimento prioritário e na escala correspondente. E estas medidas precisam seguir com máxima agilidade com uma ampliação de iniciativas capazes de reverter o quadro presente. 

Não há mais justificativas que se sustentem na falta de conhecimento ou falta de iniciativas demonstrativas de sucesso. Elas já existem e estão disponíveis para sua aplicação em grande escala. Ou assumimos uma posição intransigente que permita uma verdadeira mudança de cenários, com a incorporação qualificada dada conservação da natureza na agenda dos negócios e das políticas públicas governamentais, ou seguiremos fazendo investimentos emergenciais desbaratados, sem resultados adequados, para custear as mazelas sociais e econômicas crescentes causadas por nossas próprias ações, passadas e presentes, em prol do desequilíbrio na natureza.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Clóvis Borges

    Diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS)

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Comentários 7

  1. Claudio Barros diz:

    Discordo em parte com a opinião dada. Não penso de deva ter compensação por algo que precisa ser feita, até mesmo para a sobrevivência dos donos das terras. Se os donos têm essa consciência de que sem a preservação tudo irá por água abaixo, por que serem compensados? Cito o exemplo do fotógrafo Sebastião Salgado e sua esposa com o reflorestamento de sua propriedade. Eles não precisaram de nenhum incentivo, e fizeram isso porque sabem que a degradação do meio ambiente só traz prejuízos para a sociedade. Como o nome diz, a RPPN é particular, e não é aberta à sociedade, somente para aqueles que os donos deixarem entrar… Enfim, o meio ambiente, as florestas não deveriam ter donos, e sim protetores das mesmas.


    1. Nenopreta diz:

      Quando se fala em auxiliar os protetores de RPPN,dão as mais exdrulas.desculpas,mas sem elas e eles teremos desertos e não teremos agua


    2. Cláudio, acredito que as RPPNs precisam serem: mais divulgadas, mais pesquisadas e mais visitadas. A recompensa poderá vir destes serviços entre outros. Mas, precisamos criar uma cultura nesse sentido.


    3. Clovis Borges diz:

      Caro Claudio! Num mundo diferente do real suas inferências seriam mais aderentes. No entanto seguimos recebendo informações de proprietários de RPPNs que estão angustiados e sem nenhuma condicão de seguir mantendo suas áreas. A utopia defendida por você, embora desejável, não condiz com a dura realidade.


    4. Olá, Cláudio. Até onde sei, o casal Sebastião Salgado e esposa tiveram grandes patrocínios (posso estar enganado) e aplicaram vultosas somas de dinheiro na restauração das matas nativas na sua propriedade. Sou proprietário de RPPN há 31 anos mas preservo nossa área há 34 anos. O fiz sem pensar em retornos financeiros. Uma RPPN pode até não receber público, mas, presta relevantes serviços de utilidade pública e por isso devem ser incentivadas sim, não para dar lucro, mas, para, pelo menos, ajudar nas despesas de manutenção e proteção, que não são poucas, principalmente neste país em que caçadores continuam atuando impunes, ladrões de palmito infernizam os proprietários e a fauna, que perde, nos frutos dos palmiteiros, uma de suas principais fontes de alimento, cachorros e gatos soltos que adentram as reservas perseguindo a fauna e tantos outros problemas que os proprietários tem que enfrentar.


      1. Asafe Guardião Florestal diz:

        Lauro, cara, nós desenvolvemos um plano de setembro de 2008 a novembro de 2017, na seguinte escala: 365 dias X24 horas. Conseguimos zerar as atividades de caça e concomitante com adoção do projeto socioeducativo ambiental palmares, durante aos sábados . Trazendo crianças, adolescentes e jovens, para dentro e procurando desenvolver um sentimento de pertencimento. Fica a dica!


  2. Asafe Guardião Florestal diz:

    Clóvis, concordo contigo e digo mais se nós conseguirmos proteger todas as UC em todos os níveis. Poderemos descansar tranquilos. Fizemos a tarefinha de casa como diz meu neto Dante!