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Publicado originalmente por Mongabay
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, gosta de afirmar que estrangeiros não têm o direito de opinar sobre o futuro da Amazônia porque esta é uma questão de soberania nacional. Sua lógica é a seguinte: a Amazônia brasileira é um território soberano do país e, portanto, o Brasil tem o direito de fazer o que quiser com ela, seja desmatá-la para abrir novas áreas para pastagem e plantações de soja, seja tomar a decisão de conservá-la.
Ao apresentar esse argumento, Bolsonaro acaba criando uma enorme conspiração, de acordo com a qual órgãos como a ONU tentam “internacionalizar” a Amazônia, alegando que ela pertence ao mundo. Essa teoria da conspiração não é nova: durante a ditadura militar que ocorreu entre 1964 e 1985 no país, essa narrativa era comum e ainda hoje é utilizada com frequência por opositores dos esforços de conservação da floresta.
Agora, com a atenção do mundo todo voltada para os incêndios na Amazônia, Bolsonaro está novamente usando essa retórica. Hoje, por exemplo, ele citou a soberania do Brasil (e o que entendeu como sendo “insultos” de Emmanuel Macron após ter ofendido a esposa do presidente francês) como desculpa para recusar uma contribuição de $20 milhões do G7 para combater os incêndios.
Com o avanço dos incêndios, algumas pessoas nas redes sociais estão propondo a ideia de que a Amazônia é um bem comum universal. Porém, esse discurso vai exatamente ao encontro da narrativa de Bolsonaro, fortalecendo ainda mais seu argumento.
Essa é uma abordagem equivocada por parte daqueles que estão preocupados com o futuro da floresta. Ao invés disso, as pessoas de todo o mundo que estão realmente preocupadas deveriam falar sobre como uma Amazônia saudável e produtiva na verdade solidifica a soberania do Brasil ao fortalecer a segurança alimentar, hídrica e energética, ao mesmo tempo em que mantém as boas relações com os países vizinhos.
Esse argumento vai direto ao ponto e está embasado na boa ciência – ciência feita por cientistas brasileiros.
- Segurança hídrica: através do processo de transpiração, as árvores da Amazônia são responsáveis por gerar boa parte das chuvas do ecossistema. De modo geral, a floresta tropical atua como uma “bomba d’água”. Ela cria um ciclo que puxa a umidade do solo e do oceano Atlântico tropical e a transporta para o interior da América do Sul, além das suas fronteiras, provocando precipitação em boa parte do continente. Antonio Donato Nobre, cientista brasileiro conhecido por falar sobre os “rios voadores” que sobrevoam a floresta, diz que a Amazônia mantém o sul da América do Sul muito mais verde do que áreas em latitudes semelhantes em outros continentes e também diminui a atividade vulcânica ao longo da costa brasileira. Acabar com essa função poderia ser catastrófico para a segurança hídrica do Brasil e de outros países. Cientistas alertam que a escassez de água é uma possibilidade real, se a combinação entre altas temperaturas e desmatamento levar o ecossistema da floresta tropical a atingir o ponto crítico de se transformar em uma paisagem mais seca e menos arborizada, semelhante ao cerrado, que cobre mais de 20% do território brasileiro. Essa transição poderia até mesmo mudar a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), que circula umidade em todo o mundo próximo da linha do equador, intensificando a seca desde a região sul da Amazônia até a Argentina.
- Segurança alimentar: a maior parte da agricultura no Brasil (e na América do Sul como um todo) é produzida em áreas que recebem precipitação direta ou escoamento superficial da Amazônia. Os centros agrícolas da América do Sul no Brasil, no Paraguai e na Argentina são especialmente dependentes da floresta. Caso a Amazônia se transformasse em um ecossistema mais seco, análogo a savana, as potências agrícolas da América do Sul teriam de enfrentar o desafio de buscar outras fontes viáveis de água.
- Segurança energética: mais de 70% da eletricidade do Brasil vem das hidrelétricas. A falta de chuvas prolongada afeta drasticamente a malha energética do país, causando efeitos negativos tanto para os moradores das áreas rurais quanto para os das áreas urbanas. Substitui-las por outras fontes renováveis ou combustíveis fósseis é um investimento de longo prazo.
