Análises

Um desabafo sobre a insegurança no parque mais visitado do país

O Parque Nacional da Tijuca coleciona histórias de assalto que transbordam do contexto urbano da cidade do Rio de Janeiro para dentro da área (des)protegida

Luciana Nogueira ·
1 de agosto de 2024

Em meio a cidade Maravilhosa está o menor parque nacional do Brasil. E o mais visitado. O Parque Nacional da Tijuca é um ponto turístico extremamente procurado por pessoas do mundo todo e um lugar de amor para os cariocas. Montanhistas, praticantes de esportes e de atividades ao ar livre, caminhantes, famílias que vão passar o dia, pesquisadores, o Parque faz parte da vida diária dos moradores do Rio de Janeiro de alguma forma.

O Parque Nacional da Tijuca é uma unidade de conservação de proteção integral, aberta ao uso público diariamente com entrada gratuita. Em uma metrópole como o Rio de Janeiro, permeada por problemas socioeconômicos, ter uma área de lazer absolutamente incrível e sem qualquer custo financeiro para o seu usufruto é mais que um privilégio, é um direito de cidadania, uma necessidade e um refresco no dia a dia do carioca.

Sou frequentadora assídua desta Unidade de Conservação desde muito nova. Montanhista, sempre frequentei as trilhas, cachoeiras e pontos de escalada nos três setores abertos ao público. Há cerca de 12 anos, sou voluntária ambiental dedicada, devolvendo com atividades de conservação e preservação todo o bem-estar e alegria que o PNT – como carinhosamente é conhecido o parque –, traz pra minha vida. E, como um pedaço do “meu quintal”, tudo que lá acontece me afeta pessoalmente.

A Cachoeira das Almas, no PNT. Foto: PNT/Divulgação.

Vivemos numa cidade conhecida pelas dificuldades sociais e sérios problemas de segurança, a despeito de ser, também, uma preciosidade de beleza e alegria no mundo inteiro. Nos últimos anos, o turismo de natureza cresceu de forma exponencial e o Rio de Janeiro, com suas belezas naturais apaixonantes, é um convite irrecusável para explorar este setor do turismo. E se divulgamos o ecoturismo em nossa cidade para o mundo, precisamos ter um receptivo à altura. É decepcionante, além de cansativo e irritante, ver a cidade abandonada em relação à segurança pública, carente de ações ostensivas e efetivas por parte do Estado.

Nos últimos meses, ocorrências de assalto, alguns à mão armada, no interior da Floresta da Tijuca – um dos setores do parque – têm tirado o sono e a alegria de todos que frequentam o Parque Nacional da Tijuca. Estar em uma área natural “protegida” e ser vítima de violência urbana é uma incoerência inaceitável! Já não bastam os cuidados e procedimentos que todos temos que ter nas ruas do Rio de Janeiro, para evitar assaltos e furtos, hoje, todo aquele que deseja bater pernas pelo Parque Nacional da Tijuca, precisa analisar se o local é de risco e hesitar em levar bens às vezes necessários à atividade, como um relógio ou um celular. Vivemos em cárcere privado no Rio de Janeiro, vítimas da violência urbana também em áreas naturais (des)protegidas!

No dia 24 de julho, um grupo de 12 caminhantes foi assaltado por três bandidos armados na Cachoeira das Almas, um ponto conhecido e muito visitado do Parque Nacional da Tijuca e não muito distante do Barracão, a sede administrativa do Parque. Momentos de muito medo, susto e desgaste emocional para as vítimas, impotentes diante da falta de ação do Estado. O PNT não possui e não presta serviço de guarda ostensiva, sendo apenas uma “sensação” de segurança com a presença de guardas patrimoniais nos acessos ao Parque.

Garantir a segurança pública em relação à violência de assaltos e crimes afins dentro da Unidade de Conservação é competência do Estado através da Polícia Militar, não do Parque. É preciso que o policiamento aconteça de forma frequente e estratégica e não apenas pontualmente, quando um assalto acontece e se torna público, através das mídias. Assaltos sempre deixam as vítimas vulneráveis diante do agressor, mas em uma área natural, geralmente com menor fluxo de pessoas, esta vulnerabilidade se torna uma arma extra para os assaltantes. A sensação de impotência é aumentada e isso contribui, inclusive, para que a vítima sequer registre a ocorrência, já que o senso comum nos leva a acreditar que nada adianta fazer após a violência consumada.

Esta não foi uma ocorrência isolada. Semanas antes, outro assalto no PNT aconteceu, modus operandi similar. E, mais uma vez, nada aconteceu em termos de policiamento local, de estratégias de segurança e respostas ao cidadão.

E a lista continua. São dezenas de histórias de assaltos no Parque Nacional da Tijuca nos últimos anos. Quase todo mundo que frequenta o Parque conhece alguém que passou por um assalto ali. A sociedade civil se vê refém do descaso e da desinformação. A quem recorrer quando vítima de uma violência urbana, como assaltos, dentro de uma Unidade de Conservação?

Hoje, a nossa tentativa de segurança é seguir orientações “criadas” pela própria sociedade, como “não ir ao ponto X”. Ou seja, temos uma área natural aberta ao uso público que não pode ser usufruída pela população porque não há segurança pública mínima garantida! Não deveriam existir pontos “proibidos” dentro de um parque natural de uso público!

O PNT se localiza no coração da cidade, uma floresta imensa com vários acessos além dos oficiais (guaritas de entrada do Parque) e que urge e deve ser policiada, com base nos dados recorrentes. Os funcionários e prestadores de serviço do Parque não têm ingerência sobre a ação de segurança do usuário e não a promove, portanto. A violência que assola as áreas urbanas há tempos entrou na Floresta pelas trilhas e caminhos que ligam o Parque a comunidades no entorno. As vítimas informam ao Parque, à Policia Civil, quando registram a ocorrência, e o ciclo segue, não havendo qualquer ação por parte do Estado para coibir a situação.

Corcovado e Floresta da Tijuca vistos do Mirante Dona Marta. Foto: Mcalvet/Wikipédia.

Grupos de trilhas, grupos de amigos, Associações, Movimentos, clubes excursionistas se reúnem em busca de soluções, denunciam ao Parque, pedem ao Estado ações mais efetivas com um policiamento ostensivo e nada de concreto tem sido feito. Precisamos que a Polícia Militar esteja nas trilhas, cobrindo os pontos já conhecidos, oferecendo segurança pública real e estratégica – o seu trabalho elementar! Precisamos que a Unidade de Conservação exija do Estado o cumprimento básico de segurança mínima, uma vez que a realidade mostra esta necessidade. A cidade do Rio de Janeiro se coloca como anfitriã inequívoca do Turismo de Natureza e precisa garantir a segurança e a operacionalidade destas atividades. Temos uma Unidade de Conservação maravilhosa no coração da cidade e o Poder Público não cumpre o seu dever de garantir segurança básica ao morador do Rio de Janeiro que deseja aproveitar o Parque.

Seguimos todos sendo vítimas diretas e indiretas do abandono da cidade do Rio de Janeiro, deixando de exercer nosso direito básico de ir e vir. Antes, a insegurança assolava as áreas urbanas. Hoje, entrou nos parques naturais e cresce a olhos vistos. E somos nós, usuários destas áreas naturais os únicos perdedores. Até quando a administração pública do Rio de Janeiro tratará seus patrimônios – natural, social e cultural – com tanto descaso e desrespeito?

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Luciana Nogueira

    voluntária da Rede Brasileira de Trilhas e coordenadora de comunicação da Trilha Transcarioca

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