- Boas relações com países vizinhos/segurança nacional: os países vizinhos ao Brasil se beneficiam dos serviços proporcionados por uma Amazônia saudável e produtiva. Se a degradação da floresta atingir o ponto de afetar a oferta de água, levar fumaça e névoa para os centros urbanos ou desencadear fluxos de refugiados, isso poderia causar atritos entre o Brasil e seus vizinhos.
Em suma, desestruturar a função ecológica da Amazônia põe em risco a base econômica do Brasil. Em outras palavras: uma Amazônia saudável e produtiva é necessária para uma economia brasileira saudável e produtiva.
Quando Bolsonaro agrada sua base falando em abrir a Amazônia para o desmatamento, ele está adotando uma abordagem de curtíssimo prazo. Os agropecuaristas estarão entre os maiores perdedores no longo prazo se a floresta tropical se transformar em um ecossistema mais seco.
Ao invés de falar sobre a internacionalização da Amazônia, os críticos do presidente do Brasil e de suas políticas deveriam buscar pontos em comum com seus apoiadores. O bem-estar econômico do Brasil parece ser um bom ponto de partida.
Artigo original: https://news.mongabay.com/2019/08/a-healthy-and-productive-amazon-is-the-foundation-of-brazils-sovereignty/
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Não se sabe se Rhett A. Butler é um inocente útil ou alguém consciente da instrumentalização da questão ambiental contra as soberanias nacionais e cidadania. O fato é que a cada dia o ambientalismo se configura como uma ameaça autoritária e recebe por sua vez a resposta concernente.
ONGs, Academia e ambientalistas estão com o seguinte dilema: aderem ao autoritarismo de entidades e burocratas não eleitos apoiando uma instancia mundial centralizadora ou defendem nações e autodeterminação dos povos reforçando a tese de que o desenvolvimento sustentável deve ser substituído pelo subdesenvolvimento politicamente correto o que inclui ataques à expansão demográfica e acesso à tecnologia, aumentando a desigualdade entre os povos e pessoas, na medida em que cria castas entre governantes e governados à nível mundial.
Para reflexão devemos sempre considerar o manifesto denúncia "O império das ONGs e o loteamento da Amazônia" de autoria de Aziz Ab'Saber, Mauro M. Victor e Flávio Garcia. (Bom resumo em https://bit.ly/2RguzEh ) e vale a pena ler sobre o Sínodo da Amazonia, havendo uma excelente matéria em La Gran Época "Sínodo Pan-Amazônico: lance chave na metamorfose do comunismo" disponível em https://bit.ly/2lz3cr2
Pois é, Flavio.
Basta ver o penúltimo paragrafo desta matéria infeliz "Quando Bolsonaro agrada sua base falando em abrir a Amazônia para o desmatamento", para constatar a falta de compromisso com a verdade.
Bolsonaro NUNCA disse isto.
Concordo! Ele disse que iria aumentar a quantidade de terras indigenas e de unidades de conservação, deu todo o apoio necessário às ações de fiscalização, busca combater o garimpo em terras indígenas, nomeou um ministro do meio ambiente interessado e informado em conservação, reforçou a atuação dos órgãos e dos técnicos responsáveis pelo monitoramento dos desmatamentos e queimadas, além de apoiar fortemente as universidades e instituições de pesquisa. Realmente não sei como tantas queimadas foram acontecer! Deve ser a ação de ONGs marcianas.
Verdade! Olavo de Carvalho para a Onu
Muito bem colocada a dúvida relativa a este Sr. Butler ! Resta-nos investigar profundamente tais objetivos deles e dos grupos a eles associados, verificando efetivamente suas atividades. O momento é delicado onde até a Santa Sé entra em tal discussão criando o tal Sínodo da Amazônia, associando-se a pessoas inadequadas ao processo em questão. Fica a dúvida: “o governo brasileiro apoia ou não tais ações estrangeiras ?”.